Acórdão nº 569/13.0PBCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução13 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Castelo Branco – Instância Local – Secção Criminal – J1, mediante despacho de pronúncia, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido A...

, com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, do C. Penal.

Por sentença de 15 de Abril de 2015 foi o arguido absolvido da prática do imputado crime.

* Inconformada com a decisão, recorreu o assistente A... , formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

  1. O Tribunal a quo deveria ter julgado provado, face à inequívoca prova testemunhal que foi produzida, que "No dia 08-04-2013, pelas 12h e 45m, na Av. General Humberto Delgado, nesta cidade, em frente ao n.º 31, a arguido aproximou-se de A... e agarrou-o pelo pescoço, em seguida empurrou-o, provocando-lhe dores" e que "O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de ofender o corpo de A... , o que logrou conseguir".

  2. As declarações do assistente gravadas a 20150413100613_1046730_2870671, de 01:28 a 01:43, e o depoimento prestado pelas únicas testemunhas presenciais dos acontecimentos, C... e D... , gravadas, respetivamente, a 20150413101843_1046730_2870671 de 02:29 a 03:08 e a 20150413102939_1046730_2870671, de 03:18 a 03:23, provam que o arguido agarrou o assistente pelo pescoço e depois o empurrou, provocando-lhe dores.

  3. Da douta Sentença não resulta qualquer juízo positivo, ou iter lógico, que conduza à dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório "sobre o que efectivamente aconteceu", não sendo a fundamentação ali vertida suscetível de conduzir à dúvida que determinou a absolvição do arguido.

  4. Da prova que foi produzida é possível concluir a existência de razões para as agressões do arguido, justificadas, por um lado, no litígio entre as famílias confirmado pelo "Irmão e Pai do arguido" e, por outro, pela troca de palavras que antecederam as agressões afirmado pelo assistente e pela testemunha C... .

  5. O facto de o assistente ter ficado com um "corte" no pescoço, mas não ter procurado assistência médica, não põe em causa a versão dos factos ou sustenta a dúvida razoável quanto à forma como os mesmos ocorreram, por não ter ficado demonstrada, por um lado, a gravidade do corte e, por outro, pelo facto de o assistente ter dito que só fez queixa por ter ocorrido um episódio posteriormente e para evitar repetições (03:17 a 03:38).

  6. O facto de as testemunhas C... e D... terem feito referência ao facto de as agressões terem ocorrido no Inverno justifica-se com o tempo frio que se fazia sentir, não sendo suficiente para criar dúvidas sobre a forma como os acontecimentos ocorreram.

  7. Face à prova produzida, os argumentos apontados na Sentença não são suscetíveis de criar dúvida positiva e objetivável sobre a forma como os factos ocorreram e, por conseguinte, suscetíveis de afastar a certeza quanto aos factos descritos na acusação. H) Pelo que, deveria o tribunal ter dado como provada a factualidade imputada ao arguido na acusação e, consequentemente, condená-lo pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p.p. pelo artigo 143.º do Código de Processo Penal.

  8. Ao absolver o arguido com base no princípio do in dubio pro reo, a douta Sentença padece de vício de erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c) do N.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

    Termos em que, e nos melhores de Direito que V.Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a douta Sentença recorrida, fazendo, assim, a costumada Justiça! * Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: 1 – O artigo 127º do Código Processo Penal dispõe que a prova é apreciada "segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente".

    2 – O julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base em juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.

    3 – O que releva é a convicção do Tribunal assente na prova produzida em audiência no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, sendo certo que na valoração da prova depende para além do conteúdo das declarações e dos depoimentos prestados, do modo como os mesmos são assumidos pelo declarante e pela testemunha e da forma como são transmitidos ao tribunal.

    4 – Assim relevam, a par da postura e do comportamento geral do declarante e da testemunha, para efeitos da determinação da credibilidade deste meio de prova, do carácter, da probidade moral e da isenção de quem declara ou testemunha.

    5 – Ora, temos em confronto uma versão apresentada pelo arguido que nega os factos e uma versão apresentada pelo ofendido a qual foi confirmada pelo irmão e pela testemunha C... que é empregado deste num contexto em que existe um litígio entre as famílias a propósito da herança, o que já levou a diversos processos em Tribunal.

    6 – O Tribunal entendeu que a prova produzida em audiência de julgamento não permite formar uma convicção segura sobre o que efetivamente sucedeu, não formando uma convicção segura de que os factos se passaram conforme o descrito na acusação.

    7 – E apesar de haver quem confirme a versão apresentada pelo ofendido a circunstância pessoal e de emprego e por não haver qualquer perícia de onde se retira a existência de qualquer mazela física criaram dúvida no Tribunal.

    8 – Dúvida essa que assumindo uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos atas humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja algum motivo de dúvida – Cristina Monteiro "In Dubio Pro Reo" Coimbra Editora, 1997.

    9 – E, em caso de dúvida razoável e insanável sobre os factos o Tribunal deve decidir a favor do arguido.

    10 – É o que se passa nos presentes.

    V. Exªs, Senhores Juízes Desembargadores, no entanto, decidirão e farão como sempre JUSTIÇA.

    * Respondeu também ao recurso o arguido, alegando que o recorrente ignora o princípio da livre apreciação da prova, que as declarações deste não são mais credíveis do que as suas próprias declarações, que não seria razoável que, tendo combinado com a testemunha K... ir pagar-lhe o condomínio, aproveitasse a ocasião para zaragatear com o recorrente e que, se por hipótese, se entendesse que andaram agarrados, sempre estaríamos perante uma bagatela, sem dignidade penal, e concluiu pelo não provimento do recurso.

    * Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, considerando encontrar-se incorrectamente fundamentada a aplicação do in dubio pro reo, afirmando ter sido produzida prova que, determinando a modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto, conduz ao cometimento do crime de ofensa à integridade física, com a consequente condenação do arguido em pena de multa, e concluiu pela procedência do recurso.

    * Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido o arguido, discordando do subjectivismo que atribui ao parecer, afirmando a necessidade de serem observados os princípios da oralidade e da imediação da prova e reafirmando segmentos da contramotivação, e concluiu pela improcedência do recurso.

    * Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

    * * * * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

    Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto; - O erro notório na apreciação da prova por indevida aplicação do pro reo; - O preenchimento do tipo do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, do C. Penal.

    * Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

  9. Nela foram considerados provados os seguintes factos: “ (…).

    1. O arguido é bancário, auferindo €2100 por mês.

    2. Estudou até ao 4.º ano de Gestão de Empresas.

    3. Tem dois filhos a cargo com 22 e 25 anos que se encontram a estudar na Universidade.

    4. Habita em casa própria, pagando de mensalidade ao banco cerca de €300,00.

    5. Não tem antecedentes criminais.

    (…)”.

  10. Nela foram considerados não provados os seguintes factos: “ (…).

    - No dia 08.04.2013, pelas 12h e 45min, na Av. General Humberto Delgado, nesta cidade, em frente ao n.º 31, o arguido aproximou-se de A... e agarrou-o pelo pescoço, e em seguida empurrou-o, provocando-lhe dores.

    - O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de ofender o corpo de A... , o que logrou conseguir.

    - O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    [Da contestação:] - O arguido não cometeu o crime de que veio acusado.

    - O arguido é pessoa pacífica, muito reputado como bancário de elevada categoria.

    (…)”.

  11. E dela consta a seguinte motivação de facto: “ (…).

    Fundou o Tribunal a sua convicção quer no conjunto da prova testemunhal produzida em julgamento, quer nos documentos juntos aos autos, conjugada com regras de experiência comum (cfr. art. 127º do C.P.P.).

    Baseou-se aquela convicção numa apreciação livre da prova testemunhal, na qual se sobrelevou o conhecimento pessoal e directo dos factos perguntados, a postura denotada pelas testemunhas, bem como a convicção e transparência dos depoimentos.

    A nível de prova...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT