Acórdão nº 0237/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução09 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

A………….

e B………..

, devidamente identificados nos autos, instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante «TAF/P»], contra o “MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA” [doravante «MVNG»] e “ÁGUAS DE GAIA, EM” [doravante «AdG»], e no qual é interveniente principal passivo “C…………, SA”, a presente ação administrativa comum, com processo na forma ordinária, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial [cfr. fls. 03 a 13 dos autos - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], a condenação solidária dos RR. a: (i) reconhecer a propriedade plena e exclusiva dos AA. sobre o prédio que identificam no artigo 3.º da petição inicial e a sua qualidade de donos e legítimos possuidores do mesmo; (ii) removerem todos os emissários, tubos de receção e encaminhamento de águas pluviais ou de nascentes, caixas e tudo o que mais seja conexo com a intervenção registada e se encontre colocado na sua propriedade, repondo o terreno no mesmo estado (natural) em que se encontrava antes da aludida intervenção, determinando-se o prazo de 30 dias para a realização de tais obras; (iii) pagar aos AA. uma quantia nunca inferior a 300,00 € [TREZENTOS EUROS] por cada mês, pelo menos a contar de junho de 2001, data em que passaram a ocupar, com o estaleiro ou com os tubos e caixas instaladas no solo, o terreno dos impetrantes, até ao trânsito em julgado da decisão, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e morais causados pela ocupação abusiva e não consentida do imóvel, sem prejuízo da fixação de tal montante indemnizatório mediante o recurso a juízos de equidade.

1.2.

Após elaboração de despacho saneador no qual se improcederam, por um lado, a exceções de erro na forma de processo, da ilegitimidade passiva e da prescrição e, por outro, se fixou a matéria de facto assente e a base instrutória sem qualquer impugnação do juízo de improcedência daquelas exceções [cfr. fls. 373 a 415 e 416 e segs.

], seguiu-se a instrução e julgamento, tendo o «TAF/P» proferido sentença, em 18.03.2013 [cfr. fls. 907 a 967], na qual julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu: i) condenar “os RR. e a interveniente «C………, SA», a reconhecer que os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio melhor identificado no artigo 03.º da petição inicial”; ii) absolver “os RR. e a Interveniente do pedido formulado sob a alínea B) de fls. 12 da petição inicial”; iii) condenar o 1.º R. “a pagar aos Autores a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) como compensação pelos danos morais sofridos em consequência da implantação dos tubos em PVC para condução de águas pluviais que se encontram no subsolo do prédio dos Autores identificado no artigo 3.º da petição inicial, sem o consentimento dos mesmos”; iv) condenar o 2.º R., “a pagar aos Autores a quantia de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) como compensação pelos danos morais sofridos em consequência da implantação do emissário do Rio Febros e da construção de uma caixa de saneamento sobre o seu prédio, identificado no artigo 3.º da petição inicial, sem o consentimento dos mesmos”; v) condenar o 2.º R. “a pagar aos Autores a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelos Autores”; vi) Absolver “os RR. dos demais pedidos”; e, vii) absolver “a Interveniente «C.………, SA» do pedido formulado sob a alínea C) de fls. 12 da petição inicial”.

1.3.

Inconformados, os AA. interpuseram recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Norte [doravante «TCA/N»] que, por acórdão de 24.10.2014, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida [cfr. fls. 1095 a 1124].

1.4.

Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA os AA., de novo inconformados com aquele acórdão proferido pelo «TCA/N», interpuseram, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 1140 a 1154], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: “...

  1. Os AA., mais de 13 anos após serem esbulhados no seu direito de propriedade, e não obstante a procedência da douta sentença proferida no sentido do reconhecimento da sua propriedade plena sobre o imóvel agredido pelas RR., continuam a sentir-se fortemente injustiçados face ao teor da referida decisão e dos respetivos fundamentos.

  2. Duplamente se volve o inconformismo dos AA.. Por um lado, ele decorre da sonegação sentenciada à não restituição integral da sua propriedade ao estado natural, ainda que não se demonstrando, nem sequer o alegando … RR. …, a inviabilidade para que tal ocorresse; por outro lado, resulta tal inconformismo da indemnização irrisória atribuída.

  3. Ora embaraço à plena restituição à propriedade reconhecida dos recorrentes constitui uma postergação do Estado de Direito e mesmo uma contundente violação de preceitos constitucionais bem cristalizados, tais como o princípio da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas (art. 22.º da CRP), o princípio da legalidade (art. 7.º CEDH), princípio da propriedade privada e justa indemnização (artigo 1.º do Protocolo n.º 1 CEDH; artigo 62.º - não «69.º» como lapso consta - n.º 1 e 2 CRP), princípio da igualdade, proporcionalidade, proteção da confiança e segurança jurídica (artigo 2.º, 13.º CRP) e recurso efetivo (artigo 6.º e 13.º da CEDH).

  4. Ora, as normas de direito interno nas quais o tribunal a quo se louvou na construção da sua decisão - DL n.º 48051 de 21.11.1967 e art. 496.º do Código Civil - são anteriores à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, devendo ser objeto de interpretação conforme à Convenção e considerarem-se inaplicáveis na medida em que a contrariem.

  5. A perda de qualquer disponibilidade de bens imóveis, juntamente com a impossibilidade de reverter a situação violada, gera consequências suficientemente graves submetendo os lesados de expropriação de facto, a uma situação incompatível com o princípio da legalidade e o direito da sua propriedade, nos termos da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem! F. Pelo que a decisão a quo não resolve em definitivo a questão, mas, antes e só, condena a um ressarcimento parco pela ocupação abusiva e temporária do imóvel.

  6. Além disso, reduzindo o pedido consequente ao reconhecimento da propriedade a uma indemnização tão ridícula face aos seus danos patrimoniais atuais, por forma a tornar aceitável uma meramente conceptual e arbitrária «expropriação de facto» que permite a integração ou gozo pelo domínio público administrativo de bens a ele subtraídos sem o prévio recurso a um procedimento legalmente estabelecido, é violado o disposto nos arts. 2.º, 12.º, 13.º, 22.º, 62.º n.º 1 e 2, da CRP, arts. 6.º, 7.º, 13.º CEDH e artigo 1.º do Protocolo n.º 1 CEDH.

  7. A função social da propriedade não pode significar o seu esmagamento à revelia e fora das regras fixadas, como estipula a Constituição, apontando o caminho da lei e do Código das Expropriações, sob pena de corresponder a um retrocesso civilizacional e atentatório da própria Constituição.

    1. O paradoxo do caso redunda no facto de que os AA. quiseram acionar as recorridas nos Tribunais comuns - únicos que podem aplicar o Código das Expropriações - e estes julgaram-se incompetentes. O Tribunal da Relação veio fixar a ação nos Tribunais Administrativos, e este decide como se de uma expropriação se tratasse, de facto, quando não tem poderes jurisdicionais em tal matéria, mas antes, e só, os Tribunais comuns. Pelo que a decisão recorrida lesa igualmente a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais em matéria de competência decisória.

  8. Ainda que solução não houvesse para o dissídio após o reconhecimento da propriedade e em termos de ordenar a remoção dos bens invasores - o que não foi provado nem alegado -, certo é que a passagem do dissídio para um nível de apreciação que se destinasse à indemnização dos recorrentes teria que resultar de um efetivo, válido e judicial processo de expropriação, uma vez que só este procedimento garante a «justa indemnização», não seria uma perda de tempo, ao contrário do entendimento do tribunal a quo. O que se faz, assim, com a decisão recorrida que manteve a decisão em primeira instância, é estimular comportamentos desviantes e perversos por parte dos entes públicos com pagamentos ridículos.

  9. Os proprietários não podem ser privados da sua propriedade sem que decorra um ato translativo válido, seja por negociação, seja o decorrente de um processo expropriativo pleno e válido, que assegure a igualdade perante a lei (art. 12.º e 13.º CRP), conferindo o direito de questionar a declaração de utilidade pública (DUP) e discutir com recurso a peritos na fase pré judicial e judicial, a justa indemnização decorrente dos critérios fixados nos arts. 23.º e 24.º do Código das Expropriações e artigo 62.º - não «69.º» como lapso consta - n.º 2 CRP.

    1. Evidenciando o inconformismo dos recorrentes, sobressai a falta de valoração do encurtamento grosseiro da sua propriedade pela existência e persistência de emissários de drenagem de águas residuais e pluviais e caixa de saneamento, a perda da expetativa de construção face aos afastamentos exigidos pela existência destas infraestruturas no solo e subsolo, o não uso agrícola do solo, a perda de servidão de água e os danos resultantes do buraco a céu aberto na interceção da conduta de águas pluviais e a falta de reposição dos limites do terreno/marcos. E todos estes são factos provados a que podem ater-se as instâncias sem com isso questionar a mera apreciação de direito reservada a este tipo de recursos.

  10. E esses, entre outros aspetos desconsiderados na fixação indemnizatória pelo Tribunal a quo, como a perda de espectativa legítima de construção e a perda económica do valor do imóvel, sublinham um quantum irrisório apurado, que não reintegra a lesão dos seus danos patrimoniais e morais. A...

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