Acórdão nº 5/17.2T9AGN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução24 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Por decisão de 19 de setembro de 2015, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária condenou o arguido A... , como autor de uma contraordenação, p. e p. pelos artigos 4.º, n.º 3, 138 e 146.º, alínea l), todos do Código da Estrada, na coima de € 750,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias.

O arguido A... não se conformando com a decisão administrativa, impugnou a mesma judicialmente, com os fundamentos e conclusões constantes de fls. 17 a 21 dos autos.

Admitido o recurso de impugnação judicial formulado pelo arguido A... e realizada a audiência de julgamento, o Ex.mo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Juízo de Competência Genérica de Arganil, por sentença de 24 de maio de 2017, julgou o recurso de impugnação judicial improcedente e, em consequência, manteve a decisão administrativa.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A... para o Tribunal da Relação, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. Impugna-se a validade da presente sentença e alega-se a nulidade de falta de notificação do arguido para estar presente em Julgamento, nos termos conjugados dos Art.332.° n.º1 e 119.° al. c) do CPP.

  1. Nos termos do Art.122.° n.º 1 e 2 do CPP, a nulidade em causa determina a invalidade de todos os atos seguintes à falta de notificação, incluindo a Sentença, pelo que, salvo melhor opinião, a Audiência de Julgamento realizada é nula, e a Sentença também.

  2. A falta de notificação do Arguido para Julgamento, fere grosseiramente as garantias de defesa do mesmo, nomeadamente as previstas no Art.32.° n.º 1 da CRP.

  3. Nulidade esta que se requer, seja conhecida em sede do presente recurso.

  4. Por outro lado, verificou-se uma irregularidade nos termos do Art.123° do CPP, pelo facto de tal, impossibilidade de notificação não ter sido informada ao Mandatário, e esta mesma irregularidade, no nosso entender, invalida tanto o próprio acto, como os subsequentes 6. Comporta ainda uma irregularidade grave o facto de, também uma testemunha não ter sido notificada, sem que tal tenha, mais uma vez, sido dado a conhecer ao Mandatário, e portanto nos termos do n.º 1 do Art.123° CPP, mais uma vez trata-se de uma irregularidade que afecta os termos subsequentes, sendo que, nesta medida, devem os mesmos ser declarados inválidos.

  5. Por último, e mais uma vez, a decisão administrativa proferida pela ANSR não foi notificada ao Mandatário, conforme deveria nos termos dos Art.46° e 47° n.º2 do RGCO, o que consubstancia uma irregularidade nos termos do Art.123° CPP.

  6. O arguido não aceita a forma de instrução do procedimento e entende que a ANSR ao aplicar o artigo 175°/4 e 2, al. b) do Código da Estrada, praticou um acto inconstitucional e que aquelas normas estão feridas de inconstitucionalidade material por violação do art.32°/10 da CRP.

  7. O arguido solicita que seja absolvido e seja declarada inconstitucional a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária por esta ter declinado a audição do agente autuante e das testemunhas indicada pela defesa e com isso esvaziou o direito do arguido a se poder defender-se dos factos que lhe foram imputados, a decisão viola o art.32°/10 da CRP.

  8. No entanto, em bom-rigor, e colocada a questão, é evidente que, o prazo estabelecido no Art.74.º n.º 1 do RGCO é inconstitucional porquanto diminui drasticamente as garantias de defesa do arguido em processo de contraordenação, ferindo o disposto no Art.32° n.º 1 e 10 da CRP, bem como a igualdade normativa, pelo que se conclui violar também o disposto no art. 13 da CRP Termos em que deve atender-se aos fundamentos expostos e, em consequência: I. Ser conhecida a Nulidade Insanável respeitante à falta de notificação do Arguido para estar presente em Julgamento, nos termos do Art.119.º c) do CPP II. Consequentemente e nos termos do Art.122.º ser determinada a invalidade da Audiência de Julgamento e respectiva Sentença.

    1. Serem conhecidas as irregularidades respeitantes à falta de notificação do Mandatário sobre a decisão administrativa, falta de notificação do Mandatário para a impossibilidade de notificação do arguido, e falta de notificação das testemunhas, declarando-se portanto a invalidade dos actos em causa, e da Sentença.

    2. Serem conhecidas as inconstitucionalidades V. E assim, revogar-se a decisão recorrida.

    O Ministério Público junto do Juízo de Competência Genérica de Arganil, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela confirmação integral da sentença recorrida.

    O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

    Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

    Colhidos os vistos cumpre decidir.

    Fundamentação Da sentença recorrida consta, designadamente, o seguinte: «Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, sendo que no seu início foi julgada improcedente a nulidade invocada pelo arguido a fls. 50, tendo quanto ao mais sido observado o formalismo legal, conforme resulta da respectiva ata.

  9. Falta de notificação do auto de contraordenação ao arguido no decurso do processo administrativo.

    O arguido insurge-se no recurso de impugnação judicial quanto a uma eventual falta de notificação do auto de contraordenação em apreço, alegando que nunca recebeu qualquer notificação.

    Ora, resulta dos autos a fls. 3 (notificação postal com aviso de recepção) que o arguido foi notificado do auto de contraordenação, sendo que na notificação entregue ao arguido está detalhadamente explicitado o procedimento a observar para a apresentação da defesa quanto aos factos que lhe são imputados, conforme resulta dos termos da notificação de fls. 2. Sendo que nessa sequência, e de seguida, a fls. 4 e 5 dos autos, o arguido apresentou defesa por escrito, subscrita por advogado, juntando, na mesma ocasião, a competente procuração forense, conforme fls. 6 dos autos.

    Acresce que o arguido foi notificado da decisão condenatória – cfr. fls. 9 a 14 - tendo apresentado impugnação judicial relativamente à mesma, demonstrando assim ter tido conhecimento da decisão condenatória e dos respectivos efeitos.

    Por conseguinte, dúvidas não subsistem que o arguido foi devidamente notificado quer do auto de contraordenação quer, posteriormente, da decisão condenatória, em conformidade com o disposto no artº 50º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro e dos arts. 175º e 176º do Código da Estrada.

    Termos em que improcede a invocada falta de notificação.

  10. Falta do direito de audição e defesa do arguido no decurso do processo administrativo e subsequente inconstitucionalidade da decisão condenatória recorrida por violação do disposto no artº 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa.

    O arguido insurge-se ainda contra a forma como foi conduzida a instrução do procedimento levado a cabo pela ANSR pois esta declinou a audição do agente autuante e das testemunhas indicadas pela defesa, com isso esvaziando o direito do arguido de se poder defender dos factos que lhe são imputados.

    Também aqui entendemos que não assiste razão ao arguido.

    Preceitua o artº 50º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro que “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.

    No caso dos autos, e ainda no decurso da instrução do procedimento administrativo o arguido exerceu o seu direito de defesa, conforme resulta dos requerimentos de defesa de fls. 4 e 5, e ainda fls. 15 e 16.

    É certo que o arguido requereu produção de prova – em especial e na forma legalmente admissível, a fls. 15 e 16 – não tendo a ANSR procedido às audições requeridas.

    No entanto, ainda que se entenda que tal omissão pode configurar uma nulidade processual, certo é que a mesma terá que se considerar sanada, nos termos do disposto no artº 121º, nº 1, al. c) do Código de Processo Penal “ex vi” do artº 41º do DecretoLei nº 433/82, de 27 de Outubro. Com efeito, o arguido quando o arguido foi notificado da decisão condenatória, apresentou impugnação judicial, sendo que no recurso apresentado voltou a requerer a mesma produção de prova (audição do agente autuante e inquirição de testemunhas) que havia feito no âmbito da instrução do procedimento. Ou seja, o arguido prevaleceu-se da faculdade a cujo exercício o ato anulável se dirigia, portanto, não abdicou do seu direito de defesa. Com isto, entendemos que, a existir um ato anulável cometido pela ANSR, tal nulidade ficou sanada com o requerimento de prova apresentado no recurso de impugnação judicial.

    Aliás, sobre esta temática, escreveu-se: “Nos termos do artigo 50.º do RGCO “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”. Por sua vez, o artigo 54.º do mesmo diploma legal constitui um afloramento do princípio da investigação oficiosa. O conjunto de actos de investigação e de instrução realizados pela autoridade administrativa, que hão-de servir de base à “acusação” em processo contra-ordenacional, passa a equivaler à fase que no processo penal se designa por “inquérito” e que tem por finalidade investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação - artigo 262.º, n.º 1, do CPP. No âmbito do processo de contra-ordenação, na fase da investigação e instrução, o direito de audição e defesa do arguido tem a sua pedra angular no artigo 50.º do RGCO no qual se define que não é possível aplicar uma coima, ou uma sanção acessória, sem antes se...

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