Acórdão nº 2125/13.3TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE FRAN
Data da Resolução02 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Nos autos de processo comum (juiz singular) que, sob o nº 2125/13.3TAVIS, correram termos pela Secção Criminal (J1), da Instância Local de Viseu, da Comarca de Viseu, foi o arguido A...

submetido a julgamento, pronunciado pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1 alínea d), do Código Penal.

Levado a efeito o julgamento, viria a ser proferida sentença, decidindo nos seguintes termos (extracto): «Pelo exposto, na procedência da pronúncia, decide-se condenar o arguido, pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1 alínea d), do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, o que perfaz a importância de 360 Euros.

Mais se decide condenar o arguido nas custas criminais do processo e demais encargos (artigos 513º, nºs 1 e 3, e 514º do Código de Processo penal), com taxa de justiça que se fixa em 2 UC.

Após trânsito remeta boletins ao D.S.I.C.» Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, concluindo nos seguintes termos: 1. O arguido foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, p.p. pelo artº 256º, 1, d) do CP, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 6€, num total de 360€.

  1. E isto porque o arguido, enquanto legal representante da sociedade denominada de “B... , L.da”, com sede na Rua (...) , em Viseu, fez constar numa acta de 10/9/2013, que aquela sociedade não tinha activo nem passivo, e todavia aquele sabia que esse facto declarado era falso uma vez que estava perfeitamente consciente de que a mesma tinha, naquela data, pelo menos, a dívida correspondente à coima e custas aplicadas nos autos de recurso de contra-ordenação nº 957/12.9TBVIS, que correu termos pelo 1º Juízo Criminal de Viseu.

  2. Posteriormente, o arguido requereu na 1ª Conservatória do Registo Comercial de Viseu a instauração do Procedimento Especial de Extinção Imediata de Entidades Comerciais, previsto nos artºs 27º e ss. do Anexo II ao Código do Registo Comercial, apresentando a referida acta.

  3. A decisão do tribunal recorrido assentou na consideração feita por este na fls. 13 da sentença segundo a qual: “Não restam dúvidas que o facto falso que o arguido fez constar do documento em causa, ou seja na acta em causa datada do dia 10 de Setembro de 2013, designadamente que a empresa “ B... , Ld.ª”, não tinha activo, nem passivo, é juridicamente relevante”.

  4. Ora, salvo melhor opinião, parece-me que a natureza “juridicamente relevante” do facto declarado não é suficiente para que o arguido possa ser condenado pelo crime de “Falsificação de Documento”, mormente na modalidade prevista no artº 256º, 1, d).

    E por duas ordens de razões 6. Resulta da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, quando vista na sua globalidade, que o facto falso que o arguido terá feito constar da acta da assembleia geral do dia 10/9/2013 da sociedade comercial “ B... , L.da” foi a declaração de que esta não tinha passivo, quando na realidade naquela data a mesma tinha, pelo menos, a divida correspondente à coima e às custas aplicadas nos autos de recurso de contra-ordenação nº 957/12.9TBVIS.

  5. Ou seja, segundo o tribunal recorrido, a falsidade consistirá em fazer constar da dita acta a declaração da inexistência de passivo.

  6. Ora, salvo melhor opinião – e nisto consistirá a primeira razão da discordância e, relação ao enquadramento jurídico dado aos factos pela sentença recorrida – as actas são um mero meio de documentação (narração) da historicidade contemporânea das deliberações e de outras ocorrências relevantes da reunião do órgão da pessoa colectiva.

  7. E assim, documentada a deliberação de um órgão colegial numa acta, esta apenas faz prova da verdade do facto da declaração, não da verdade do conteúdo da declaração, realidade esta que está para além da sua finalidade probatória: a acta certifica o teor das declarações prestadas e não a conformidade dessas declarações (de ciência ou de vontade) nelas insertas com a verdade ou a vontade real.

  8. Por isso, no nosso entendimento, a declaração do arguido corporizada na acta, no sentido de que a sociedade B... não tinha passivo naquela data não tem força probatória bastante para demonstrar (em termos probatórios) esse facto, não devendo a mesma ser havida como “documento probatório” dessa ausência de passivo, para os efeitos da norma incriminadora do artº 256º, 1, d), CP.

  9. Por outro lado, a sentença recorrida apenas dá como provada a existência de uma divergência entre a declaração corporizada na acta de que a sociedade não tinha passivo com a própria realidade: a sociedade tinha um passivo que consistia dívida correspondente à coima e às custas aplicadas nos autos de recurso de contra-ordenação nº 957/12.9TBVIS.

  10. Pelo contrário, o tribunal não pôs em causa os segmentos da declaração corporizada na acta, designadamente, que a sociedade também não tinha activo, e porque essa questão não se colocou, e em caso de dúvida deve a mesma ser decidida a favor do arguido, o mesmo é dizer que se deve ter por assente que a sociedade efectivamente não tinha activo.

  11. Comete um crime de falsificação de documento “quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si um benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime (…) (d) fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante”.

  12. O bem jurídico tutelado pelo iter criminis em apreço é o valor probatório dos documentos em geral, com vista a salvaguardar a segurança e credibilidade do tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental e não a protecção do património – Helena Moniz, O crime de falsificação de documentos, Coimbra Editora, 1999, reimpressão, pp. 65; e acórdão do STJ de 25/1/1996, in CJ, ano IV, Tomo I, pp. 187.

  13. Porém, só é considerado documento para efeitos jurídico-penais, aqueles que forem idóneos para provar facto juridicamente relevante, considerando-se como tais aqueles que possuem virtualidade para constituir, extinguir ou alterar relações jurídicas – cfr. artº 255º, a), CP; e Helena Moniz, ob. cit., pp. 167.

  14. Contudo, a declaração de inexistência de passivo constante da acta em causa nos autos, só por si, não é idónea (i) nem para permitir a dissolução da sociedade que se basta com a declaração dos sócios (cfr. artº 141º, 1, c), CSC), (ii) nem para...

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