Acórdão nº 377/12.5TVPRT.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório A...

, residente na Rua ..., instaurou contra Banco P..., S.A.

, com sede na Rua ..., acção declarativa ao abrigo do disposto no DL 108/2006, de 8 de Junho, mandada prosseguir segundo a forma ordinária do processo comum, pedindo a final a condenação da ré no pagamento da quantia de €542.208,33 (quinhentos e quarenta e dois mil, duzentos e oito euros e trinta e três cêntimos) acrescida dos juros vincendos computados à taxa legal sobre o capital de €500 500,00 até efectivo pagamento.

Em fundamento alegou, em síntese, ter sido aliciado em Junho de 2007 por legais representantes da ré a fim de constituir um depósito no private banking desta, o qual se propunham remunerar com uma taxa não inferior a 6% ao ano, caso ascendesse a valor não inferior a €500.000,00. Para tanto, insistiram com o autor para que levantasse o dinheiro que tinha em depósito na ... e ..., ao que acedeu, tendo depositado na ré as quantias de € 95.718,75 e €404.781,25, com a finalidade de ser constituído um depósito com a remuneração oferecida, tendo dado instruções nesse sentido. Na ocasião assinou os documentos que lhe “puseram à frente”, contexto em que subscreveu um contrato previamente elaborado pela ré, sem possibilidade de negociação, alterações ou aditamento, e cujo conteúdo nem sequer lhe foi explicado, estando assim sujeito ao regime do DL 446/85, de 25 de Outubro, e à sanção prevista para as cláusulas proibidas nos art.ºs 18.º, 19.º, 21.º e 22.º deste diploma.

A ré remunerou o depósito constituído até Setembro de 2008, altura em que deixou de o fazer, nada mais tendo pago a partir de então, apesar de insistentemente interpelada para restituir o capital e proceder ao pagamento dos juros convencionados. Em Dezembro de 2010 invocou a mesma ré que o acordo celebrado com o demandante consubstanciava um contrato de abertura de conta, ao abrigo do qual fora constituída uma conta de depósitos à ordem, a qual veio a ser debitada por força de uma ordem de aquisição de obrigações emitidas por bancos islandeses dada pelo demandante. Sucede, porém, que o autor tem apenas a 4.ª classe, tendo trabalhado na agricultura e depois na exploração de um estabelecimento comercial de talho, não tendo quaisquer conhecimentos sobre as operações financeiras levadas a cabo pela ré com o dinheiro dos seus depositantes. Devendo por isso ser caracterizado como investidor não qualificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 317.º e seguintes do CdVM, encontrava-se a ré obrigada a fornecer-lhe informação completa e detalhada, dever que violou, antes tendo enganadoramente assegurado que o “dinheiro estava a render num depósito a prazo”, que estava seguro e nunca perderia o capital, oferecendo a garantia de pagamento integral do capital e dos juros. Deste modo, a ser verdade que a ré, utilizando a aludida quantia, subscreveu obrigações de bancos islandeses em nome do demandante, fê-lo à completa revelia deste, com grosseira violação do aludido dever de informação, encontrando-se por isso obrigada a indemnizá-lo dos danos causados, atento o disposto no art.º 304.º-A do diploma citado, a idêntica solução se chegando por via da aplicação do DL 69/2004, de 25 de Março, que rege para os valores mobiliários de natureza monetária designados por papel comercial.

Mais invocou a nulidade do contrato de intermediação invocado pela ré, por não ter revestido a forma escrita conforme impõe o art.º 321.º do citado CdVM, daqui resultando igualmente a sua obrigação de restituir as quantias recebidas.

Regularmente citada, a ré apresentou contestação, na qual, de forma discriminada, arguiu as excepções do caso julgado - por ter o autor instaurado anterior acção, no âmbito da qual foi proferida sentença homologatória de transacção, já transitada, verificando-se a tríplice identidade dos sujeitos, pedido e causa de pedir - e da alteração anormal das circunstâncias consubstanciada na suspensão de pagamentos imposta pelo governo islandês aos bancos emitentes na sequência da Grande Crise Económica que teve início nos EUA com a chamada crise dos subprimes, factos de todo imprevisíveis à data da ordem de compra emitida pelo autor e não controlados pelas partes.

Em sede de impugnação, esclareceu que o autor não pretendeu a constituição de um depósito a prazo, mas antes a aplicação da quantia depositada num produto que desse garantias de maior rendibilidade, tendo sido proposta pela contestante a aquisição de obrigações emitidas pelos bancos islandeses Kaupthing Bank e Landsbanki, ambos notados como de baixo risco pelas agências de notação financeira, à semelhança do que ocorria com o estado islandês, tudo conforme foi explicado ao autor e por este entendido. E foi cabalmente informado a respeito da natureza e características de tais produtos financeiros, nomeadamente acerca da remuneração, do modo e prazo de reembolso, dos riscos especiais envolvidos, do fundo de garantia relativamente aos serviços e custo dos mesmos, que o autor deu, por escrito, ordem de compra, na sequência da qual a ré, actuando como mera intermediária, adquiriu no mercado as referidas obrigações, tendo-as averbado na carteira de cliente daquele, com atribuição do n.º de conta ... e associada à conta de depósitos à ordem nº ... Mais alegou que tais produtos financeiros eram, à data, considerados sem risco e de capital garantido, uma vez que não se encontravam dependentes das flutuações do mercado de valores mobiliários, sendo de todo impertinente a invocação do regime jurídico do papel comercial.

Refutou finalmente que o contrato celebrado com o autor padeça de qualquer vício formal, pois o que está em causa é uma ordem de aquisição de valores mobiliários transmitida pelo A. ao Banco R., ordem essa que foi dada por escrito.

Com tais fundamentos pugnou pela sua absolvição da instância ou, quando assim não fosse entendido, pela improcedência da acção e sua consequente absolvição do pedido.

O autor replicou, limitando a sua resposta à excepção do caso julgado, por cuja improcedência pugnou.

Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção de caso julgado, procedendo-se à selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória. Destas peças reclamou o autor, reclamação que veio a ser totalmente indeferida, prosseguindo os autos para julgamento.

Realizada a audiência de discussão e julgamento veio a final a ser proferida sentença que, julgando totalmente improcedente a acção, absolveu a ré do pedido.

Inconformado, apelou o autor, vindo a ser proferido por esta Relação o acórdão de fls. 362 a 379, que determinou a anulação da sentença recorrida para efeitos de ampliação da matéria de facto, ordenando a repetição parcial do julgamento.

Dado cumprimento ao assim determinado, teve lugar audiência de discussão e julgamento em cujo termo foi proferida sentença que reeditou a absolvição da ré do pedido.

Novamente inconformado, recorreu o autor e, tendo desenvolvido nas alegações que produziu as razões da sua discordância com a decisão, rematou-as com as seguintes conclusões: ...

Conclui requerendo a revogação da sentença recorrida e sua substituição por decisão que, julgando a acção totalmente procedente, condene a recorrida nos termos peticionados.

Contra alegou a recorrida e, assinalando não ter o autor impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, pugnou pela manutenção do decidido.

Questões a decidir: i. Da nulidade do contrato celebrado; ii. Da natureza do contrato celebrado e da obrigação de indemnizar por violação do dever de informação.

II - Fundamentação 2.1.

Os factos provados Resultam provados os seguintes factos: 1. Em 21.6.07 Autor e Ré acordaram na abertura, por aquele, de uma conta sediada no Private Banking da Ré, na Rua ...

  1. Kaupthing Bank e Landsbanki são Bancos islandeses (al. B) dos factos assentes).

  2. As obrigações emitidas pelo Banco Kaupthing tinham, à data da sua subscrição pelo autor, o rating atribuído pela Moody´s A2, e as emitidas pelo Landsbanki o rating atribuído pela Moody´s A2 e pela Fitch de A (al. C) dos factos assentes).

  3. Os Bancos Kaupthing Bank e Landsbanki foram alvo de intervenção pelo governo islandês, na sequência da atual Crise Económica e Financeira Mundial, donde resultou a suspensão dos pagamentos feitos por estes Bancos (al. F) dos factos assentes).

  4. Antes do referido em 1., o Autor teve reuniões com ..., representantes da Ré, no âmbito das quais foi proposto ao Autor que transferisse o dinheiro que tinha depositado noutros Bancos para a Ré (factualidade provada com referência ao ponto 1) da base instrutória).

  5. Nessa sequência, e porque lhe propuseram uma remuneração de 6% ao ano, o Autor transferiu para uma conta à ordem que abriu junto da Ré a quantia de €500.500,00, para que fosse remunerado a uma taxa não inferior àquela, com pagamento...

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