Acórdão nº 01292/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GON
Data da Resolução29 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.

A Autoridade Tributária recorre da sentença que, proferida em 15/5/2016, no TAF do Porto (fls. 613 e ss.), julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………………. SGPS, S.A., contra decisão de indeferimento expresso de reclamação graciosa e anulatória de correcções à matéria tributável de IRC (exercícios de 2005, 2006 e 2007) no montante global de € 1.632.219,79.

1.2.

Termina as alegações com as conclusões seguintes (sintetizadas a fls. 729/734): A. A Fazenda Pública não se conforma com a sentença exarada nos autos, que julgou procedente a impugnação judicial intentada na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as correções efetuadas em sede de IRC respeitantes aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, por entender que a mesma incorreu em erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 74°, n° 1 da LGT, 23°, n° 1 do CIRC e 31°, n° 2 do EBF na redação aplicável (atual artigo 32°, n° 2 do EBF).

  1. No nosso entendimento, encontravam-se em perspetiva nesta ação os seguintes vetores fundamentais, que, com todo o respeito devido, que é muito, não foram tidos em conta pelo Tribunal a quo na abordagem efetuada: a) A definição de quem tem a obrigação legal de alcançar a quantificação dos encargos financeiros não dedutíveis em função do estabelecido pela concatenação do disposto no artigo 23° do CIRC com o artigo 31° do EBF (na redação introduzida pela Lei n° 32-B/2002, de 30/12), e efetuar a sua desconsideração no âmbito do apuramento do lucro tributável e preenchimento da declaração anual onde efetua a autoliquidação do IRC a pagar que — como adiante se verá — é a Impugnante; b) A factualidade decorrente dos autos, bem como a admissão da Impugnante, que não contesta tal circunstância, implica a resposta positiva ao facto — pela Impugnante, no exercício em causa, foram incorridos encargos financeiros deste tipo, que se encontram englobados no total dos encargos financeiros por ela considerados como custo fiscal na respetiva declaração de rendimentos, sem que a mesma tenha procedido, na declaração de rendimentos ao acréscimo correspondente ao valor dos encargos não fiscalmente dedutíveis, nos termos do disposto no artigo 23° do CIRC e artigo 31° n° 2 do EBF; c) Não tendo sido efetuada pela Impugnante a desconsideração de qualquer custo por aplicação do disposto naquele normativo legal impunha-se, por esse facto à AT, em sede de procedimento inspetivo no âmbito dos seus poderes-deveres, corrigir o Lucro Tributável apurado em virtude de este se encontrar influenciado por encargos financeiros que não eram dedutíveis nos termos do artigo 23° do CIRC e 31° do EBF, não fornecendo a Impugnante através da sua documentação com relevância fiscal elementos que permitam apurar em concreto os custos respeitantes àqueles encargos.

  2. De acordo com o artigo 74°, n° 1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Estando a regra prevista no procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respetivo ónus no processo judicial tributário.

  3. As verbas escrituradas na contabilidade da Impugnante como um seu custo, não se encontravam suportadas por documentos bastantes para dar a conhecer da sua existência, causa e indispensabilidade de realização para a obtenção dos proveitos, que autorizasse a sua qualificação como custos ao nível fiscal, na medida em que não exteriorizavam nem permitiam a alocação dos empréstimos contraídos aos fins a que os mesmos se destinam, especificamente, aqueles cujo produto foi aplicado na aquisição de partes de capital que reúnem as condições do artigo 31º, n° 2 do EBF por não concorrerem para a formação do lucro tributável, o que é admitido pela Impugnante (cfr. disposições conjugadas dos artigos 17°, 23° e 115°, n° 3 a) do CIRC com o artigo 31°, n° 2 do EBF).

  4. O Orçamento do Estado para 2003 procedeu a uma alteração no regime de tributação das mais-valias das SGPS, seguindo, numa ótica de reforço da competitividade dessas sociedades, a tendência comum à maioria dos países membros da Comunidade Europeia, ou seja, excluindo da tributação as mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas há mais de um ano e não considerando dedutíveis para efeitos fiscais nem as perdas sofridas em virtude da alienação de partes sociais em idênticas condições, nem os encargos financeiros suportados para a aquisição de ativos da mesma natureza.

  5. Em face das dúvidas suscitadas sobre a aplicação do novo regime fiscal aplicável às SGPS e às SCR, atenta a extrema dificuldade de utilização de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo poderia gerar, veio a ser transmitido, através da Circular n° 7/2004, de 30/03, da Direção de Serviços do IRC, o entendimento da Administração Tributária sobre esta matéria, bem como o método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais.

  6. O princípio geral da indispensabilidade dos custos informa o disposto no artigo 23° do Código do IRC, no qual se estabelece que se consideram “custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Assim, os encargos financeiros que tenham sido suportados com a aquisição de participações sociais não concorrem para a formação do lucro tributável nos mesmos termos das mais ou menos valias realizadas, trata-se da imputação do encargo ao regime fiscal aplicável ao resultado da operação para a qual foi assumido.

  7. Competindo ao sujeito passivo, com referência a cada período de tributação, a determinação do lucro tributável, seguindo para o efeito a metodologia descrita pelo legislador fiscal, visando a tributação do rendimento real efetivo, deve este realizar o acréscimo tendo por vista desconsiderar, como manda a lei, os encargos suportados com a aquisição das participações sociais, sendo certo que, ninguém melhor do que o próprio sujeito passivo se encontra em situação de concretizar os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais e, se o não faz, legitima a Administração Tributária a efetuar correções ao apuramento do Lucro Tributável para efeitos da desconsideração dos custos suportados com a aquisição das referidas participações.

    I. Recaindo o ónus da prova da dedutibilidade dos custos questionados para a formação de proveitos que contribuíram para o apuramento do Lucro Tributável sobre o sujeito passivo, no procedimento tributário, na medida em que o contribuinte tem para com a Administração Tributária o dever de lhe prestar esclarecimentos sobre a sua situação tributária, no caso, de esclarecer as razões que poderiam levar a concluir que dos custos por ele refletidos no apuramento do Lucro Tributável nenhuns respeitavam a encargos financeiros com a aquisição de participações sociais nas condições referidas no artigo 31°, n° 2 do EBF. Não cumprindo esse dever de esclarecimento e explicitando que não lhe é possível com base nos factos e documentos patentes da sua contabilidade, ou quaisquer outros (designadamente testemunhais) indicar quais são de entre os custos que imputou no apuramento do Lucro Tributável aqueles que não o deveriam influenciar nos termos da lei, o ónus da prova acerca da alocação dos encargos financeiros incorridos que recaia sobre o contribuinte no procedimento.

  8. Por outro lado, aquilo que consideramos, ressalvado o respeito devido por melhor opinião, uma visão ou interpretação bipartida do artigo 31° do EBF, que se encontra subjacente à posição defendida pela Impugnante e correspondente à atitude que adotada ao longo dos exercícios económicos, não nos parece defensável nem aceitável face à redação do preceito, face à intenção do legislador e face à coerência das soluções pelo mesmo estabelecidas no ordenamento jurídico e por fim com a natureza do normativo — de concessão de um benefício fiscal.

  9. A intenção subjacente à criação do benefício em causa não pode deixar de ser considerada na respetiva interpretação, não autorizando que se autonomize a primeira parte do preceito da segunda, considerando aplicável apenas aquela e não considerando aplicável esta, porquanto o preceito não contém duas partes autónomas entre si, mas contém duas partes interdependentes entre si, face à intenção do legislador subjacente à criação do benefício. Isto porque a desconsideração como custos fiscalmente relevantes dos encargos financeiros incorridos para obtenção da determinação do Lucro Tributável consagrada no n° 2 do artigo 31º do EBF consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos custos segundo o qual a dedução fiscal dos custos é condicionada à sua conexão com a obtenção de proveitos sujeitos a imposto e do qual resulta que se determinados custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a imposto, não são fiscalmente dedutíveis.

    L.

    Entendendo-se não ser aplicável o normativo legal, não pode aplicá-lo no seu todo. De outro modo, encontra-se a seguir uma posição que contém em si mesma uma contradição intrínseca, por um lado afirma o normativo como inaplicável por inexequibilidade prática, contudo, aplica uma parte que destaca do referido preceito — quando esta não é destacável do todo ali estabelecido, por um ser condição do outro, em termos da interpretação racional ou teleológica e sistemática do normativo.

  10. No contexto apontado, decidir no sentido propugnado da sentença recorrida, seria fazer tábua rasa das obrigações que impendem sobre os contribuintes e relativas ao ónus da prova atinente à dedutibilidade fiscal dos custos relevados na contabilidade e ao mesmo tempo, convidar ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT