Acórdão nº 01265/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução29 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 1355/17.3BELRS 1. RELATÓRIO 1.1 A Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa (adiante Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que aquele Tribunal, julgando procedente a reclamação deduzida por A…………. (adiante Reclamante ou Recorrido) ao abrigo dos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), anulou a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-8 que não permitiu ao ora Recorrido o pagamento integral da dívida exequenda em sub-rogação ao abrigo do n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de Novembro, ou seja, com dispensa de pagamento dos juros compensatórios, juros de mora e custas do processo de execução fiscal.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou as respectivas alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.

- (As notas que no original estavam em rodapé serão transcritas no texto, entre parêntesis rectos.

): «

  1. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a reclamação apresentada nos termos do disposto no art. 276.º do CPPT e anulou o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8, através da qual se indeferiu o pedido de sub-rogação apresentado pelo Reclamante no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3107200901176889.

  2. A questão de direito que foi colocada à apreciação do douto Tribunal de primeira instância foi, em suma, a de saber se um terceiro na relação jurídico-tributária tem direito a adquirir a qualidade de sub-rogado de uma dívida tributária e, simultaneamente, tem a possibilidade legal de aderir ao programa especial de redução do endividamento do Estado, aprovado pelo Decreto-Lei 67/2016, de 03 de Novembro e vulgarmente denominado “PERES”, desta forma pagando apenas a quantia devida a título de imposto e ficando dispensado do pagamento de juros de mora, juros compensatórios e custas com o processo de execução fiscal.

  3. A razão de fundo que motiva a discordância da Representação da Fazenda Pública relativamente à solução jurídica alcançada pelo ilustre Tribunal de primeira instância prende-se com o facto de, com o devido respeito, e em nosso entender, não ter sido esclarecida a confusão de conceitos jurídicos que o Reclamante, ora recorrido, trouxe aos autos.

  4. Salvo melhor opinião, consideramos que, se tivessem sido clarificados todos os conceitos jurídicos envolvidos na situação concreta, mormente, se tivesse sido verdadeiramente considerada a figura jurídica da sub-rogação, cujo regime jurídico se encontra consagrado no Código Civil, e devidamente apurados todos os seus efeitos legais no caso concreto, então, necessariamente, seria diferente a solução adoptada e teria sido totalmente improcedente a reclamação apresentada.

  5. Na perspectiva da Representação da Fazenda Pública, na douta sentença proferida em primeira instância foram colocadas no mesmo plano de acção as posições activa e passiva de uma obrigação jurídico-tributária, porquanto se considerou que um terceiro, na qualidade de sub-rogado de uma dívida tributária, poderia assumir também a posição de devedor, de forma a aderir ao programa especial de redução do endividamento ao Estado, aprovado pelo Decreto-Lei 67/2016, de 03 de Novembro e de ora em diante designado por programa “PERES”, como é vulgarmente conhecido.

  6. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, a factualidade que foi considerada provada nos autos em primeira instância implicaria uma análise jurídica mais profunda sobre a questão de direito que lhe foi colocada comparativamente àquela que foi feita na douta sentença proferida, pois não se pode ignorar que o ora recorrido veio interpelar a Autoridade Tributária (doravante, AT) no sentido de assumir a posição de sub-rogado na relação jurídico-tributária e, simultaneamente, de aderir ao programa “PERES”, pretendendo pagar, em nome do devedor tributário, a sociedade comercial denominada “B………. Lda.”, apenas a dívida de imposto, com dispensa do pagamento de juros de mora, juros compensatórios e custas com o processo de execução fiscal.

    6) O ilustre Tribunal de primeira instância considerou, na primeira parte da fundamentação de direito da sentença proferida, que o n.º 2 do art. 30.º da LGT, uma das disposições legais em que a Representação da Fazenda Pública se baseou para fundamentar a tese por si apresentada nos autos, não impede a disponibilidade do crédito tributário, desde que observados os princípios da igualdade e da legalidade tributária, princípios esses cujo respeito por parte do legislador, ao consagrar o regime excepcional de regularização de dívidas, a AT não coloca em causa.

  7. Ora, com o devido respeito, esta fundamentação de direito é reveladora de que o douto Tribunal “a quo” mal interpretou a argumentação aduzida pela Representação da Fazenda Pública no articulado de resposta apresentado nos autos, descontextualizando e desconsiderando aquilo que foi alegado.

  8. De facto, se for perpassado todo o teor da resposta apresentada nos autos, seguindo quem a lê a lógica que preside ao raciocínio da Representante da Fazenda Pública, poder-se-á apurar que em momento algum se pretende colocar em causa a bondade do diploma legal supra mencionado (Decreto-Lei 67/2016, de 03 de Novembro), no sentido da sua eventual incompatibilidade com a indisponibilidade dos créditos tributários, consagrada no n.º 2 do art. 30.º da LGT.

  9. De facto, a Representação da Fazenda Pública aludiu nos autos de primeira instância à indisponibilidade do crédito tributário, mas na medida em que, na sua opinião – que vem reiterar no presente recurso –, não pode a AT, pura e simplesmente, aceitar ceder o seu crédito a um terceiro que se propõe obrigar-se a prestar uma prestação fungível de montante inferior àquele que constitui o crédito daquela, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da legalidade tributária.

  10. O legislador admite que um terceiro que pague uma obrigação tributária de outrem possa ficar sub-rogado nos direitos da administração tributária, desde que tal seja autorizado, em conformidade com o previsto nos artigos 91.º e 92.º do CPPT.

  11. De acordo com o n.º 2 do art. 41.º da LGT, “O terceiro que proceda ao pagamento das dívidas tributárias após o termo do prazo do pagamento voluntário fica sub-rogado nos direitos da administração tributária, desde que tenha previamente requerido a declaração de sub-rogação e obtido autorização do devedor ou prove interesse legítimo”.

  12. Não obstante, estipula o n.º 2 do art. 91.º do CPPT que “Se estiver pendente a execução, o pedido será feito ao órgão competente, e o pagamento, quando autorizado, compreenderá a quantia exequenda acrescida de juros de mora e custas”.

  13. Assim sendo, e contrariamente ao que o Reclamante, ora recorrido, pretendeu fazer crer nos autos de primeira instância – tese que, de resto, convenceu o ilustre Tribunal “a quo” –, para ser autorizado o pagamento por sub-rogação, no âmbito de processo de execução fiscal, ele deve – no sentido de que tem necessariamente que – abranger, além da quantia referente ao tributo em dívida, os juros de mora e as custas do processo de execução fiscal (cfr. n.º 2 do art. 91.º do CPPT).

  14. A disposição consagrado no n.º 2 do art. 91.º do CPPT, ao dispor expressamente que o pagamento em sub-rogação compreenderá a quantia exequenda acrescida de juros de mora e custas, configura um dever legal, tendo, portanto, natureza imperativa e não sendo susceptível de ser alterado por vontade das partes, sendo certo que o legislador não determinou, seja no CPPT, seja na LGT, qualquer excepção legal a esta disposição.

  15. De facto, como melhor veremos adiante, a AT encontra-se vinculada ao princípio da legalidade tributária, pelo que não pode conceder moratórias fora dos casos expressamente previstos na lei, tendo sido esse o sentido que seguiu o órgão de execução fiscal ao proferir o despacho objecto de reclamação.

  16. Ora, ao arrepio desta norma legal e dos princípios enformadores do procedimento e do processo tributário, o deferimento, por parte do órgão de execução fiscal, da pretensão formulada pelo Reclamante, ora recorrido, conduziria a que um sub-rogado que pagasse a dívida do devedor tributário e assim sucedesse na posição jurídica de credor à AT no âmbito do programa especial denominado “PERES” – hipótese que se concebe de forma meramente académica, porquanto, como veremos adiante, esta situação vai contra toda a concepção das posições activa e passiva da relação jurídico-tributária – apenas tivesse que entregar uma prestação fungível equivalente ao valor do imposto em dívida, ao passo que um outro sujeito que adquirisse a posição de sub-rogado ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 91.º do CPPT tivesse que entregar não só o valor do imposto mas também as quantias que estivessem em dívida à AT a título de juros de mora, de juros compensatórios e de custas devidas com o processo executivo.

  17. Ora, tal situação, a admitir-se a sua existência e validade jurídica, configuraria uma violação ao princípio da igualdade, que norteia o procedimento e o processo tributário, verificando-se um tratamento desigual, que beneficiaria o sub-rogado que fosse enquadrado no programa especial de redução do endividamento ao Estado, sem que existisse uma razão objectiva para esse mesmo tratamento desigual.

  18. Além disso, a aceitar-se tal situação, e conforme supra mencionamos, subverter-se-iam vários princípios subjacentes à relação jurídico-tributária e enformadores do procedimento e do processo tributário.

  19. O n.º 2 do art. 36.º da LGT estipula que “Os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes”.

  20. Ora, de acordo com o disposto no...

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