Acórdão nº 648/15.9T8LMG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Setembro de 2016
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 20 de Setembro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. J (…) intentou, em 03.6.2015, contra F (…), na comarca de Viseu, acção com processo comum de investigação de paternidade, onde pede que seja reconhecido e declarado que é filho do Réu, com as legais consequências, e que se ordene o correspondente averbamento no respectivo assento de nascimento.
Alegou, em síntese: - Nasceu em 12.7.1962, tendo sido registado (na Conservatória do Registo Civil de Santa Marta de Penaguião) apenas como filho de G (…), entretanto falecida, sendo a paternidade omissa (documentos de fls. 12 e 14); - Entre o Réu e a mãe do A. não há laços de parentesco ou afinidade relevantes; - O A. sempre foi reputado e tratado como filho pelo Réu e reputado como filho daquele por quem os conhece: o A., por indicação da sua mãe, desde tenra idade identifica e trata o Réu como seu pai; o A. de forma continuada e ininterrupta saúda o Réu como pai, bem como, a filha do A., agora com 17 anos de idade, sempre tratou e saudou o Réu de avô, em particular e publicamente, sem que o Réu, em alguma vez contrariasse esse tratamento; - A mãe do A. e o pretenso pai/Réu mantiveram entre si relações sexuais de cópula completa (durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do A.) e foi na sequência de uma dessas relações sexuais que a mãe do A. engravidou, gravidez de que veio a nascer o A.; - Pelo que será de presumir a paternidade do Réu, nos termos das alíneas a) e e) do n.º 1, do art.º 1871º, do Código Civil (CC).
O Réu contestou, alegando, designadamente: jamais tratou o A. como filho; não se recorda de ter mantido relações sexuais com a mãe do A.; esta manteve relações com diversos homens e teve sete filhos, nunca perfilhados. Concluiu pela improcedência da acção.
Por decisão de 07.10.2015, a Mm.ª Juíza a quo absolveu o Réu do pedido e ordenou o oportuno arquivamento dos autos, com os seguintes fundamentos: «(…) Cumpre, antes de mais, apreciar da procedibilidade da acção, tal como a mesma vem interposta pelo A.
Conforme decorre da p. i. e do assento de nascimento do A.
(…), o mesmo nasceu a 12.7.1962, tendo, por conseguinte, atingido a maioridade a 12.7.1980.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 1817º do Código Civil (aplicável por força da remissão operada pelo art. 1873º do mesmo Código), a acção de investigação da paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade.
Tendo em conta o teor da p. i., verifica-se que não é ali invocada nenhuma das circunstâncias referidas nos n.ºs 2 e 3 do referido art. 1817º, que pudessem justificar a interposição da acção para além do prazo previsto no n.º 1.
Verifica-se, por isso, que a presente acção foi interposta muito para além do prazo previsto na Lei, o que constitui excepção, extintiva do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, de conhecimento oficioso, impeditivo da procedência do pedido.» Inconformado, o A. interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões: 1ª - O prazo estabelecido no art.º 1817º, n.º 1 do CC, por restringir a possibilidade de investigar a todo tempo a paternidade, viola direitos indisponíveis de natureza superior, sendo inconstitucional.
2ª - A acção de investigação de paternidade assenta num imperativo constitucional que se baseia em vários direitos fundamentais expressamente previstos, tendencialmente ilimitados (art.º 18º, n.ºs 2 e 3, da CRP): o «direito de constituir família» (art.º 36º, n.º 1), o «direito à integridade pessoal» (art.º 25º), o «direito à identidade pessoal» e o «direito ao desenvolvimento da personalidade» (art.º 26º, CRP); 3ª - Violaram-se na sentença os supra referidos normativos constitucionais.
Remata pugnando pela revogação do decidido e consequente prosseguimento dos autos.
O Réu respondeu à alegação concluindo pela improcedência do recurso.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar se podemos dar por transcorridos os prazos de caducidade da presente acção de investigação da paternidade e a sua conformidade constitucional (maxime, a questão da constitucionalidade da previsão de limites temporais à propositura da acção de investigação da paternidade).
* II. 1. Para a decisão do recurso releva apenas o que decorre do precedente “relatório”.
2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
Dispõe o art.º 1817º do Código Civil[1] (sob a epígrafe “prazo para a proposição da acção”), na redacção conferida pela Lei n.º 14/2009 de 01.4: A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação (n.º 1). Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no art.º 1815º, a acção pode ser proposta nos três anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório (n.º 2).
A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação (n.º 3).
No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da acção (n.º 4).
Nos termos do art.º 1871º, n.º 1 (na redacção introduzida pela Lei n.º 21/98, de 12.5), a paternidade presume-se, designadamente: a) Quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público; e) Quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção.
É aplicável à acção de investigação de paternidade, com as necessárias adaptações, o disposto nos art.ºs 1817º a 1819º e 1821 (art.º 1873º, na redacção do DL n.º 496/77, de 25.11).
3. Atentos os termos em que o A./Recorrente configura a acção, esta tem como causa de pedir não só a paternidade biológica (relação de procriação/vínculo biológico), mas também os factos integradores de presunção de paternidade...
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