Acórdão nº 0485/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GON
Data da Resolução15 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.

O Banco A……………, SA, com os demais sinais dos autos, tendo impugnado a autoliquidação de IVA (do período Janeiro/Novembro de 2010) no montante de 1.416.260,79 euros, recorre da sentença que, proferida no Tribunal Tributário de Lisboa em 11/01/2017, julgou improcedente tal impugnação, na parte em que tinha sido revogada pelo acórdão do STA, de 03/06/2015 (proc. nº 970/13-30), mantendo agora, nessa medida, o acto impugnado.

1.2.

Termina as alegações formulando as conclusões seguintes: 1) Em causa nos presentes autos está a autoliquidação de IVA relativa a Dezembro de 2010 (Período 2010/12), a qual teve por base o Ofício-Circulado n° 30108, que trata do direito à dedução do IVA de bens e serviços de utilização mista por parte dos sujeitos passivos que desenvolvem simultaneamente actividades sujeitas (locação financeira) e isentas (concessão de crédito) desse imposto.

2) Os fundamentos da autoliquidação impugnada constam assim do Ofício-Circulado n° 30108, considerando a AT que no cálculo da percentagem de dedução do pro rata apenas pode ser incluída a componente dos juros e não já a amortização financeira que integra o valor total das rendas nos contratos de locação financeira e de ALD celebrados pela Recorrente.

3) Baseando-se no entendimento sufragado pelo TJUE no “Caso Banco Mais” (Processo C-183/13) bem como no acórdão do STA que julgou procedente o recurso interposto pela AT da sentença que, por sua vez, havia julgado procedente à impugnação judicial (sentença proferida a 19.09.2012) — revogando a sentença então recorrida e determinando a baixa dos autos ao tribunal a quo, a fim de ser substituída por outra que decidisse, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos apontados —, veio o tribunal a quo a julgar, agora, improcedente a presente impugnação judicial.

4) Com o devido respeito, considera a aqui Recorrente que a sentença recorrida padece de manifestos vícios consubstanciados numa errada aplicação do direito, maxime do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos mistos, estatuído no artigo 23° do CIVA, assim como do regime legal do ónus de prova no âmbito do procedimento e processo tributário.

5) Antes do mais, e ao invés do que resulta da sentença recorrida e conforme decorre do Acórdão do TJUE proferido no “Caso Banco Mais”, cumpre enfatizar que o artigo 23°, n° 2 do CIVA não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva.

6) Para além disso, no caso dos autos seria essencial considerar que nos termos do disposto na alínea h) do n° 2 do artigo 16° do CIVA é toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista.

7) Sucede porém que, sempre com o devido respeito, do Acórdão do TJUE não resulta que a AT, em circunstâncias como o caso dos autos e em conformidade com o Ofício-Circulado n° 30108, se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à ora Recorrente de um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata, de acordo com o previsto no n° 4 do artigo 23° do CIVA.

8) No Acórdão do TJUE é somente referido que o artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva não se opõe a que um Estado-Membro possa obrigar um sujeito passivo a aplicar outro método de dedução que se repute mais ajustado, embora é forçoso reconhecer-se que não foi correctamente apurado que esta norma não tem idêntica ou similar correspondência no Código do IVA.

9) No entanto, como escreveu já JOSÉ MARIA MONTENEGRO em comentário ao Acórdão do “Banco Mais” «(...) não é verdade que a disposição constante do n° 2 do art. 23º do Código do IVA (conjugado com o n° 3) reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17º, n° 5, terceiro parágrafo, alínea e), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17°, n° 5, primeiro parágrafo, e 19º, n° 1, dessa Diretiva.» 10) Defendendo ainda esse autor — na linha, aliás do PARECER já junto aos autos (e cuja cópia se anexa às presentes alegações) da autoria de J. G. XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS - que «Em momento nenhum, em lugar algum, se descortina neste art. 23º a menção ou a consagração do poder de a Autoridade Tributária, perante um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, lhe impor condições à percentagem de dedução. Isto é, para lá das instruções precisas fornecidas pelo n° 4 do art. 23º - e que são objetivas na determinação daquela percentagem — o legislador não habilitou a Autoridade Tributária a contrariar a percentagem de dedução tal como resulta do n° 4».

11) Pelo que, não estando nesta sede em causa que a Sexta Directiva preveja a possibilidade de os Estados-membros poderem impor a um sujeito passivo misto a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (ou seja, que as Autoridades Tributárias possam inclusivamente moldar o cálculo do pro rata) a verdade é que não foi essa a opção seguida pelo legislador nacional no Código do IVA.

12) Efectivamente, e como muito bem refere o citado autor «É verdade que a Sexta Diretiva no art. 17º (nº 5, terceiro parágrafo, alínea c)), quando se referia, justamente ao pro rata, abriu a porta aos Estados-membros para que autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços. Sucede, todavia, que o legislador nacional preferiu não abrir essa porta, nada consagrando no sentido de conferir à sua Autoridade Tributária poderes com esse conteúdo» 13) E nem se diga que o que acima se conclui vai contra o entendimento sufragado no mencionado Acórdão do “Caso Banco Mais”, sendo aqui de aderir in totum ao defendido pelo Digno Ministério Público no parecer de 30.10.2014 junto nos autos do Processo n° 1874/13-30 (cfr. documento n° 2 do requerimento de 24.11.2014), no qual, pugnando pela procedência da impugnação judicial ao determinar que a AT extravasou os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 23º do CIVA, concluiu que tal entendimento não afrontava «o entendimento ora propugnado a decisão do ac. do TJUE de 10.07.2014 — P. C — 183/13, antes com ele se compatibilizando».

14) Considera a Recorrente que ao assumir que nos termos do artigo 23° do CIVA é conferida à AT a possibilidade de modificar a composição do pro rata o tribunal a quo subverte todos os pressupostos do raciocínio lógico contido na sentença recorrida, fazendo consequentemente uma errada interpretação e aplicação do citado preceito.

15) Pelo que a sentença recorrida enferma desse vício original que — entende a Recorrente — pode (e deve) ser facilmente verificado através da mera verificação e confronto do que consta literalmente dos artigos em causa na Sexta Directiva do IVA e no CIVA, constatando-se que a opção do legislador nacional não foi a de conceder à AT Portuguesa — como eventualmente poderia tê-lo feito — a possibilidade de alterar as componentes de cálculo do pro rata no caso concreto.

16) Nessa medida e em face ao exposto considera então a Recorrente que a sentença proferida padece, desde logo, de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do artigo 23° do CIVA.

17) Acresce que, salvo o devido respeito, a sentença proferida padece ainda de outros dois vícios que, na perspectiva da Recorrente, deverão igualmente conduzir à sua revogação.

18) O primeiro vício tem que ver com a (impossibilidade legal de) fundamentação sucessiva ou a posteriori: com efeito, e salvo melhor opinião, estando em causa uma autoliquidação decorrente do entendimento constante do Ofício-Circulado n° 30108, resulta inadmissível convocar já em fase de recurso a ampliação de matéria de facto com vista a acolher fundamentos factuais e jurídicos que nunca sequer foram especificadamente convocados pela AT no âmbito do presente processo.

19) Sendo certo, insista-se, que os fundamentos constantes do Ofício-Circulado n° 30108 que procuraram sustentar a autoliquidação aqui em apreço, os quais foram, aliás, reiterados em sede de contestação nos presentes autos — são frontalmente distintos daqueles que foram invocam no Acórdão do TJUE referente ao “Caso Banco Mais”.

20) Com efeito, a condição mencionada no Acórdão do TJUE e reproduzida no Acórdão do STA «de que a utilização dos serviços comuns é determinada também pela disponibilização dos veículos» nunca foi antes invocada ou alegada no presente processo e não se encontra contida em qualquer norma legal ou regulamentar (nem tão pouco no Ofício-Circulado n° 30108), pelo que a sua invocação redunda numa fundamentação sucessiva ou posterior, o que, como é consabido, está totalmente vedado à AT e aos tribunais.

21) Pelo que o tribunal a quo ao incluir este facto como não provado na sentença recorrida acaba por colaborar e até substituir a AT na fundamentação da autoliquidação, incorrendo assim numa fundamentação sucessiva ou a posteriori.

22) O tribunal a quo apenas pode exercer o controlo da legalidade do acto impugnado, não podendo, obviamente, como acabou por acontecer lamentavelmente na sentença recorrida aqui em crise, por colaborar e até substituir a própria Administração na respectiva fundamentação do acto tributário ora em crise.

23) Assim, a jurisprudência do TJUE nunca poderia legitimar que a sentença recorrida postergasse todas as regras enformadoras do processo e particularmente as que afrontassem as disposições que regulam a proibição da retroactividade e que regem o ónus da prova, pelo que a decisão judicial é inconstitucional por violação do n° 4 do artigo 20° e do n° 3 do artigo 103° da Constituição da República Portuguesa.

24) Por sua vez, o segundo vício que se...

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