Acórdão nº 0510/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução09 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório A…………, Magistrado do Ministério Público, Procurador-Geral Adjunto, interpôs contra o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), Acção Administrativa Especial de impugnação da deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, datada de 28 de Janeiro de 2014, que indeferiu parcialmente a reclamação da deliberação da respectiva secção disciplinar, datada de 12 de Outubro de 2012, e atenuou a sanção aplicada para 20 dias de multa, cumulando-se com pedido de condenação à abstenção da prática de novo acto.

Imputa ao acto impugnado errada apreciação/valoração da prova, violação do princípio da proporcionalidade e preterição dos limites do caso julgado, pelo que pede a respectiva anulação, e, em consequência, que se condene o CSMP a abster-se da prática de novo acto administrativo com base nos factos alegadamente praticados pelo autor constantes do processo disciplinar nº 8/2012 – RMP I.

O Réu contestou a fls. 101 a 120, defendendo que a acção deve ser julgada improcedente.

Foi dado cumprimento ao art. 81º, nº 4 do CPTA tendo o A. em alegações formulado as seguintes conclusões: A. Na presente acção administrativa especial, vem o Autor impugnar a deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, datada de 28.01.2014, que indeferiu parcialmente a reclamação por este apresentada da deliberação da respectiva secção disciplinar, datada de 12.10.2012 e atenuou a aplicação de sanção para 20 dias de multa, pela prática de uma infracção disciplinar correspondente à violação dos deveres funcionais de zelo, diligência, lealdade e prossecução do interesse público.

B. O acto ora impugnado não é o primeiro acto administrativo proferido pelo Réu no âmbito do processo disciplinar movido contra o Autor: por deliberação de 11.01.2013, o Plenário do CSMP já havia determinado a aplicação ao Autor da pena disciplinar de 30 dias de multa pela alegada prática de uma infracção disciplinar por violação negligente deveres funcionais de zelo, negligência, lealdade e prossecução do interesse público, tendo tal deliberação sido anulada pelo STA, em 5.11.2013, no âmbito de acção administrativa especial (processo n.° 642/13), com o fundamento de naquela deliberação, o Réu ter dado por adquirida uma factualidade que o não estava, já que o reclamante a havia posto longamente em causa, assim incorrendo em vício de erro nos pressupostos de facto.

C. Todavia, a nova deliberação proferida pelo Réu em 28.01.2014, sobre o mesmo tema e com idêntico objecto, determinando a aplicação ao Autor da pena disciplinar de 20 dias de multa pela prática de uma infracção disciplinar por alegada violação negligente dos deveres funcionais de zelo, diligência, lealdade e prossecução do interesse público, mais não é do que um aproveitamento ilícito deste de uma ilegalidade que o próprio cometeu, em violação da lei e do direito, retomando, para grande surpresa do Autor, os exactos termos do anterior acórdão anulado.

D. A suposta infracção disciplinar teve origem na extinção, por factos alegadamente imputáveis ao Autor, do direito de propositura de uma acção de contrato de trabalho para ressarcimento de eventuais créditos laborais, no respectivo procedimento administrativo, por efeito da sua caducidade.

E. Em primeiro lugar, o Autor considera não ter violado qualquer dos deveres gerais (ou especiais) decorrentes do seu estatuto de magistrado do Ministério Público, pelo que não deveria ter sido sancionado disciplinarmente, ou seja, o Autor encontra-se plenamente convicto de que não praticou qualquer ilícito disciplinar e não tendo incorrido em qualquer ilícito disciplinar, a imposição de uma sanção (qualquer que ela seja) é inválida e não pode subsistir na ordem jurídica. Razão pela qual o Acórdão impugnado incorre em erro sobre os pressupostos de facto equivalente a violação de lei, devendo ser invalidado.

F. Os factos considerados assentes pelo Acórdão impugnado, foram-no só e tão somente com base no depoimento das funcionárias que, à altura dos factos, exerciam funções nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal …………………, sem qualquer outro substrato probatório e desvalorizando ostensiva e infundadamente as declarações que o próprio Autor prestou, constituindo estes dois testemunhos os únicos elementos probatórios que ligam o aqui Autor ao fim a que chegou o citado processo disciplinar, não existindo nos autos qualquer prova objectiva do comportamento que lhe vem imputado e que, ao contrário do que vem erroneamente afirmado do douto Acórdão, o Autor sempre negou.

G. Por outro lado, o Autor insiste que os depoimentos prestados pelas Senhoras funcionárias do Tribunal …………….., sobretudo se confrontados com o que afirmaram no processo de inquérito, apresentam várias inconsistências e insinuam graves falhas de credibilidade, sendo absolutamente incompreensível que não se apreciem e valorizem as declarações prestadas pelo Autor, sem que se indique um único indício capaz de fundamentar tal posição e em contrariedade com todo o percurso profissional do Autor.

H. A imputação de ilícito disciplinar carece assim de ser provada, porque não existe nenhum motivo racional e atendível para não considerar e valorar o depoimento do Autor e existem razões objectivas para questionar a credibilidade geral dos depoimentos prestados pelas Senhoras funcionárias, assumindo-se como absolutamente insuficiente a valorização exclusiva dos depoimentos prestados por estas para dar por provados os factos constituintes da alegada infracção disciplinar.

I. Consequentemente, o Acórdão impugnado não podia dar por provados factos que não ocorreram, com fundamento único em depoimentos contraditos pelo depoimento do Autor, sem que exista qualquer motivo pelo qual se questione a veracidade do depoimento deste. Donde se conclui que o Autor não praticou qualquer ilícito disciplinar, não devendo, dessa forma, ser sancionado.

J. Em face de todo o exposto, o Acórdão impugnado é inválido e deverá, em consequência, ser anulado.

K. Se assim não se tiver por procedente e sem conceder quanto à relevância do Autor não ter praticado qualquer ilícito disciplinar, considera-se, em todo o caso, que a sanção aplicada é excessiva e viola o princípio da proporcionalidade.

L. A pena de 20 dias de multa aplicada ao ora Autor sempre seria desajustada à sua alegada conduta violadora dos deveres profissionais, porque não teve em consideração o grau de culpa do agente, as circunstâncias atenuantes e a inexistência de circunstâncias agravantes, nomeadamente, o facto de a alegada conduta se reportar apenas a um processo que não terá merecido despacho, para além de que todo o percurso profissional do aqui Autor é revelador de que a mera censura do facto levaria este a não reincidir, pelo que não se encontra justificada a necessidade da execução efectiva da sanção.

M. Deste modo, o Autor entende que o acto impugnado é inválido por violação do princípio da proporcionalidade, devendo ser anulado.

N. E, bem assim, deverão ser anulados todos os actos posteriores que ordenaram a execução da sanção aplicada, nomeadamente, por meio de cobrança coerciva O. A deliberação sancionatória ora impugnada é, ainda, inválida por violação dos limites objectivos impostos pelo caso julgado.

P. O julgado anulatório constituiu o Réu, de acordo com o artigo 173.°, n.° 1 do CPTA, no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.

Q. Tal imposição legal deverá ser efectuada em estrita observância dos limites impostos pelo caso julgado e pela lei, isto é, não impede a substituição do acto anulado mas impõe que a mesma se faça sem repetição dos vícios determinantes da anulação, o que, conforme se demonstrou, não se verifica in casu.

R.

Embora reproduza os argumentos deduzidos pelo Autor na sua reclamação, o Réu limita-se, tão-só, a reproduzir a factualidade dada como provada no âmbito do processo disciplinar, factualidade essa, precisamente, que o Autor coloca longamente em causa, continuando sem fazer uma apreciação criteriosa dos argumentos avançados pelo Autor.

S. Acresce que a actuação do Réu traduz-se, no fundo, no aproveitamento de um vício que ele próprio praticou, ao emitir nova decisão em consequência da anulação do acto que o próprio praticou, pois pretende beneficiar, em claro abuso de direito, do facto de o STA ter anulado a primeira deliberação com fundamento no facto de terem sido considerados provados factos que o não foram, para emitir nova decisão sancionatória.

T. Ao violar os limites impostos pelo caso julgado, a deliberação do plenário do Conselho Superior do Ministério Público é ainda inválida, devendo ser considerada nula nos termos do artigo 133.°, n.° 2, alínea h) do CPA.

U. A causa da anulação do acto administrativo inicialmente praticado pelo Réu tem natureza material (tendo o Tribunal qualificado o vício subjacente como erro nos pressupostos de facto ou inexistência ou ilegalidade dos pressupostos relativos ao conteúdo ou ao objecto do acto administrativo), pelo que, atento o teor do vício determinante da sua anulabilidade, o acto administrativo objecto de anulação no âmbito do processo n.° 642/13 do STA, que veio a ser substituído pelo acto administrativo ora impugnado, não se configura como sendo um acto renovável (os actos que, esses sim, poderiam ser objecto de renovação).

V. Daqui resulta que a deliberação do Plenário do CSMP é inválida e ilegal por violação dos limites do caso julgado - na medida em que o Réu emitiu novo acto com idênticos vícios e conteúdo daquele que foi anteriormente anulado, W. E, por outro, reportando-se tal acto a uma situação jurídica e de facto com referência a um momento passado, pressupõe a aplicação de uma...

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