Acórdão nº 328/15.5T8CNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução03 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A...

, casada, residente na Rua (...) , Cantanhede, intentou a presente acção especial de prestação de contas contra B...

, solteira, residente na mesma morada; pedindo que esta “preste contas da sua administração no período compreendido de 01/01/2012 a 31/12/2013 das contas [bancárias na CGD] (...) 200 e (...) 800” Alegou, em resumo, que são irmãs e viveram diversas décadas juntas, sendo a R. que, até ao casamento da A., “geria o património de ambas, incluindo as contas bancárias”, por “a A. não saber ler nem escrever (apenas assinando o seu nome)”; que, no início de 2012 “começaram as desavenças entre A. e R., decidindo fazer vidas autónomas e independentes”, ocasião em que foi “à Caixa Geral e verificou que a R. fez vários levantamentos e transferências [identifica alguns] para as suas contas pessoais, sem o seu consentimento”; motivo por que, tendo-lhe pedido, sem sucesso, para prestar contas “do dinheiro que levantou”, vem requerer que “a R. preste contas da sua administração no período compreendido de 01/01/2012 a 31/12/2013” e que “junte aos autos os extractos das contas bancárias onde é titular ou co-titular com a A., ou ainda contas onde é autorizada a movimentar que detinha ao tempo que vivia com a sua irmã”.

A R., citada, contestou a obrigação de prestar contas, dizendo que nunca administrou os bens da A. e que, inclusivamente, se limitava, “como mais nova e afilhada, a obedecer às ordens da irmã mais velha a quem tratava por você”; que “a A., embora sem saber ler, conhecia muito bem o valor do dinheiro, tendo apenas necessidade de que a irmã preenchesse e assinasse os cheques para as despesas que pagavam”; e que a A. “nunca teve preocupação em amealhar valores”, sendo a R. “muito poupada”, razão por que era a R. a “titular” do dinheiro depositado na CGD e que movimentou.

Respondeu a A., insistindo que a R. “administrou dinheiro que não lhe pertencia só a ela, uma vez que as contas (…) são solidárias, presumindo-se que o dinheiro ali depositado é metade de cada uma”, pretendendo que “com a presente acção (…) que a R. informe o destino do dinheiro levantado e transferido” das contas solidárias sem o seu conhecimento ou consentimento.

Entendendo-se que o estado dos autos permitia, sem necessidade de produção de prova, a apreciação do pedido, passou-se de imediato a proferir sentença – tendo sido declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – em que se concluiu pela improcedência da acção, absolvendo-se a R. do peticionado.

Tendo-se, para tal, exposto (inter alia) o seguinte: “ (…) o direito de exigir a prestação de contas está directamente relacionado com a qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem ou que não lhe pertencem em regime de exclusividade, e a finalidade da acção especial aí prevista é “o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha apurar-se”.

Por conseguinte, na petição inicial do processo especial de prestação de contas o autor deverá alegar factualidade de onde se extraia o seu direito de exigir a prestação de contas e a correspondente obrigação do réu as prestar.

Para fundar a sua pretensão a autora invoca a circunstância de a ré ter movimentado as contas solidárias de ambas sem o seu consentimento ou conhecimento, desconhecendo a autora o destino do dinheiro levantado e transferido.

Ora, a mera contitularidade de contas bancárias não comporta, por si só, poderes de administração de bens ou interesses alheios.

Nenhuma outra factualidade é alegada que, uma vez provada, permita concluir que a ré se encontrava na administração do património da autora a partir de início de 2012, tanto mais que a própria autora alega que a partir dessa altura passaram a fazer vidas autónomas e independentes, não sendo bastante a invocada movimentação da conta pela ré para o que, de resto, estava contratualmente autorizada.

O que parece sugerir o arrazoado dos articulados da autora é uma suspeita acerca de um possível desvio de valores pertencentes em exclusivo à demandante dessas contas bancárias solidárias, pretendendo a mesma, como refere em resposta, esclarecer o destino do dinheiro levantado e transferido e a respectiva e futura restituição dos valores indevidamente movimentados.

É certo que a obrigação de prestar contas é uma derivação da obrigação mais ampla de informação, e esta existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias - artigo 573º do CC.

Todavia, não basta que impenda sobre o réu um dever de informação para que se lhe possa assacar uma obrigação de prestar contas. É pressuposto essencial da acção especial de prestação de contas a existência de uma administração de bens alheios, geradora de recíprocos créditos e débitos cujo saldo se pretende apurar e que, nos termos do art. 944º, nº 1 do CPC, devem ser apresentadas em forma de conta corrente.

(…) Ora, no caso concreto, a factualidade exposta pela autora não traduz qualquer relação juridicamente relevante de onde ressume a incumbência para a demandada de administrar bens ou interesses alheios que lhe tenha sido confiado.

Importa, por conseguinte, concluir que, não estando em causa qualquer administração de bens alheios por parte da requerida geradora de recíprocos créditos e débitos a apurar, não tem a autora o direito de exigir, nem aquela o dever, de prestar contas.

É pois manifesta a improcedência da presente acção, por não estar a demandada obrigada a prestar contas. (…)” Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, visando a sua revogação parcial e a sua substituição por outra que reconheça a existência da obrigação de prestar contas.

Terminou a sua alegação com uma segunda e idêntica alegação a que chamou “conclusões”[1]; e que aqui transcrevemos – pese embora a sua redundância e extensão – tendo em vista facilitar e tornar perceptíveis as respostas que, em sede de apreciação/fundamentação jurídicas, lhe daremos: 1. A... instaurou contra B... a presente ação especial para prestação de contas referente ao período compreendido de 01 de janeiro de 2012 a 31 de Dezembro de 2013.

2. Para fundar a sua pretensão invoca em suma a seguinte factualidade: - A autora e ré são irmãs, sendo que até ao casamento da primeira e enquanto ambas eram solteiras, a ré geria o património de ambas, incluindo as contas bancárias.

-Desde o início de 2012 começaram as desavenças entre autora e ré, decidindo fazer vidas autónomas e independentes.

-Foi nesta altura que a autora verificou que a ré fez vários levantamentos e transferências, que indicou, para as suas contas pessoais sem o seu consentimento nem conhecimento 3. Requereu a final que “a ré junte aos autos os extratos das contas bancárias onde é titular ou co-titular com a autora, ou ainda de contas onde é autorizada a movimentar que detinha ao tempo que vivia com a sua irmã e que preste contas da sua administração no período compreendido de 01 de Janeiro a 2012 a 31 de Dezembro de 2013 das contas (...) 200 e (...) 800” sobre a Caixa Geral de Depósitos e solicita ainda que a “ré esclareça qual o destino dos montantes que a ré levantou e transferiu das contas da autora para as suas contas pessoais”.

4. Contestou a ré a obrigação de prestar contas, alegando que nunca administrou os bens da autora.

(…) 6. Refere também a douta sentença que, no caso concreto, a factualidade exposta pela autora não traduz qualquer relação juridicamente relevante de onde ressume a incumbência para a demandada de administrar bens ou interesses alheios que lhe tenham sido confiados.

7. Por conseguinte, concluiu que, não estando em causa qualquer administração de bens alheios por parte da requerida, geradora de recíprocos créditos e débitos a apurar, não tem a autora o direito de exigir, nem aquela o dever de prestar contas; julgando manifesta a improcedência da presente ação, por não estar a demandada obrigada a prestar contas.

(…) 10. (…) ao ser proferida uma sentença com o teor da proferida nos presentes autos foi violado o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil, na dimensão normativa aí estatuída que impede que o tribunal emita pronúncia ou profira decisão nova sem que, previamente, acione o contraditório.

(…) 13. Ou seja, estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito. A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artº 195º, nº 1 do Código do Processo Civil - a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida...

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