Acórdão nº 4992/13.1TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA CATARINA GON
Data da Resolução01 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A...

, residente na Rua (...) , Leiria, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de C... , instaurou a presente acção contra B...

, Companhia de Seguros, S.A., com sede na Av. (...) , Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 9.975,96€ acrescida de juros desde 11/11/2010.

Alega, para o efeito, que o autor da herança – falecido em 11/11/2010 – havia celebrado com a Ré – em 29/09/2000 – um contrato de seguro de acidentes pessoais, cuja cobertura base era “por morte ou invalidez permanente” com o capital de 9.975,96€ e no qual constavam com beneficiários, em caso de morte, os herdeiros legítimos. Mais alega que o autor da herança veio a falecer devido a enfarte agudo do miocárdio de causas naturais que, não sendo expectável, do ponto de vista clínico e dos exames efectuados, deve ser qualificado como acidente para os efeitos do aludido contrato de seguro, sendo certo, porém, que a Ré tem negado a sua responsabilidade por considerar que a morte não foi consequência de acidente mas sim de uma situação de doença que não se enquadra nas garantias da apólice.

A Ré contestou, sustentando, em suma, que a morte de C... deveu-se a enfarte agudo do miocárdio, situação que não se subsume à definição de acidente que constava do contrato, porquanto não decorre de qualquer causa externa, sendo certo, além do mais, que para a sua verificação também terão contribuído as doenças de que o mesmo padecia, como sejam diabetes, hipertensão arterial e hipertrofia ventricular.

Assim e porque o contrato de seguro apenas garantia a cobertura de morte em consequência do acidente, conclui pela improcedência da acção.

Foi realizada a audiência prévia, no decurso da qual a Ré invocou a ilegitimidade da cabeça de casal porquanto a herança ilíquida e indivisa deveria estar representada por todos os herdeiros.

A Autora aceitou essa ilegitimidade e comprometeu-se a deduzir o competente incidente de intervenção provocada.

Foi proferido despacho que concedeu à Autora o prazo de dez dias para deduzir o aludido incidente.

As partes foram, então, informadas que estavam reunidas todas as condições para proferir decisão de mérito e pelas mesmas foi dito que mantinham a posição já assumida nos articulados, concordando que inexistia prova a produzir.

Posteriormente, na sequência do incidente deduzido pela Autora, foi admitida a intervenção principal de D..., E...

e F...

(esta representada pela sua progenitora, G... ), os quais, conjuntamente com A... , asseguram a representação da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C... .

Citados os Intervenientes, vieram A... , D... e E... juntar procuração, declarando ratificar o processado anterior.

Foi proferido despacho saneador onde se conheceu do mérito da causa – por se ter entendido que o estado do processo permitia a apreciação total do pedido deduzido sem necessidade de mais provas – decidindo-se nos seguintes termos: “• Condeno a ré a pagar à HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE C... – representada por A... , D... , E... e F... (representada pela sua progenitora, G... ) – a quantia de € 9.975,96 (nove mil, novecentos e setenta e cinco eur os e noventa e seis cêntimos), acrescida esta quantia dos juros de mora às sucessivamente vigentes taxas supletivas para os juros comerciais, desde a data da participação efectuada à ré – 27/10/2011 - e até integral pagamento.

  1. Absolvo a ré do demais peticionado.

  2. Condeno autora e ré no pagamento das custas na proporção dos seus decaimentos, a calcular aritmeticamente considerando a data a partir da qual a autora peticiona o pagamento dos juros de mora – 11/11/2010 - e aquela que se veio a fixar – 27/10/2011”.

    Discordando dessa decisão, a Ré veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: I. O direito ao Capital Seguro peticionado pela A. nos presentes Autos não integra o acervo hereditário deixado por C... , pois não integrava o conjunto de situações jurídicas na sua titularidade no momento da morte.

    1. Tal direito só passa a existir se a Pessoa Segura falecer e já após a sua morte, pelo que surge, desde logo, na esfera jurídica dos respectivos Beneficiários, a título próprio.

    2. Muito embora o direito à prestação devida pela Seguradora resulte da morte da Pessoa Segura não assume natureza sucessória nem determina qualquer aplicação das regras próprias do direito sucessório.

    3. Daí que o pagamento eventualmente devido aos Beneficiários seja feito no estrito cumprimento de um dever ou obrigação contratual assumida no Contrato de Seguro celebrado com o falecido C... e não por via sucessória ou equivalente.

    4. A designação dos Beneficiários do Contrato de Seguro dos Autos por alusão aos Herdeiros legais, é uma mera fórmula de referenciação, cuja interpretação imposta pelo n.º 2 do artigo 201.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro é a de que se consideram como tais todos os Herdeiros legais que o sejam à data do falecimento da Pessoa Segura e nunca a própria Herança, que é parte ilegítima nos presentes Autos.

    5. É este o sentido com que a dita norma, em conjugação com o disposto no artigo 2024.º do Código Civil, devia ter sido interpretada e aplicada pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, a qual, por isso mesmo, mal andou ao condenar a R. a pagar o Capital Seguro à Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C... , quando os Beneficiários do Contrato de Seguro dos Autos são, isso sim, os seus Herdeiros legais, cada um por si.

      Acresce que, VII. O Tribunal “a quo” não pode fazer aplicar o artigo 27.º do Código de Processo Civil para admitir a «Intervenção Principal Provocada» dos Herdeiros em falta e não os sujeitar às demais consequências aí estipuladas, pelo que, salvo melhor entendimento, também a este propósito, não podia o Douto Tribunal “a quo” Decidir como Decidiu.

    6. Ao silêncio da Chamada F... que nada disse, após ter sido regularmente notificada para tanto, não pode deixar de se aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 27.º do Código de Processo Civil, pois, sem a ratificação de todo o processado por todos os Herdeiros não pode senão concluir-se pela irregularidade da representação da Herança nos presentes Autos e, por consequência, também, pela ilegitimidade da Apelada para peticionar da ora Apelante o pagamento da totalidade do Capital Seguro, tal como o faz.

      Por outro lado, IX. A morte de C... foi devida a enfarte agudo do miocárdio, o qual, salvo melhor opinião, não se subsume à definição de acidente contratada, desde logo, porquanto lhe falta tanto o requisito da exterioridade como o nexo causal exigidos para accionar a Apólice em apreço.

    7. O requisito da exterioridade, que é um dos elementos integradores do conceito de «acidente», para efeitos do Contrato de Seguro dos Autos, impõe a exclusão dos eventos ocorridos ou desencadeados no interior do corpo, inerentes à própria vítima, como é o caso de um enfarte agudo do miocárdio, que advém do próprio organismo, tendo uma génese perfeitamente interna.

    8. O Douto Tribunal “a quo” opera uma deficiente valoração da prova para concluir que o enfarte agudo do miocárdio que vitimou a Pessoa Segura resultou do choque anafiláctico que desenvolveu durante a indução anestésica a que se submeteu para a realização de uma intervenção cirúrgica, por ser portador de Transtorno de disco invertebral.

    9. Contudo, a aceitar-se que o enfarte agudo do miocárdio sofrido por C... resultou desse choque anafiláctico então não podia a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” desatender a origem interna de uma reacção alérgica como a descrita, que ocorre inegavelmente dentro do próprio corpo e já aí existia ainda que não previamente detectada ou manifestada e, portanto, ainda que não fosse expectável.

    10. A mera administração de antibiótico para indução anestésica, por si só, sem o concurso de uma desconhecida predisposição do organismo da Pessoa Segura (a alergia), não é suficiente para causar esse choque anafiláctico, determinando um enfarte agudo do miocárdio e, por sua vez, a morte, a qual, nesse sentido, não foi causada por causa exterior.

    11. Aliás, do Certificado de Óbito de C... consta que a causa da sua morte (causa directa i.e. doença, traumatismo ou complicação que levou directamente à morte) é desconhecida (Facto Provado 9), o que significa que para os próprios médicos não se mostrou tão evidente como para a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” que o enfarte agudo do miocárdio resultou daquele choque anafiláctico, o que esta não podia simplesmente concluir sem qualquer confirmação médica nesse sentido.

    12. Consequentemente, também não podia dar como não provado que «o enfarte agudo do miocárdio causador da morte de C... se tenha ficado a dever a qualquer circunstância atinente ao organismo do falecido C... , designadamente aos antecedentes pessoais de Diabetes Mellitus Tipo II e Hipertensão arterial, à obesidade ou à hipertrofia ventricular ou de qualquer modo associado ao outro enfarte agudo do miocárdio recentemente sofrido pela vítima».

    13. Pois, se a própria ciência não pôde determinar com rigor a causa da morte de C... não é de afastar liminarmente a possibilidade de outros factores, tais como os que antecedem, terem influído na sua ocorrência.

    14. O facto de não ser expectável que tais antecedentes pessoais pusessem em causa a realização da cirurgia acima referida, nem o surgimento do choque anafiláctico, não implica que não estes não tenham efectivamente contribuído para a causa da morte de C... , ademais quando esta permanece desconhecida, o que quebra irrecuperavelmente o nexo de causalidade.

    15. Por fim, merece censura a condenação da R. ora Apelante no pagamento de juros de mora supletivos, à taxa comercial, porquanto o disposto no n.º 3 do artigo 102.º do Código Comercial apenas se aplica «relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais», o que não sucede no presente caso face à aqui A. que é a Herança deixada por óbito de C... .

      TERMOS em que deverá ser concedido...

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