Acórdão nº 86/15.3T8SRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução16 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 16.3.2015[1], Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal, C.R.L, instaurou a presente acção executiva (para pagamento de quantia certa) contra H (…) Unipessoal, Lda. (1ª executada) e J (…) (2º executado).

Alegou, no requerimento executivo, nomeadamente: - Em 03.7.2012, a requerente (instituição de crédito sob a forma de cooperativa) celebrou com os requeridos, H (…) Unipessoal, Lda., como mutuária e J (…), como fiador e principal pagador, um contrato de abertura de crédito, para “Apoio de Tesouraria” da mutuária, por descoberto na conta de depósitos à ordem (Conta D. O. da requerida/mutuária[2], com o NIB (...) , domiciliada no seu Balcão de Oleiros), até ao limite de € 25 000, a ser utilizado pela mutuária através de movimentos a crédito e a débito nessa conta, pelo prazo de seis meses, com início naquela data, renovando-se automática e sucessivamente por iguais períodos, salvo denúncia da qualquer das partes, nos termos do contrato, com vencimento de juros, contados dia a dia, sobre as importâncias utilizadas e não reembolsadas, à taxa de 16 % ao ano, obrigando-se os requeridos a fazer esse reembolso no termo do prazo inicial ou de qualquer uma das prorrogações, data em que o crédito concedido se tornava imediatamente exigível (doc. n.º 1).

- Em consequência de falta de cumprimento do contrato, designadamente por falta de pagamento pontual dos juros devidos, a requerente, nos termos da sua cláusula 6ª, denunciou o contrato através de cartas registadas com A/R de 24.02.2015, dirigidas aos requeridos e recebidas em 25.02.2015, (docs. 2, 3, 4 e 5).

- Os requeridos não pagaram as importâncias em dívida e entraram em mora em 02.3.2015.

- Segundo o n.º 4 da cláusula 3ª do mesmo contrato os requeridos, em caso de mora, devem juros à taxa nominal aplicável acrescida de 4 pontos percentuais, e, segundo a alínea a) do n.º 4 da cláusula 5ª do mesmo contrato, devem ainda as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo as com o pagamento de honorários a advogado ou mandatário da requerente, para assegurar ou obter o pagamento dos seus créditos.

- À data de 01.3.2015 os requeridos deviam à requerente a importância de € 25 640,87, saldo da aludida conta.

- Os requeridos devem à requerente, nas aludidas qualidades, em relação a este contrato, designadamente, a referida quantia e os respectivos juros de mora, tudo, no montante reclamado na execução.

- Os documentos juntos, designadamente o contrato, são títulos executivos, nos termos do disposto no art.º 703º, do Código de Processo Civil (CPC) e no art.º 33º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo DL n.º 24/91, de 11.01, e os mesmos documentos fazem prova dos montantes disponibilizados, de conformidade com o mesmo art.º e com a cláusula 1ª, n.º 5 do contrato.

Por decisão de 24.3.2015, a Mm.ª Juíza a quo, ao abrigo do disposto no art.º 726º, n.º 2, do CPC, indeferiu liminarmente o requerimento executivo, tendo considerado, designadamente: - Atenta a data da instauração da execução, aplicam-se as disposições previstas no CPC de 2013, inclusive, o preceituado no art.º 703º do referido Código; - Foi apresentado como título executivo um contrato de abertura de crédito, que, constituindo um documento meramente particular constitutivo de uma obrigação, não se enquadra em qualquer dos títulos previstos no referido art.º 703º, n.º 1, do CPC; - Pese embora o art.º 33º do DL n.º 24/91, de 11.01 – onde se prevê a exequibilidade dos documentos apresentados pela Caixa Agrícola exequente desde que assinados pelo executado – não tenha sido expressamente revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6, não podemos deixar de concluir que aquela norma deixou de ter validade por força da entrada em vigor do Novo CPC, operando-se uma revogação tácita daquele normativo.

Inconformada, a exequente interpôs a presente apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - A execução foi instaurada com base em contrato de crédito, por descoberto em conta de depósitos à ordem, celebrado em 03.7.2012, entre a exequente e os executados, assinado por todos, com o reconhecimento notarial das assinaturas destes (documento junto com o requerimento executivo).

2ª - Ao tempo em que foi outorgado o contrato junto como título executivo, o mesmo tinha força executiva não apenas por aplicação do disposto na alínea c) do art.º 46º do CPC, mas também por força das disposições combinadas da alínea d) do mesmo art.º e do preceito especial do art.º 33º do Regulamento Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo DL n.º 24/91, de 11/01.

3ª - Aquele contrato deve ser considerado com força de título executivo por aplicação do que, ao tempo da formação desse contrato, dispunham os art.º 46º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC e 33º, n.º 1, do DL n.º 24/91, de 11.01.

4ª - Não obstante o art.º 703º do Novo CPC tenha alterado a redacção da alínea c) do citado art.º 46º, o aludido contrato, independentemente da posição que se possa assumir relativamente à natureza de título executivo resultante da aplicação dessa alínea, mantém sempre essa natureza face ao disposto nas disposições combinadas do mesmo n.º 1 do art.º 33º do DL n.º 24/91 (disposição especial aplicável às Caixas de Crédito Agrícola), com a alínea d) do art.º 46º, na redacção anterior a 2012, ou mesmo com a alínea d) do n.º 1 do art.º 703º do Novo Código [que reproduz a alínea d) do n.º 1 do citado art.º 46º].

5ª - É inaceitável entender-se que a força executiva que a lei atribuía a determinado contrato, desde que elaborado em conformidade com os preceitos legais que vigoravam na data da sua formação com vista a obter título com tal força, possa ser subtraída às partes, através da sua eliminação pelo legislador, em preceito novo, ignorando, assim, os efeitos que a lei antiga atribuía a esse contrato e frustrando os direitos e a solidez das expectativas criadas pela legislação então em vigor.

6ª - A nova redacção só pode, assim, aplicar-se às situações que venham a criar-se após a entrada em vigor da alteração.

7ª - Acresce que a interpretação segundo a qual a alteração da lei se aplica aos documentos particulares emitidos em data anterior à nova lei está ferida de inconstitucionalidade porque, designadamente, ofende os princípios constitucionais e democráticos da proporcionalidade e da protecção da confiança e certeza do sistema jurídico (art.º 2º da Constituição), que devem ser respeitados.

8ª - Deve, assim, ser considerada inconstitucional a interpretação feita na sentença de que o contrato junto com o requerimento executivo deixou de ter força executiva face à entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26.6 e à alteração da alínea c) do n.º 1 do citado art.º 46º.

9ª - O contrato junto com o requerimento executivo deverá ser considerado título executivo, quer de conformidade com o disposto na alínea c) do art.º 46º do CPC, com a redacção anterior à Lei n.º 41/2013, de 26.6, que continua a ser aplicável à situação do contrato outorgado pelas partes, quer de conformidade com o disposto nas disposições combinadas do n.º 1 do art.º 33º do DL n.º 24/91, de 11.01, com a alínea d) do n.º 1 do dito art.º 46º (com a redacção anterior a 2013), e mesmo com a alínea d) do n.º 1 do art.º 703º do CPC de 2013 (com idêntica redacção).

10ª - Foram violados os art.ºs 6º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26.6, 46º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC (na redacção anterior a essa Lei), 703º, n.º 1, alínea d), do Novo CPC, 33º, n.º 1, do Regulamento Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo DL n.º 24/91, de 11.01, e 2º da Constituição da República Portuguesa.

Remata dizendo que a decisão recorrida deverá ser substituída por outra que ordene o normal prosseguimento do processo.

Os executados, citados para os termos do processo executivo e do recurso (cf. fls. 31-D e 31-E), não responderam à alegação.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar e decidir se existe título executivo bastante.

* II. 1. Releva para a decisão do recurso o atrás referido (ponto I/sobretudo o aduzido no requerimento executivo) e o teor dos documentos juntos aos autos[3]:

  1. No documento particular dado à execução, denominado “Contrato de Crédito por descoberto em conta de depósitos à ordem com fiança”, de 03.7.2012, em que os executados figuram como segundo e terceiro outorgantes e a exequente como primeira outorgante, consta, nomeadamente: - As partes «celebram o presente CONTRATO DE...

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