Acórdão nº 01060/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução05 de Abril de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1.

A……….., S.A., melhor identificada nos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra os actos de liquidação de IVA e de juros compensatórios referentes aos exercícios de 2007, 2008, 2009 e 2010, no montante global de € 5.157.249,72.

1.1.

Terminou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: A. A presente Impugnação Judicial tem por objeto a apreciação da conformidade legal dos atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios nºs 11056623 a 11056654, praticados pelo Senhor DIRETOR-GERAL DOS IMPOSTOS na sequência da Inspeção Tributária, de âmbito parcial e com incidência sobre o IVA, realizada aos anos de 2007 a 2010 da ora RECORRENTE, no montante global de € 5.157.249,72 (cinco milhões cento e cinquenta e sete mil duzentos e quarenta e nove euros e setenta e dois cêntimos).

B. No passado dia 18 de abril de 2013, o TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PONTA DELGADA julgou totalmente improcedentes os pedidos oportunamente formulados pela ora RECORRENTE no âmbito do presente processo de Impugnação Judicial.

C. Não obstante, entende a RECORRENTE que a apreciação judicativa do Tribunal a quo assentou numa errada fixação dos respetivos pressupostos de direito, em particular do alcance que o TJUE atribui ao nº 1 do artigo 13º da Diretiva 2006/112/CE, de que o nº 2 do artigo 2º do Código do IVA constitui transposição para a ordem jurídica interna.

D. Assim, a RECORRENTE demonstrará preliminarmente o erro de julgamento de que padece a decisão recorrida quanto à fixação do sentido e alcance aplicativo do nº 1 do artigo 13º da Diretiva 2006/112/CE e, logo, do nº 2 do artigo 2º do Código do IVA.

E. Uma vez demonstrado o erro sobre os pressupostos de direito na fixação do alcance da norma (des)aplicada pelo Tribunal a quo, far-se-á sobressair, à luz dos requisitos que se inferem da jurisprudência do TJUE, a errada apreciação da situação submetida à sua análise, quer quanto à inclusão da RECORRENTE no âmbito subjetivo de incidência do IVA, quer, de igual modo, quanto à integração das transferências realizadas pela REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES no plano objetivo de incidência do mesmo imposto.

F. A finalizar, a RECORRENTE demonstrará o erro de julgamento em que incorreu a decisão recorrida na apreciação do vício autónomo - de falta de fundamentação e de preterição de formalidade legal essencial - que afeta diretamente - i.e., já não apenas a título de ilegalidade consequente - os atos tributários de liquidação de juros compensatórios igualmente impugnados.

G. Na fixação do sentido e do alcance do transcrito nº 1 do artigo 13º da Diretiva 2006/112/CE - e, inerentemente, dos nºs 2 e 3 do artigo 2ºdo Código do IVA - o Tribunal a quo assentou nas seguintes premissas interpretativas: a. “A impugnante pretende que se aplique na interpretação da noção de organismo de direito público para efeitos do artigo 13º, nº 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE (...) a interpretação desenvolvida pelo TJUE a propósito da noção de organismo de direito público que decorre da Diretiva 2004/18/CE (...). Afigura-se, porém que tal argumentação não é de acolher, porquanto o TJUE já se pronunciou em diversas ocasiões sobre a interpretação da regra de não tributação constante no artigo 4º, nº 5, primeiro parágrafo da Sexta Diretiva, que corresponde atualmente ao artigo 13º, nº 1, primeiro parágrafo da Diretiva 2006/112/CE (...), consagrando interpretação diversa da pugnada pela impugnante”; b. pelo contrário, entende o Tribunal a quo que “O TJUE tem uma interpretação literal da noção de organismo de direito público para efeitos da regra de não tributação constante do referido artigo 13º, primeiro parágrafo (...). Na verdade, o TJUE tem-se pronunciado no sentido de que o artigo 4º, nº 5, primeiro parágrafo da Sexta Diretiva contém uma exceção à noção de sujeito passivo constante do artigo 4º, nº 1, o que o leva a ter uma interpretação restritiva da noção de organismo de direito público”, pelo que, “quanto ao IVA, ficam excluídos do âmbito de aplicação subjetiva da diretiva os Estados, as coletividades territoriais e outros organismos de direito público, relativamente a determinadas atividades. Para beneficiar da norma de incidência negativa referida é necessário estarem reunidas cumulativamente duas condições: 1) o exercício da atividade por um organismo público; e 2) que esse exercício seja efetuado na qualidade de autoridade pública”; c. assim, quanto aos requisitos de que depende o preenchimento da primeira condição, sufraga o Tribunal a quo que “o TJUE entende que ficam excluídos da regra de não tributação em análise as entidades que não estão diretamente integradas na organização da administração pública, mas que exercem a sua atividade sob a forma de atividade económica independente; assim, quando um organismo de direito público abrangido pela norma de não tributação em causa confia a atividade a um terceiro independente, este último não está isento pelo simples facto de passar a exercer uma atividade que consiste na prática de atos que constituem prerrogativas da autoridade pública, ou seja, ainda que na qualidade de autoridades públicas, não beneficiam da regra de não tributação (...), sendo que a dependência direta ou indireta de uma entidade relativamente à Administração pública não a torna um organismo de direito público” — cfr. acórdãos do TJUE de 26.03.1987, Proc. 235/85; de 25.071991, Proc, C-202/90; de 12.09.2001, Proc. C-276/97; de 21 .05.2008, Proc. C-456/07; e de 12.06.2008, Proc. C-462/05”; d. já relativamente à verificação da segunda condição, refere singelamente a sentença recorrida que “não deve ter-se em conta o objeto ou o fim da atividade do organismo público — elementos considerados para efeitos de restrição do alcance da não tributação dos organismos de direito público e para determinação de isenções — mas antes as modalidade de exercício das atividades, ou seja, são atividades exercidas na qualidade de autoridades públicas aquelas que são desenvolvidas pelos organismos de direito público no âmbito do regime jurídico que lhes é próprio, com exclusão das atividades que exerçam nas mesmas condições jurídicas que os operadores económicos privados”.

H. Perante o que antecede impõe-se à RECORRENTE começar por notar que o ordenamento comunitário consagra uma definição normativa expressa do indicado conceito de organismo de direito público, constante do nº 9 do artigo 1º da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços. Ora, o conceito de organismo de direito público vigente na ordem jurídica comunitária constitui um conceito funcional destinado a evitar quaisquer restrições do âmbito subjetivo de aplicação das próprias diretivas, dirigindo-se ao levantamento do véu da personalidade jurídica das entidades instrumentais criadas pelas respetivas Administrações Públicas com o objetivo de revelar a sua verdadeira condição de entidades materialmente públicas (permitindo, no caso concreto do IVA, uma correta implementação do princípio da neutralidade subjacente à Sexta Diretiva e à Diretiva 2006/112/CE.

J. Na verdade, ao contrário do que o Tribunal a quo defende, o conceito de organismo de direito público tem vindo a ser amplamente densificado e aplicado pelo TJUE em diversos domínios, entre os quais no domínio de aplicação Sexta Diretiva do IVA — entretanto revogada pela citada Diretiva 2006/112/CE (cf., neste sentido, o Acórdão do Tribunal de 17.10 1989 [Ufficio distrettuale delle imposte dirette di fiorenzuola d’arda contra Comune di Carpaneto Piacentino e Comune di Rivergaro e outros contra Ufficio Provínciale imposta sul valore Aggiunto d.i Piacenza, processos apensos C-231/87 e C-129/88, Acórdão Tribunal de Justiça de 8.06.2006, Finanzamt Eisleben contra Feuerbestattungsverein Halle eV, processo C-430/04, Acórdão do Tribunal de 25.07.1991, Ayuntamiento de Sevilia v Recaudadores de Tributos de las Zonas primera y segunda, processo C-202/90 e Acórdão do Tribunal de 12.09.2000, Comissão das Comunidades Europeias contra Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, Processo C-359/97).

K. Demonstrando o que se afirma, refira-se que os singelos casos em que o TJUE, na análise, quer do nº 1 do artigo 13º da Diretiva 2006/112/CE, quer dos respetivos antecedentes normativos, considerou não estar perante organismos de direito público, se circunscrevem a hipóteses em que as respetivas entidades não preenchem, ipso facto, nenhum dos requisitos qualificativos determinados pelo transcrito nº 9 do artigo 1º da Diretiva 2004/18/CE.

L. como sejam, exemplificadamente, os casos de profissionais liberais atuando por conta própria, sem vínculo de subordinação e suportando o risco da própria atividade (cf. Acórdãos proferidos nos processos C-202/90, de 25.07.1991 e 235/85, de 26.07.1987), M. ou os casos de entidades concessionárias de infraestruturas rodoviárias, como seja a LUSOPONTE, na sua qualidade de “consórcio constituído sob a forma de sociedade anónima detida por empresas portuguesas, bem como por uma empresa francesa e uma empresa do Reino Unido” e enquanto “terceiro que não está integrado na Administração Pública e que não tem qualquer relação de dependência com esta” (cf. Acórdão proferido no processo C4-62/05, de 12.06.2008, que veio reapreciar a questão decidida no anterior Acórdão de 08.03.2001, proferido no processo C-276/98; destacado da RECORRENTE).

N. É precisamente neste contexto que o Tribunal a quo invoca – de forma indevidamente conclusiva – o entendimento de CLOTILDE CELORICO PALMA segundo o qual «a actuação da pessoa colectiva de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT