Acórdão nº 98/14.4TANZR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDO CHAVES
Data da Resolução11 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório 1.

Nos autos de inquérito (Actos Jurisdicionais) n.º 98/14.4TANZR, a correr termos no Tribunal da Comarca de Leiria – Leiria – Instância Central – Secção de Instrução Criminal – J2, de que os presentes autos constituem apenso, por despacho proferido em 29/01/2016, o M.

mo Juiz de Instrução Criminal indeferiu a realização de escutas telefónicas e a recolha de imagens a suspeitos de tráfico de estupefacientes.

  1. A Ex.

    ma Magistrada do Ministério Público interpôs recurso dessa decisão, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. Por despacho proferido no dia 29 de Janeiro de 2016, entendeu o MM. Juiz de Instrução indeferir a autorização das promovidas intercepções telefónicas e recolha de imagens.

  2. Por considerar que “os indícios recolhidos em Agosto de 2015 foram totalmente perdidos pela investigação. Não só porque ficou meses a fio sem realizar qualquer diligência, mas também porque a quantidade e qualidade dos resultados piorou consideravelmente. Antes conseguia ver-se e fotografar-se a entrada de indiciados consumidores e de estupefacientes na casa dos suspeitos, agora quase nada se consegue e ver e nenhum registo fotográfico é conseguido”; 3. Bem como que a “indiciação suficiente de que a intercepção e gravação de comunicações telefónicas ou a recolha de imagens se revela indispensável à prova do crime investigado, julgo inverificados os pressupostos legais de admissibilidade de realização de escutas telefónicas (artigo 187º, n.º 1, do C. Penal e 6º da Lei n.º 5/2002, de 11/01).

  3. A razão aduzida pelo Juiz de Instrução para não autorizar a recolha de imagens, é dada no seguinte segmento do despacho “Na actualidade, nem sequer há justificação para deferir a recolha de imagens à actividade dos suspeitos, que o OPC confessa não conseguir descortinar em moldes minimamente fiáveis”.

  4. É certo que a investigação, claramente, esperava melhor prova para as suas suspeitas, sendo esse o objectivo de qualquer processo de inquérito - determinar os agentes do crime, a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação - artigo 262º, n.º 1 do CPP - a qual deverá ser deduzida se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de que se tenha verificado crime e de que, foi o seu agente - artigo 283.º, n.º 1 do CPP.

  5. No entanto, não foram reunidos elementos que permitam concluir pela mitigação dos indícios iniciais contra os suspeitos.

  6. O que se verifica é a impossibilidade de, recorrendo a outros métodos de investigação, os demonstrar em concreto, daí a imprescindibilidade do recurso a intercepções telefónicas.

  7. Ao contrário do Juiz de Instrução entendemos que, no caso dos autos, onde se investiga crime de tráfico de estupefacientes, as intercepções telefónicas não são o complemento de outras provas, que até podem não existir.

  8. É bem patente, que a intercepção dos telefones dos suspeitos assume primordial importância para a descoberta da verdade.

  9. Olhando à especial natureza e perigosidade social do crime de tráfico de estupefacientes, é óbvio que o dever do Estado em preservar a privacidade dos cidadãos cederá perante o dever que também lhe incumbe de perseguir os autores de crimes tão anti-sociais como o que é investigado nos autos.

  10. Atentando no disposto nos artigos 34º n.º 4 da C.R.P. e 187º, nº 1 do C. Penal, não sendo as intercepções telefónicas neste tipo de crime em geral e no dos autos em particular um meio de prova subsidiário, não se vê razão para que o Juiz de Instrução tenha indeferido as intercepções requeridas.

  11. O Juiz de Instrução violou o disposto nos artºs. 34º, nº 4 da C.R.P. e 187º, nº 1 do C. Penal, por interpretação e aplicação menos adequada daquelas normas.

  12. Entendemos que os inícios existentes nos autos, se correctamente analisados, fundam uma suspeita suficientemente alicerçada da prática de crime cuja natureza e gravidade, só por si, impõe os sacrifícios e perigos que a escuta telefónica envolve.

  13. a intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, só podem ser ordenadas ou autorizadas, por despacho do juiz e se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, nos termos do art. 187.º, n.º 1, b), do CPP.

  14. Depreende-se da mera leitura deste preceito que o recurso à escuta telefónica, deve obedecer aos princípios de subsidiariedade e da adequação, isto é, não sendo um meio de prova proibido, mas um meio excepcional, está condicionado à natureza do crime em investigação e ainda cumulativamente se tal diligência seja indispensável para a descoberta da verdade, ou que a prova seja, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter.

  15. Nos autos já foram efectuadas diversas diligências que permitam fundamentar a suspeição que recai sobre os suspeitos, como se verifica designadamente dos relatos de diligência externa 17. Face aos elementos dos autos, entendemos estarem reunidos os requisitos mínimos legalmente exigíveis para serem autorizadas as escutas telefónicas, pois estamos perante a denúncia de um crime de tráfico de estupefacientes, que requer cuidados especiais, na produção de prova oral, sob pena de se perturbar a investigação, dada a interdependência existente, como é facto notório, entre os consumidores e o traficante.

  16. O despacho que esteve na base do indeferimento, acolhe toda a informação relevante recolhida, evidenciando que a diligência se revela de grande interesse para a descoberta da verdade e/ou para a prova.

  17. Ora, quando no artigo 187.º, n.º 1, do CPP, se refere que as escutas telefónicas só são de autorizar, se houver razões para crer que a diligência se revelará indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, atenta a fase inicial do processo de investigação não podem ser entendidas a um grau de exigência equiparável aos fortes indícios.

  18. A intercepção e gravação de escutas telefónicas não devem nem podem ser autorizadas pelo Juiz de Instrução apenas e só quando existirem indícios suficientes da pratica do crime, pois nessa situação nem seriam já necessárias.

  19. Quanto à recolha de imagens, diga-se que não se nos afigura resultar da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro que a autorização referida no n.º 2 do artigo 6º dependa do facto de a recolha de imagens ser viável ou facilmente obtida pelo OPC.

  20. É certo que os pressupostos legais para tal autorização se verificam em concreto, como aliás, já considerou o Juiz de Instrução em momento anterior.

  21. Na verdade, dispondo o artigo 6.º, n.º 1 da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro que: “É admissível, quando necessário para a investigação dos crimes referidos no artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado” e estando em investigação a prática de crime “do catálogo” – cfr. alínea a) do n.º 1 da mesma Lei – não poderá ser outra a conclusão a...

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