Acórdão nº 1598/14.1T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelPAULA DO PA
Data da Resolução16 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório A...

intentou a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98º - C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento promovido por B...

, ambas com os demais sinais identificadores nos autos.

Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível obter a conciliação dos intervenientes processuais.

Devidamente notificada para o efeito, veio a empregadora apresentar o articulado mencionado no artigo 98º - J do supra aludido código, alegando resumidamente, como consta da sentença proferida, que devido ao comportamento culposo da trabalhadora a despediu com justa causa no final do respetivo procedimento disciplinar, requerendo a exclusão da sua reintegração.

A trabalhadora contestou, por impugnação, peticionando a declaração da ilicitude do seu despedimento e a condenação da empregadora a reintegrá-la no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhe todas as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final.

Mais deduziu pedido reconvencional, pretendendo, por esta via, que a empregadora, nos termos legais e em virtude da ilicitude do despedimento, seja condenada a pagar-lhe: i) a quantia de € 45,99 relativa a 3 dias de férias vencidas e não gozadas no ano de 2014; ii) a quantia de € 4.500,00 a título indemnizatório por danos não patrimoniais sofridos. A empregadora respondeu ao articulado, concluindo pela improcedência do peticionado.

Atenta a simplicidade da causa, dispensou-se a realização da audiência prévia, bem como a seleção dos factos assentes e controvertidos.

Foi admitido o pedido reconvencional.

Proferiu-se despacho saneador tabelar.

Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a empregadora dos pedidos contra si deduzidos.

Fixou-se à ação o valor de € 2.000,00.

Não se conformando com tal decisão, veio a trabalhadora interpor recurso da mesma, finalizando a sua alegação com as conclusões que se transcrevem: «DA MATÉRIA DE FACTO […] Contra-alegou a empregadora, concluindo: […] Admitido o recurso pelo tribunal de 1ª instância, os autos subiram à Relação, tendo sido dado cumprimento ao preceituado no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.

O Exmo. Procurador- Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 188 a 191, pronunciando-se pela rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto e pela sua improcedência, em matéria de direito.

Não foi oferecida qualquer resposta.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

* II. Objeto do Recurso É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são: - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; - Violação do dever de fundamentação da sentença; - Inexistência de justa causa de despedimento.

* III. Matéria de Facto O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade: […] * IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto Em sede de recurso, vem a apelante impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância. De harmonia com o normativo inserto no nº1 do artigo 662º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do Código de Processo do Trabalho, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Este dever consagrado no preceito abrange, naturalmente, situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.

Em tal situação, deve o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil.

Preceitua este dispositivo legal o seguinte: «1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Vejamos, então, se a apelante cumpriu o ónus de impugnação do qual depende a admissão do recurso.

E o que se constata é que, nem nas conclusões nem nas alegações do recurso, a apelante indica com exatidão os momentos ou as passagens da gravação dos depoimentos testemunhais em que funda o seu recurso.

Por conseguinte, não tendo o ónus de impugnação legalmente previsto sido devidamente observado pela recorrente, há que rejeitar o recurso na parte que visava a reapreciação da prova (cf. “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, de António Santos Abrantes Geraldes, 2013, págs. 128/129).

Esta Secção Social entendia, anteriormente, que nas situações em que o ónus de impugnação previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil, não era cumprido, não deveria o recorrente beneficiar do prazo ampliado para a interposição do recurso, previsto no nº3 do artigo 80º do Código de Processo do Trabalho.

Todavia, tendo em consideração o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/10/2015, P.2394/11.3TBVCT.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, flexibilizou-se tal posição mais formal.

Refere-se especificamente no sumário do aludido acórdão: «Contendo a alegação apresentada pelo recorrente uma impugnação séria, delimitada e minimamente consistente da decisão proferida acerca da matéria de facto, deve ter-se por processualmente adquirido, em termos definitivos, que se verificou a prorrogação do prazo para recorrer por 10 dias, independentemente do preciso juízo que ulteriormente se faça acerca do cumprimento do ónus de exata indicação das passagens da gravação – que naturalmente poderá condicionar o conhecimento de tal impugnação, sem, todavia, pôr em causa a tempestividade do recurso de apelação.» Por conseguinte, resultando claro da alegação apresentada pela recorrente que a impugnação quanto à decisão de facto é séria e consistente, muito embora não tenha cumprido o ónus de especificar com exatidão os momentos ou as passagens da gravação dos depoimentos testemunhais em que se baseia, afigura-se-nos que a recorrente deve beneficiar do prazo ampliado para a interposição do recurso, previsto no artigo 80º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.

Assim, nada obsta ao conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

* VI. Violação do dever de fundamentação Nas alegações e conclusões de recurso, a apelante refere, por diversas vezes, que a sentença recorrida violou o dever de fundamentação consagrado no artigo 607º, nº4 do Código de Processo Civil, não indicando as normas jurídicas concretamente violadas para o preenchimento da noção de justa causa de despedimento, consagrada no artigo 351º do Código do Trabalho, aplicado à situação sub judice, bem como não explicou em que medida o trabalhador cumpriu defeituosamente o contrato ou de forma continuada, incumpriu os deveres laborais.

É consabido que, nos termos do preceituado no artigo 205º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas, nos termos previstos na lei.

Como corolário deste dever de fundamentação, o artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º, nº2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, concretiza o modo de exercício do aludido dever nas sentenças cíveis/laborais.

E a violação do consagrado dever de fundamentação constitui uma causa de nulidade da sentença, nos termos previstos pela alínea b) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

Deste modo, a acusada violação do dever de fundamentação na sentença recorrida, apenas poderia ter relevância enquanto causa de nulidade da sentença.

Todavia, para que o tribunal ad quem apreciasse tal questão, mostrava-se necessário que a mesma tivesse sido apresentada com observância do formalismo legal.

Efetivamente, no processo laboral, o regime de arguição de nulidades da sentença diverge do regime geral adotado nos recursos cíveis.

No ordenamento processual-laboral existe uma norma específica que exige que a arguição de nulidades seja feita expressa e separadamente no requerimento de recurso (cf. artigo 77º, nº1 do Código de Processo do Trabalho).

Na base de tal dispositivo legal estão os princípios de economia e celeridade processuais subjacentes às leis reguladoras do processo de trabalho. Visa-se dar ao tribunal que proferiu a sentença a...

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