Acórdão nº 2638/12.4TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCACILDA SENA
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª secção, criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório No processo supra referido, foi submetida a julgamento A...

, completamente identificada nos autos, em processo comum com intervenção do tribunal singular, vindo a final a ser condenada pela prática de 6 crimes de falsificação de documento, p.p. pelo artº 256º nº1 do Código Penal, na pena de 70 dias de multa por cada um dos crimes. Em cúmulo jurídico foi a arguida condenada na pena única de 200 dias de multa à taxa diária de € 5,00, perfazendo o montante de € 1.000,00 (mil euros) * Desagradada com o assim decidido, veio a arguida interpor recurso despedindo a respectiva motivação com as seguintes Conclusões: 1.Salvo o devido respeito que o Tribunal recorrido é merecedor e atenta a prova efectivamente produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não poderia o Tribunal a quo dar como provado os factos enunciados sob os números 13, 14, 16, 17, 18, 21, 22, 23, 24, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 35, 36, 42,44 e 48 a 52 supra mencionados.

  1. Impõe-se, assim, a reapreciação da matéria de facto relativamente aos factos enunciados dados como provados na douta sentença sob recurso.

  2. A questão que se suscita nos presentes autos é apurar se, face à prova produzida em audiência de julgamento, resulta provado que – não obstante alguns talões de devolução terem o nome da arguida na parte destinada ao operador – foi a arguida que os elaborou e que os assinou, com o seu próprio punho, apondo uma assinatura falsa, no espaço destinado à assinatura de cliente como se fosse a deste último.

  3. Ora, em lado algum da douta sentença sob recurso, a Mmª Juiz a quo refere qual a motivação para ter considerado como provado que foi a arguida que apôs nos talões de devolução uma assinatura falsa, como o seu próprio punho, no espaço destinado à assinatura do cliente, como se fosse a deste último (factos 17, 22, 30, 33, 44 e 50).

  4. Na verdade, não resulta de qualquer dos depoimentos prestados em audiência de julgamento prova inequívoca de que foi a arguida que apôs nos talões de devolução uma assinatura falsa, com o seu próprio punho, no espaço destinado à assinatura do cliente, como se fosse a deste último.

  5. Quanto ao facto de ter sido a arguida quem elaborou os talões de devolução, os depoimentos das testemunhas B... , C... , D... e E... baseiam-se exclusivamente nas imagens captadas pelo sistema de vídeo vigilância, as quais, no entanto, não constituíram meio de prova nos presentes autos.

  6. As referidas testemunhas não têm conhecimento directo dos factos, não tendo presenciado a arguida a elaborar qualquer talão de devolução ou a assinar no espaço destinado à assinatura do cliente.

  7. Por outro lado, não foi realizada qualquer perícia de letra e assinatura para confirmar se a mesma correspondia ou não à assinatura do cliente em questão.

  8. Como resulta provado, nem todos os talões de devolução se encontram assinados com o nome da arguida na parte destinada ao operador (cfr. fls.58 e fls 66 dos autos), encontrando-se assinados por outros funcionários da loja Worten, o que demonstra, sem margem para dúvidas, que houve intervenção de outras pessoas nos talões de devolução em análise no caso sub judice.

  9. A Mmª Juiz a quo motivou a sua convicção no facto de, na data e hora em que os talões de devolução foram emitidos, a arguida se encontrar sozinha ao balcão, o que – na perspectiva do Tribunal – “permite concluir, com segurança, ter sido a arguida a autora dos mesmos, usando para o efeito os cartões UNIFO de outra colegas de trabalho”.

    11. Acontece que, tal facto apenas está suportado nas imagens captadas pelo sistema de vídeo vigilância, imagens essas que não são prova nos autos.

  10. Por outro lado, não existe qualquer prova de que os talões de devolução, nos quais consta o nome da arguida (fls 53, 56, 62 e 70 dos autos) tenham sido efectivamente assinados pela própria.

  11. O depoimento da testemunha B... foi prestado de forma pouco coerente e objectiva através de respostas vagas e confusas.

  12. Na verdade, em grande parte do seu depoimento, limitou-se a confirmar as questões efectuadas pela Srª Procuradora, respondendo recorrentemente através de expressões como: “certo e exatamente”.

  13. Não presenciou os factos, tendo confirmado que há talões de devolução onde não consta o nome da arguida no espaço reservado à assinatura do operador, tendo sido assinado por outro colaborador.

  14. Referiu expressamente que a assinatura foi feita pela arguida porque consta o número do cartão da mesma no talão de devolução e porque as imagens revelam que a arguida se encontrava sozinha no balcão no momento em que foi feito o talão de devolução.

  15. O conhecimento que as testemunhas C... e D...têm dos factos é apenas do que visualizaram através das imagens que foram captadas pelo sistema de videovigilância, imagens essas que não são prova nos autos.

  16. A testemunha C... referiu ainda que as referidas imagens vê-se a testemunha a usar um cartão, mas não sabe se se trata do cartão da própria ou de outra colega.

  17. No que concerne à utilização dos cartões UNIFO, resultou uma contradição dos depoimentos prestados pelas testemunhas B... e H... , supra transcritos.

  18. A douta sentença deu como provado que a arguida utilizou o cartão UNIFO da supervisora G... sem conhecimento da mesma (facto 30), bem como utilizou tal cartão, quando já não se encontrava ao serviço (facto 52).

  19. Ora, a testemunha H... referiu claramente que o “cofre está fechado, em que a responsável da loja, neste caso a pessoa que está de permanência à direção, que posso ser eu ou qualquer outra chefia, tem de a chave e é aberto, entregue o cartão á pessoa e ao final do dia o cartão é entregue pela pessoa novamente e guardado no cofre.” 22. Portanto, se a funcionária G... já não se encontrava ao serviço, o seu cartão estaria guardado no cofre, não podendo ter sido utilizado pela arguida para efectuar a suposta devolução, pelo que o facto 52 não podia ser dado como provado.

  20. Face à prova produzida o Tribunal a quo não deveria ter dado como provado que “a arguida apôs uma assinatura falsa com o seu próprio punho, no espaço destinado à assinatura do cliente como se fosse a deste último”.

  21. As filmagens não foram apresentadas como meios de prova, bem como não foi realizada qualquer perícia cde terá e assinatura para confirmar se efectivamente a arguida apôs uma assinatura falsa com o seu próprio punho, no espaço destinado à assinatura do cliente como se fosse a deste último.

  22. Nenhuma testemunha presenciou a arguida a elaborar ou assinar os talões de devolução.

  23. Ora, da conjugação de todos os meios de prova produzidos em audiência, o tribunal a quo deveria ter entendido, salvo sempre o devido respeito, que existe dúvida séria, objectiva e inultrapassável e, por isso, insanável quanto à autoria dos factos imputados à arguida.

  24. Pelas razões supra expostas, e por funcionamento do princípio do “in dúbio pro reo”, transversal em processo penal, o tribunal não deveria ter decidido julgar como provados os factos 13, 14, 16, 17, 18, 21, 22, 23, 24, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 35, 36, 42,44 e 48 a 52 e, consequentemente, deveria ter absolvido a arguida dos factos dos quais vem acusada.

  25. O princípio do “in dubio pro reo” constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.

  26. Este princípio é uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência previsto no artº 32º, nº2, 1ª parte da CRP contempla, impondo uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso de persistência de uma dúvida sobre os factos. * O recurso foi admitido.

    * Respondeu-lhe o Magistrado do Ministério Público, que extraiu, por seu turno as seguintes conclusões: 1. Da motivação e das conclusões apresentadas pelos recorrentes resulta que a mesma não impugnaram a decisão recorrida, nos termos do artº 412º, nº3, alínea b^) do CPP, designadamente não especificaram as concretas passagens em que se fundamentam tal pretensão, nos termos em que a lei o impõe;[1] 2 – A apreciação da matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso, do complexo dos elementos de prova produzidos, que serviram de fundamento à decisão recorrida e, muito menos, um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1ª instancia, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um segmento/reexame meramente parcelar; 3. No caso em apreço não lugar a reformulação das conclusões, uma vez que, constituindo o texto da motivação limite absoluto, que não pode ser extravasado nas conclusões, e sendo estas logicamente, um resumo, há que concluir que o que não constar das motivações stricto sensu, não pode constar das conclusões; 4. Mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que andou bem a Srª Juíza a quo, apreciando a prova, de forma perspicaz, atenta, lógica e crítica, explicitando, de forma clara, as razões de ter ou não atribuído credibilidade aos depoimentos prestados pelas testemunhas, em sede de audiência cde discussão e julgamento, elementos conjugados com a prova documental; 5- A recorrente impugna a matéria assente como provada, pugnando pela reapreciação da prova, mas não o faz de acordo com as regras legais aplicáveis, inclusive, não especificando “ os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”, por referência às concretas passagens dos depoimentos documentados; 6. Da leitura de toda a matéria de facto, assente como provada e assente como não provada, e da sua fundamentação respetiva não conseguimos vislumbrar a existência de qualquer vício, portanto, não existindo qualquer erro na apreciação da...

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