Acórdão nº 94/14.1GBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelBRIZIDA MARTINS
Data da Resolução07 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

* I – Relatório.

1.1.

A...

, arguido entretanto já mais identificado, foi submetido a julgamento no Tribunal a quo no âmbito dos autos supra mencionados, porquanto alegadamente incurso enquanto agente dos factos constantes de fls. 264/268, e segundo acusação oportunamente deduzida pelo Ministério Público, na prática de um crime de furto qualificado, p.p.p. art.ºs 203.º e 204.º, n.º 1, al. f) do Código Penal[1]; de um crime continuado de burla informática, p.p.p. art.ºs 30.º, n.º 2 e 221.º, n.º 1; de um crime de dano, p.p.p. art.º 212.º, n.º 1, e, finalmente, de um crime de violência doméstica, p.p.p. art.º 152.º, n.ºs 1, al. a), 2, 4, 5 e 6.

Tendo em vista obter o ressarcimento das quantias despendidas no tratamento prestado a B... , no dia 5 de Março de 2014, o Centro Hospitalar W (...) , EPE, deduziu pedido de indemnização civil contra o vidado arguido, pedindo a sua condenação a solver-lhe a quantia de € 1.458,49.

Realizado o contraditório, proferiu-se sentença decretando: - A condenação do arguido pela prática de um crime de violência doméstica, p.p.p. art.º 152.º, n.ºs 1, al. a), 2, 3, 4 e 5 do Código Penal, na pena principal de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; - Bem como na pena acessória de proibição de contacto com a vítima B... , incluindo o afastamento da residência e do local de trabalho da mesma, pelo período de 5 (cinco) anos, devendo o seu cumprimento ser fiscalizado mediante a utilização de meios técnicos de controlo à distância, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do art.º 152.º, quando o arguido estiver em liberdade, absolvendo-o, todavia, da pena acessória de proibição de uso e porte de armas, da obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, e inibição do poder paternal, nos termos dos n.ºs 4 e 6 do mesmo art.º 152.º; - A condenação do mesmo arguido pela prática de um crime de furto simples, p.p.p. art.º 203.º, na pena de 6 (seis) meses de prisão; - A sua absolvição pela prática do assacado crime de furto qualificado, p.p.p. art.º 204.º, n.º 1, al. f); - A condenação do arguido pela prática de um crime de burla informática, p.p.p. art.º 221.º, n.º 1, na pena de 1 (um) ano de prisão; - A condenação do arguido pela prática de um crime de dano, p.p.p. art.º 212.º, n.º 1, na pena de 6 (seis) meses de prisão; - A condenação do arguido, em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão efectiva; - A condenação do demandado a pagar ao demandante Centro Hospitalar W (...) , EPE, a reclamada quantia de € 1.458,49 (mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e quarenta e nove cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; - A condenação do arguido a pagar a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) à ofendida, a título de indemnização, nos termos do art.º 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro; 1.2. Inconformado com o teor do assim decidido, o arguido interpôs recurso (constante de fls. 587/601), retirando da correspondente motivação as seguintes conclusões e pedido (transcrição): Da Ilegalidade da prova 1.ª Resulta com clareza cristalina, do texto da decisão recorrida, que, o Tribunal dá como provado que Assistente e Arguido já estavam separados e finda uma união de facto anterior. Não precisa o Tribunal quando efectivamente se separaram e como justifica a conclusão - transposta em Facto - que já não se encontravam em união de facto. Tal erro notório na apreciação da prova, melhor se densifica se confrontarmos as declarações de D... , (que refere, que ainda se encontravam a viver juntos) com a credibilidade da dita testemunha cimentada na fundamentação de facto da matéria da dada por provada. Art.º 410.º C.P.Penal.

  1. A permissão de audição da testemunha K... , militar da GNR está também ferida de Nulidade incontornável porquanto, aquele, receptor da queixa apresentada pela Assistente, extrapola a razão de ciência que detém directamente dos factos e socorre-se das declarações prestadas pela assistente no âmbito da queixa. (n.º 7 do 356.º do C.P.Penal) 3.ª A factualidade vertida nas declarações da Assistente, atento ao regime imperativo do art.º 134.º n.º 1 alínea b) do C.P.Penal, deveria ser precedido da advertência do seu direito à recusa do depoimento. A lei expressamente sanciona tal omissão com a nulidade do acto.

  2. A convicção do Tribunal formou-se com base, nas declarações da Assistente, nulas nos termos supra referidos; nas declarações do Militar da GNR, também nulas; e nas declarações da testemunha D... , que esclareceu que Assistente e arguido ainda viviam juntos. Já neste último particular em dissintonia com a pré-assumida separação de Assistente e Arguido. Omitiu, pois, o Tribunal, a devida pronúncia ao não se pronunciar (ou melhor, a pronunciar-se sem definir meio de prova condicente). O que fere de nulidade a Sentença, nos termos e para os efeitos da alínea c) do art.º 374.º.

    Termos que deverá a prova ser novamente produzida em competente repetição do julgado.

    Da Errónea subsunção jurídica

    1. Na circunstância de existir matéria indiciária da prática de crimes contra a propriedade, máxime furto e dano, em que Assistente e Arguido vivam em condições análogas às dos cônjuges, qual tal a dos presentes autos, manda a lei que o Assistente/ofendido deduza acusação particular. Requisito de procedibilidade que nos presentes autos não foi cumprido.

      Nulla Poena sine Processo. Pelo que, nesta medida, é nula a decisão condenatória relativamente a estes crimes, o que se requer seja reconhecido. (art.º 207.º C.Penal) B) Lex specialis derrogat lex generalis. Inexiste a prática de concurso real e efectivo do crime de furto de cartão 203.º C.P. e do crime de Burla informática art.º 221.º do C.Penal, porquanto, reivindicação sine qua non do tipo subjectivo do crime, é a existência de um dolo específico e intencional, o que não se verifica nos autos. A Acção de furtar o cartão corporizou tout court a resolução criminosa de obter por via da sua posse, ainda que indevida, todas as quantias que aquele meio lhe permitiria. O dolo específico do crime de furto subsiste. Porém, o Agente não actua como a intencionalidade reivindicada da ludibriação de dados ou meios informáticos, admite-o como possível, necessário até. É nesta dimensão subjectiva do crime uma conduta atípica, logo não punível.

    2. As Exigências de prevenção geral e especial reivindicadas no crime de Violência doméstica são tanto maiores, quanto maior, a proximidade da vítima e o seu Autor. Provadas várias acções injuriosas e uma agressão física, esta última no preciso momento da conturbada separação não são representáveis posteriores e sucessivas agressões.

      A censura corporizada em pena, sensivelmente a meio da moldura penal abstracta, é desproporcionada, por excessiva. Foi neste termos violado o princípio da proporcionalidade das penas (art.º 71.º do C.Penal).

    3. O CRC do Arguido relativo a crimes de diferente natureza e circunstâncias não é, de per si, denunciador e enunciador da necessidade de aplicação de Pena efectiva de prisão. De outra forma o julgamento a que o arguido fosse submetido consubstanciar-se-ia num efectivo julgamento de carácter. Inadmissível.

      Termos em que, pelas razões aduzidas, deve o presente Recurso proceder e em consequência:

      1. Ser Repetido O julgado Não sendo este Vosso douto Suprimento Vexa conhecerem do Direito tal qual aqui é alegado e consonância absolverem o arguido dos crimes de: a) Dano, furto e Burla informática.

      b) Sendo, concomitantemente, o arguido condenado pelo crime de violência doméstica. Mas, em medida que não imponha medida de prisão efectiva.

      1.3. O recurso foi admitido por despacho de fls. 608.

      1.4. O Ministério Público (a fls. 617/639), respondeu ao mesmo, concluindo que lhe deve ser negado provimento e daí mantida a sentença recorrida. Fê-lo alicerçado na seguinte ordem de razões: 1.ª Incidindo o recurso interposto sobre matéria de direito e de facto, verifica-se deficiência nas conclusões (cfr. art.º 412.º, n.º 2 do Código de Processo Penal[2]), não tendo sido cumpridas as formalidades previstas no artigo 412º, n.º 3 e 4 do CPP.

  3. Pelo que, pela completa preterição das formalidades a esse respeito, deverá o recurso, quanto a matéria de facto, ser rejeitado.

  4. Quanto às questões levantadas, prova-se, pelas declarações da assistente e da testemunha D... , ao contrário do que alega o recorrente, que B... e o arguido viveram como se marido e mulher fossem durante 3 anos, tendo-se separado em Fevereiro de 2014 e que no dia 28 de Fevereiro já estavam separados e não coabitavam.

  5. Não resultando, em nenhum momento ou de algum depoimento, que no dia 5 de Março de 2014, arguido e assistente ainda vivessem juntos, como o recorrente pretende fazer crer, sendo suficiente para o efeito o facto provado que o arguido, nesse mesmo dia, foi a casa da assistente para levantar os seus pertences, assim exteriorizando o fim da relação anterior.

  6. Tendo em conta o teor da sentença, e uma vez que qualquer vício previsto no art.º 410.º, n.º 2 do CPP deve resultar do texto da decisão, é evidente a inexistência de qualquer erro notório na apreciação da prova.

  7. No que aos crimes de dano e de furto diz respeito, tendo em conta que não viviam em condições análogas às dos cônjuges, não era exigível que a assistente deduzisse acusação particular nos termos do art.º 207.º.

  8. O assistente assume, em relação ao Ministério Público, uma posição de colaborador (art.º 69.º, n.º 1 do CPP), sendo certo que neste caso assume também a posição de vítima, havendo, assim, como que uma dupla qualidade.

  9. Ora, ou se privilegia a qualidade de vítima em detrimento da qualidade de assistente, e aí teria direito ao silêncio, caindo a qualidade de assistente, ou, como decorre da lei, a assistente, mesmo que vítima, não tem o direito a não prestar declarações, não fazendo a lei qualquer ressalva para esta...

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