Acórdão nº 164/11.8GAPNC.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Fevereiro de 2016
Magistrado Responsável | ORLANDO GON |
Data da Resolução | 03 de Fevereiro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
Relatório Pela Comarca de Castelo Branco – Instância Local do Fundão, Secção Criminal, J 1, sob pronúncia que recebeu parcialmente a acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido A...
, casado, industrial, nascido a 01-11-1973, natural de Penamacor, filho de (...) e de (...) , residente na R. (...) , Penamacor, imputando-se-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º , n.º 1 e 155.º , n.º 1, al. a ), com referencia ao art. 131.º, todos do C. Penal.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual, em 4 de Fevereiro de 2015, a Ex.ma Juíza proferiu o seguinte despacho: « Atenta a natureza semipública dos crimes de injúria agravados, p. p. pelo artigo 181º, nº1 e 184º, ambos do Código Penal, o que coloca o procedimento criminal na disponibilidade dos ofendidos (188º, nº 1 do citado diploma legal), e tendo em conta a declaração de desistência de queixa dos ofendidos B... e C... , bem como a não oposição do arguido A... , e a douta promoção que antecede, considera-se válida, legítima, tempestiva e, por isso, juridicamente relevante a desistência de queixa, homologando-a nos seus precisos termos, determinando-se em consequência o oportuno arquivamento dos autos, nesta parte, por ilegitimidade do MºPº para exercício da ação Penal contra o arguido A... , nos termos das disposições conjugadas dos artigos 113º e 116º, nº 2 ambos do Código Penal e 49º e 51º nº 2 do C.P.P.
Quanto ao crime de Ameaça Agravado, anuindo integralmente à douta promoção do Digno Procurador Adjunto, não homologo a desistência da queixa apresentada e, em consequência, determino o prosseguimento da audiência de julgamento.».
Finda a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 25 de Março de 2015, decidiu julgar procedente, por provada a pronúncia e, em consequência: - Condenar o arguido A... , pela prática em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), com referência ao artigo 131.º, todos do C.P., na pena de sete meses de prisão; e - Suspender-lhe a execução da pena de prisão pelo período de um (1) ano, ao abrigo do disposto no art.50.º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal.
Inconformado com o douto despacho de 4 de Fevereiro de 2015 dele interpôs recurso o arguido A... , apresentando as seguintes conclusões: 1. No início do Julgamento os lesados/queixosos declararam desistir do procedimento criminal de Ameaça Agravada contra o arguido.
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Desistência que não foi aceite porquanto entendeu o d. tribunal a quo que estamos na presença de um crime público que, assim, não admite desistência de procedimento criminal.
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Sendo este o interium do presente recurso: O crime de Ameaça Agravada é de natureza pública ou de natureza semi pública? 4. Com efeito, o art.155° do CP dá-nos a noção da agravação e em que circunstâncias o crime merece uma maior censura jurídico penal com o agravamento da medida da pena, 5. Uma vez que caso o agente realize os fatos previstos no art.153° (ameaça) nalguma das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º l do art.155°, “é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias” 6. Quando no caso de Ameaça simples, o mesmo agente “é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias” 7. No caso da “Agravação” a moldura penal eleva-se para o dobro: de 1 ano de prisão passa para 2; de 120 dias de multa passa para 240 dias.
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Não se trata assim de um crime individualizado mas outrossim do mesmo crime na forma agravada e da consequente agravação da moldura penal.
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A actual previsão e a evolução que a ela conduziu, não é defensável que o art.155.° constitua um tipo autónomo relativamente à previsão típica do crime de ameaça do art.153.° - premissa de que parte o recorrente para atribuir natureza pública ao crime de ameaça agravada.
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Com efeito, a previsão que contém a descrição da conduta ilícita, dolosa, tipificada como crime, encontra-se, inequivocamente, no art.153.°, acrescentando o art.155.° circunstâncias que representam uma agravação do limite máximo da pena.
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Essa previsão típica centra-se “na adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou a prejudicar a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, chegue a provocar esses efeitos”; daí que para aferição da sua potencialidade intimidatória se tenha de ter em conta, conjugadamente, “a conduta na sua globalidade, o contexto em que a mesma acontece, e a idiossincrasia e modos de ser e estar do ameaçante(s) e do ameaçado(s) 12. É isso o que considera P. P. de Albuquerque, no Comentário do Código Penal (Univ. Católica Ed., Lisboa, 2008, p. 419): “a disposição prevê, no n.°1, crimes qualificados ao nível do tipo de ilícito, pois as circunstâncias agravantes revelam um maior desvalor da acção, são de funcionamento automático e constituem um elenco taxativo.
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No n.°2, a lei prevê um crime agravado pelo resultado. A reforma de 2007 alargou o âmbito da agravação, determinando a aplicação ao crime de ameaças de todas as circunstâncias agravantes previstas para o crime de coacção, uma vez que anteriormente só a circunstância prevista na al.a a) se aplicava ao crime de ameaças.
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A circunstância agravante da al. a) consiste na especial gravidade da ameaça.
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É essa a interpretação que nos surge, também, no Código Penal Anotado de Maia Gonçalves (Almedina, 18.ª Ed., 2007, p. 602): “as alterações introduzidas pela Lei n.°59/2007 consistiram essencialmente em o crime de ameaça passar a ser qualificado em circunstâncias idênticas às previstas para a coacção”.
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Conjugando as duas disposições aplicáveis, no caso dos autos, deparamos com a seguinte previsão, agravação e estatuição: “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”, quando esses factos “ forem realizados por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos”, “o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”.
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Permanecendo na evolução histórica da Lei, e juntando-lhe a intenção dos revisores de 2007, verificamos que o crime de ameaça, desde a redacção originária do Código Penal de 1982, sempre revestiu natureza semi-pública (mesmo - e este reparo reveste especial significado - se verificada a circunstância agravante, que é, no caso, imputada ao arguido).
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Nesta última revisão foram “aglutinadas” no art.155° as circunstâncias agravantes dos crimes de ameaça e coacção, cujas previsões típicas se encontram, respectivamente, nos arts. 153° e 154°, colhendo-se da Exposição de Motivos da Proposta de Lei de alteração do Código Penal ter-se pretendido que o crime de ameaça passasse “a ser qualificado em circunstâncias idênticas às previstas para a coacção grave”.
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Foram, pois, razões de utilitarismo sistemático - evitando-se a repetição de normas contendo circunstâncias agravantes idênticas - que ditaram essas alterações.
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Daí não se pode extrair qualquer intenção do Legislador em alterar a pré-existente natureza semi-pública do crime de ameaça (incluindo a sua - apenas ampliada - forma agravada), ou pública do crime de coacção (com as excepções previstas no n.° 4 do art.154.°), decorrente do respectivo tipo-base.
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Por último, e recorrendo ao elemento racional ou teleológico e à unidade do sistema jurídico-penal, a razão de ser da distinção entre crimes públicos, semi-públicos e particulares, situa-se na graduação da respectiva gravidade, tendo-se em conta os interesses jurídicos violados e a necessidade de ordem pública e colectiva em os proteger.
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Assim o referem Simas Santos e Leal Henriques, em Noções Elementares de Direito Penal (Rei dos Livros, 3a ed., 2009, p. 332-333): “a exigência de queixa e de acusação particular vão buscar o seu fundamento: - à diminuta gravidade da infracção - certas infracções (v.g., ofensas à integridade física simples, dano, injúrias, etc.), atenta a sua pequena gravidade, não violam de modo directo e imediato bens jurídicos fundamentais da comunidade, que façam desencadear, por parte desta, uma reacção automática. Essa reacção só surge mediante expressa manifestação de vontade das pessoas directamente ofendidas”.
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Destacando essa perspectiva da pessoa ofendida (ou lesada), o Prof. Figueiredo Dias, em Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime (Coimbra Editora, 2005, p. 667) adverte que “a existência de crimes semi-públicos e estritamente particulares serve a função de evitar que o processo penal, prosseguido sem ou contra a vontade do ofendido, possa, em certas hipóteses, representar uma inconveniente (ou mesmo inadmissível) intromissão na esfera das relações pessoais que entre ele e os outros participantes processuais intercedem”.
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No tipo em causa, os bens jurídicos protegidos são a liberdade de decisão e de acção; a estes, secundária e reflexamente, entendemos ser de acrescentar a integridade psíquica da pessoa, nas suas componentes do direito à tranquilidade e segurança.
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Tratam-se, em todo o caso, de bens integrantes da esfera estritamente individual da pessoa ameaçada (ofendida), inexistindo - mesmo quando estes se mostrem violados sob a forma agravada - razões de ordem pública e colectiva que imponham ao ofendido o início ou continuação do procedimento penal, quando este o não queira.
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Como bem se assinala no estudo publicado na revista Julgar - Edição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, de Jan.-Abr. de 2010, p. 40 a 44, apelando à unidade e congruência do sistema penal, a sanção aplicável à violação...
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