Acórdão nº 1485/14.3TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução09 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO A (…) e M (…) casados entre si, residentes na Rua (...) , vieram propor ação declarativa com processo comum contra J (…), divorciado, residente na Rua (...) .

Alegaram os AA., em síntese útil, que: - adquiriram ao Réu, em 09.03.2005, a fração autónoma designada pela letra “H”, destinada a habitação, correspondente ao 3º andar esquerdo, com uma arrecadação no sótão e dois estacionamentos na cave, com a mesma letra da fração, do prédio urbano sito na (...) , ou (...) , Quinta da (...) , lote nº (...) , freguesia de (...) , inscrito na matriz sob o artigo yyy (...) , descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº xxx (...) da referida freguesia: - nessa data, o Réu encontrava-se em grandes dificuldades económicas, tendo os AA consentido que ele lá habitasse sem qualquer contrapartida; - entretanto, e porque a sua situação económica alterou, os AA através de notificação judicial avulsa, notificaram o Réu com data de 06.02.2014, instando-o a entregar-lhes a referida fração até ao final do mês de fevereiro de 2014, não tendo o Réu entregue a dita fração, a qual tem um valor de arrendamento de € 300,00.

Pediram os AA. que se condene o Réu: a) a entregar-lhes a referida fração, “livre e desembargada”; b) a pagar-lhes a sanção pecuniária compulsória de € 10,00 ao dia por cada dia posterior a 28.02.2014.

* Citado, o Réu contestou, alegando que, por receio de perder a sua casa de família por causa de dívidas, acordou com os AA., sua irmã e cunhado, em proceder, de forma fictícia, à sua venda, sendo o Réu quem pagou, até finais de 2012, os empréstimos contraídos aquando da celebração da escritura, o que fez porque, sempre concertado com os AA., controlava a conta que aqueles criaram junto da C.... e detinha os cartões de débito e cadernetas. Ainda hoje é o Réu quem vem pagando as despesas de seguros do imóvel, IMI e condomínio. Assim, suportou ele Réu pagamentos que ascendem a € 58.224,55.

Concluiu, na contestação, pela improcedência do pedido e pela procedência da «exceção invocada (…), declarando-se: a) a nulidade da escritura de compra e venda celebrada entre AA. e R., b) o R. como o legitimo proprietário da fração, c) e ainda o cancelamento de todos os registos feitos sobre a descrição xxx (...) -H da freguesia de (...) a favor dos AA, d) mais se requerendo a compensação dos valores já pagos pelo R. de no valor do preço a devolver aos AA..

Caso assim se não considere, e em alternativa, sejam os AA. condenados no pagamento ao R. da quantia de que este já liquidou por conta da fração H, a título de enriquecimento sem causa».

* Na réplica, os AA. requereram a intervenção da C.... para assegurar a legitimidade do peticionado pelo Réu, mas não tendo pago a taxa de justiça, foi tal incidente indeferido.

* O Réu esclareceu pretender deduzir reconvenção.

* Foi proferido despacho, em que se entendeu não haver qualquer necessidade de intervenção da referida entidade bancária, fixou-se o objeto do litígio e elaboraram-se os temas da prova, sem reclamações.

* Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo, conforme da respectiva ata consta.

* Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, importava concluir no sentido de que procediam os pedidos formulados na acção pelos AA. de reconhecimento da propriedade da fracção e da sua restituição, o que já não sucedia no tocante à condenação em sanção pecuniária compulsória, sendo que, no tocante aos pedidos deduzidos em via reconvencional pelo R., os mesmos improcediam na sua plenitude, inclusive no que à condenação dos AA. a título de enriquecimento sem causa dizia respeito.

Nesta linha de entendimento concluiu-se através do seguinte concreto “dispositivo”: «IV-DECISÃO Em face de todo o exposto, o Tribunal decide: 1. Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente ação e, consequentemente: 1.1 Condena-se o Réu a entregar aos AA, livre de pessoas e bens, a fração autónoma designada pela letra “H”, destinada a habitação, correspondente ao 3º andar esquerdo, com uma arrecadação no sótão e dois estacionamentos na cave, com a mesma letra da fração, do prédio urbano sito na (...) , ou (...) , Quinta da (...) , lote nº (...) , freguesia de (...) , inscrito na matriz sob o artigo yyy (...) , descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº xxx (...) da referida freguesia; 1.2. No mais, absolve-se o Réu do que contra si foi peticionado; 1.3. Condenam-se Autores e Réu nas custas processuais, na proporção do decaimento, fixando-se a responsabilidade daqueles em 1/3 e a deste em 2/3, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao Réu.

  1. Julgar totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção ação e, consequentemente: 2.1. Absolvem-se os AA / Reconvindos do que contra si foi peticionado; 2.2. Condena-se o Réu / Reconvinte nas custas da reconvenção, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

    Registe e notifique.» * Inconformado com essa sentença, apresentou o R. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

    * Cumprida a formalidade dos “vistos” e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

    * 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte: - impugnação da matéria de facto, quanto aos pontos “provados” sob os nos “6.”, “7.” e “10.” (relativamente aos quais pugna por uma diferente redação) e quanto ao facto “não provado” alinhado em último lugar (relativamente ao qual pugna por que seja considerado “provado”, com a especificação de que tal sucedeu “até 2012”)?; - incorreto julgamento de direito, por se encontrarem provados os factos comprovativos da exceção à presunção da propriedade dos AA., tendo sido violados os arts. 1311º e 240º do C.Civil e, em todo o caso, o art. 473º, nos 1 e 2 do mesmo C.Civil (enriquecimento sem causa) e o art. 609º, nº2 do C.P.Civil.

    * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade. Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância: «A - Factos Provados: 1. No dia 09.03.2005, no 1º Cartório de Competência Especializada de (...) , o Réu declarou vender aos AA, que declararam comprar-lhe pelo preço de € 100.000,00 que aquele declarou ter já recebido, a fração autónoma designada pela letra “H”, destinada a habitação, correspondente ao 3º andar esquerdo, com uma arrecadação no sótão e dois estacionamentos na cave, com a mesma letra da fração, do prédio urbano sito na (...) , ou (...) , Quinta da (...) , lote nº (...) , freguesia de (...) , inscrito na matriz sob o artigo yyy (...) , descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº xxx (...) da referida freguesia.

  2. Nessa data, o Réu encontrava-se em grandes dificuldades económicas.

  3. O Réu reside na referida fração.

  4. Os AA, através de notificação judicial avulsa, notificaram o Réu com data de 06.02.2014, instando-o a entregar-lhes a referida fração até ao final do mês de fevereiro de 2014.

  5. O Réu não entregou aos AA a fração.

  6. Aquando da celebração da escritura de 09.03.2005, os AA consentiram e autorizaram que o Réu ficasse a habitar a identificada fração “H”.

  7. Aquando da celebração da escritura de compra e venda, foram constituídos dois empréstimos: um de € 100.000,00 e outro de € 50.000,00, destinando-se o primeiro a pagar o preço da compra e venda e o segundo a obter dinheiro que o Réu usaria, obrigando-se este a restituir tal (a segunda mencionada) quantia.

  8. O valor dos empréstimos (€ 99.254,82 e € 49.602,42) foram depositados numa conta da C.... aberta pelos AA em 20.12.2004, com o número 0658002552600.

  9. O Réu acedia a tal conta, sendo detentor de cartão de débito e tendo acesso às cadernetas bancárias.

  10. Desde a data de tal escritura e até data(s) não exatamente determinada(s), o Réu pagou seguros do imóvel a que alude a escritura referida em 1., bem como o IMI e suportou as despesas de condomínio, em montantes não exatamente apurados.» ¨¨¨ «B - Factos Não Provados: De entre os factos que permaneciam controvertidos, não se provou que: - os AA tenham permitido ao Réu residir no imóvel, como se provou em 6., sem qualquer pagamento ou contrapartida e sem a fixação de qualquer prazo; - aquando da celebração da escritura, o Réu receava perder a sua casa de morada de família para os seus credores e simulou com os AA em vender-lhes a sua casa, não tendo as partes a intenção de transmitir o bem, sabendo que as suas declarações não correspondiam à verdade e visando impedir a penhora e venda da casa pelos credores daquele; - o Réu pagou as prestações (entendidas como mensalidades de capital e juros) inerentes aos empréstimos bancários.» * 3.2 – O R./recorrente deduz impugnação da matéria de facto, quanto aos pontos “provados” sob os nos “6.”, “7.” e “10.” (relativamente...

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