Acórdão nº 55/15.3GCMBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Moimenta da Beira – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, do arguido A... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, a) e 2 do C. Penal e de um crime de maus tratos, p. e p. pelo art. 152º-A, nº 1, a) do mesmo código.

A assistente B... deduziu pedido de indemnização contra o arguido com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 5.000, por danos não patrimoniais sofridos.

Por despacho de 11 de Maio de 2016 [e não, de 11 de Abril de 2016, como, por lapso, consta do Relatório da sentença recorrida], proferido na audiência de julgamento que decorreu no mesmo dia [acta de fls. 545 a 547], foi comunicada uma alteração dos factos descritos na acusação e uma alteração da qualificação jurídica que passou a ser feita, relativamente à ofendida C... pelo crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº 2 do C. Penal, e relativamente à assistente, também, pelas penas acessórias previstas no art. 152º, nº 4 do C. Penal, tendo o arguido requerido prazo para defesa, que foi concedido.

O arguido recorreu deste despacho, recurso que não foi admitido por despacho de 7 de Junho de 2016, proferido na audiência de julgamento que decorreu no mesmo dia [acta de fls. 596 a 599]. Por sentença de 6 de Julho de 2016, foi o arguido absolvido da prática do imputado crime de maus tratos, e condenado, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, a), 2 e 4 do C. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão [que tem por ofendida, a assistente] e de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, d) e 2 do C. Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão [que tem por ofendida, C... ] e, em cúmulo, na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, e ainda, na pena acessória de proibição de contactos com a assistente, com afastamento da residência e local de trabalho desta, pelo período de um ano, e na pena acessória de frequência de programa de prevenção de violência doméstica, a efectivar durante o período de suspensão da execução da pena de prisão.

Mais foi o arguido condenado no pagamento da indemnização de € 1.500, à assistente B... , e no pagamento da indemnização de € 500 à ofendida C... .

* Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1 – O recorrente A... foi condenado pela prática de dois crimes de violência doméstica na forma agravada, nas pessoas da assistente B... e da filha C... , na pena global de dois anos e oito meses de prisão.

2 – A ratio do tipo legal do n.º 1 e 2 do art. 152º do CP, tem a ver com os maus tratos físicos, psíquicos e morais, tratando-se de um bem jurídico complexo que a abrange a saúde (física, psíquica e mental).

3 – O crime exige reiteração – excepcionalmente bastando um só acto – tornando-se necessário que, em princípio, se reiterem os comportamentos em determinado período de tempo e importante averiguar as consequências da ofensa para aferir se o bem jurídico foi violado no caso concreto.

4 – Da descrição do ponto 3, do ponto 4, 1ª parte e do ponto 6 dos factos provados dá-se como assente que a relação dos cônjuges sempre foi pautada por discussões e agressões e em datas não concretamente apuradas mas desde 1999, no interior da residência de ambos, e por diversas vezes, e na presença das suas filhas menores, o arguido desferiu bofetadas e murros à ofendida empurrando-lhe a cabeça contra a parede; Por diversas vezes em datas que não se lograram apurar disse à ofendida que era mentirosa, acusou-a de ter amantes e ser infiel; Em datas que não se lograram apurar por diversas vezes, o arguido dirigiu-se à ofendida e à sua filha C... e disse-lhe “ Se eu morrer vocês não ficam cá a rir-se”.

5 – Do acervo factual faz-se uma descrição genérica, descontextualizada e abstracta, não concretizando as condutas e ofensas correspondentes, sendo meramente especulativa e conclusiva.

6 – Tais condutas deviam ser concretizadas e não descritas, por exemplo, quanto ao tempo, ao número de ocasiões e motivação, à sua intensidade e número de agressões, etc.

7 – Na matéria dada como provada nos pontos em discussão não é possível individualizar os factos concretos integradores do tipo normativo do crime de violência doméstica, sendo que essa imprecisão colide com o direito do contraditório e com o direito de defesa do arguido, violando o principio do acusatório, art. 32º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

8 – E, em suma, sobre a imputação genérica dos factos tem a jurisprudência do STJ entendido ser insusceptível de sustentar uma condenação penal. Neste sentido os Acórdãos do STJ de 06.05.2004 – Proc. n.º 908/04-5ª; de 21.02.2007 – Proc. n.º 4341/06-3ª; de 02.04.2008 – Proc. 4197/07.

9 – Assim, dada a escassez da matéria de facto provada não podia o recorrente ser condenado pela prática do crime de violência doméstica na forma agravada nas pessoas da assistente B... e da C... , sendo insuficiente para a decisão a matéria de facto provada – art. 410º do CPP.

10 – A prova produzida sempre era insuficiente para dar como provado os pontos 3 a 11 da matéria dada como provada, encontrando-se incorrectamente julgados.

11 – Quanto ao ponto 3, do depoimento da B... e C... , apenas concretizam um episódio de quando aquela estava grávida (há 17 anos) e um mais antigo nuns caminhos e a C... apenas referiu que se assistiu a alguma agressão, foi a duas ou três quando ela e a irmã eram pequeninas.

12 – Quanto ao ponto 4, 2ª parte da matéria provada, (…) em data não apurada e em data antes de 7 acusou-a de ser acompanhante de luxo.

13 – É também um facto vago quanto à data, não refere local e desconhece-se a referência “antes de 7”.

14 – Da discussão o recorrente não concordou que a B... acompanhasse o idoso do lar onde trabalha, havendo outras pessoas disponíveis, sendo um luxo acompanhar um idoso, não podendo a expressão significar outra coisa no acompanhamento de um idoso de oitenta e poucos anos! 15 – Quanto ao ponto 5, só a B... o refere no depoimento, na versão inicial e antes da alteração dos factos, constava no final a expressão “e disse-lhe que a matava”, dada como não provada pelo tribunal, expressão que imprimia o desvalor da acção.

16 – Desconhece-se o tipo de faca, de lâmina e o local, para aferir da gravidade ou não da conduta e se configura ou não maus tratos.

17 – Quanto ao ponto 6 não emerge da prova produzida qualquer prova que demonstre que o recorrente tenha proferido a expressão aí referida.

18 – Quanto ao ponto 7 os depoimentos das ofendidas têm versões diferentes, dizendo a B... que saiu para o exterior após a filha se levantar do sofá para chamar a polícia e já não viu se o arguido bateu à C... , nem em que parte do corpo; Na versão da C... após a mãe negar o cartão de crédito ao pai este dirigiu-se à banca da cozinha para buscar uma colher de pau e disse à B... “Tu é que escolhes: dar os cartões ou ser agredida” “Depois começou a bater na mão da minha mãe”.

19 – Atendendo às divergências das posições de mãe e filha não é ultrapassável a dúvida razoável de como os factos terão passado, tendo em conta os depoimentos em análise relacionados com as regras da experiência comum e da lógica, sendo que na dúvida in dubio pro reo deve dar-se o facto 7º em questão, como não provado.

20 – Quanto ao ponto 8 e pelos motivos e razões do ponto anterior deve igualmente e com base na dúvida responder-se por não provado.

21 – Quanto ao ponto 10 e à expressão aí referida a B... não a ouviu e apenas a refere a C... e do depoimento da testemunha E... (depoimento consistente, segundo a Sra. Juiz) o recorrente disse apenas para não levar a C... “que o lugar dela era em casa”, devendo dar-se como não provado que a C... tenha proferido a expressão em 10º.

22 – O mesmo acontecendo quanto ao facto genérico em 11, desconhecendo-se quais as concretas situações e lesões que importaram as dores.

23 – Da análise da prova produzida pelos depoimentos da B... e da filha C... quanto aos pontos da matéria de facto de 3 a 11 dos, não era possível dar como provada essa factualidade, tendo em atenção os meios de prova aqui indicados em relação aos referidos pontos e relacionados com as regras da experiência comum e da lógica.

24 – Os pontos 3 a 11, salvo melhor opinião, encontram-se incorrectamente julgados, ocorreu erro de julgamento, devendo ter-se por “ não provados ”.

25 – Aliás, pormenorizando, quanto ao ponto 5 refere uma agressão com uma bofetada a qual não é suficiente para configurar um acto parcial do crime de violência doméstica, salvo se atingir um patamar de gravidade e desvalor correspondente a maus tratos. Neste sentido, Ac. TRC de 02.10.2013.

26 – Quanto ao facto 7 e permanecendo em dúvida como é que o facto ocorreu e quanto ao ponto 8, a provar-se e desconhecendo o número de pontapés infligidos, tal não traduz uma situação grave que ultrapasse a mera incursão de um crime de ofensas à integridade física.

27 – Não se tendo também verificado a violação reiterada da conduta, não se pode dar como provada a violação do bem jurídico da dignidade humana.

28 – Integrando apenas quanto muito em relação à C... um crime de ofensa à integridade física simples, nada obstando à alteração desta qualificação jurídica nesta sede, justificando apenas uma sanção em pena de multa.

29 – Não se verificam, quanto à C... , os factos integradores de um crime de violência doméstica.

30 – Foram violados, entre outros, os normativos do art. 152º, 148º, do Código Penal, art. 374º n.º 2 do C.P. Penal.

Nos termos expostos e nos demais que V. Exa. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso obter total...

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