Acórdão nº 0437/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução20 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

“A…………, SA”, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja [«TAF/B»] a presente ação administrativa comum, sob forma ordinária, contra “MUNICÍPIO DE SINES” peticionando, pela motivação inserta na petição inicial, que o R. fosse condenado “a pagar à A. a quantia de 301.566,34 € …, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento …”.

1.2.

O «TAF/B», por sentença de 30.09.2014, julgou “extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que concerne às faturas referentes ao abastecimento de água para consumo humano” e “improcedente a … ação no que concerne à faturação reclamada pela prestação de serviços de receção, tratamento e rejeição de efluentes domésticos”.

1.3.

A A., inconformada, recorreu para o TCA Sul o qual, por acórdão de 26.11.2015, concedeu provimento ao recurso jurisdicional e revogou a decisão judicial do «TAF/B», julgando “procedente o pedido de condenação do réu Município a pagar à autora as quantias a que se referem as faturas identificadas em MM) a RR) do probatório, acrescidos dos juros de mora desde as respetivas datas de vencimento nos termos do artigo 3.º do DL n.º 73/99, nas sucessivas redações, à taxa em vigor em cada período”.

1.4.

Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o R., ora inconformado com o acórdão proferido pelo TCA Sul, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: “...

  1. O presente recurso de revista incide sobre o douto acórdão proferido pelo digníssimo Tribunal Central Administrativo Sul, através do qual decidiu revogar a douta sentença recorrida, por entender que as contrapartidas que o RECORRENTE tem direito e que se dão como provadas na douta sentença da primeira instância não têm correspondência ou interdependência funcional para a aplicação do disposto no art. 428.º do CC por referência ao disposto no art. 289.º e 290.º do CC e consequentemente condenou o R. no pagamento dos valores que constam das faturas referentes aos efluentes domésticos.

  2. Impõe a intervenção desse Venerando Tribunal, face ao flagrante erro de julgamento na aplicação do direito e deste aos factos, com o prejuízo daí decorrente para os interesses públicos e sociais relevantes, estando ainda em causa questões do foro ambiental e atinentes ainda ao saneamento básico, e bem ainda para dissipar dúvidas sobre a matéria de direito em apreço, bastante complexa, sobre o quadro legal que a regula, havendo utilidade prática na apreciação das questões suscitadas, tendo em vista uma boa administração da justiça e por ser necessária orientação jurídica esclarecedora desse Venerando Tribunal, nos termos do disposto no art. 150.º do CPTA.

  3. O tribunal «a quo» ao não admitir o documento junto aos autos pelo aqui RECORRENTE, com as Contra-Alegações que apresentou o qual veio na sequência do documento junto pela A. com o recurso que interpôs, efetuou uma errada interpretação do disposto no art. 426.º e 651.º do CPC e bem ainda violou o disposto no art. 3.º e 4.º do CPC, na medida em que admitiu o documento junto pela A. sob a denominação de «parecer técnico-científico» sendo que a leitura de tal documento mais não resulta que o seu autor pretender atacar os factos provados, assistindo, pois ao R. o direito de pela mesma via - parecer - rebater o referido documento.

  4. Pelo que, deve o douto acórdão ser revogado neste segmento e no que culminou com a condenação do R. em multa e consequentemente ser admitido o documento junto pelo R., e revogada a decisão de aplicação de multa.

  5. Existe contradição insanável entre os factos provados, os fundamentos e a própria decisão porquanto o tribunal «a quo» afirma ao longo do douto acórdão recorrido a existência «de prestação de serviços de resíduos sólidos urbanos» conforme resulta da transcrição efetuada nas Alegações quando o que se discute são efluentes domésticos por contraposição aos efluentes industriais sendo que estes últimos são tratados juntamente com os efluentes domésticos.

  6. Tal contradição tem como consequência a nulidade do douto acórdão, por violação do disposto no art. 5.º, n.º 3, 154.º, n.º 1, 607.º, n.º 3 e n.º 4, 609.º, n.º 1, art. 615.º, n.º 1 al. c), por referência ao disposto nos artigos 633.º, 666.º, todos do CPC - cfr. art. 202.º, art. 205.º ambos da CRP, OU sempre se estará perante um manifesto e grosseiro erro de julgamento por referência aos factos provados e a própria fundamentação e causa de pedir e pedido.

  7. Na verdade nos presentes autos não está causa qualquer questão atinente a resíduos sólidos urbanos, mas antes o que se discute são efluentes domésticos e o facto de tais efluentes domésticos consubstanciarem matéria-prima para a A. no processamento que a A. faz dos efluentes industriais que recebe diretamente do complexo industrial de Sines.

  8. O Tribunal «a quo» ao revogar a decisão de primeira instância fê-lo apenas e tão só por considerar que as contrapartidas que o R. tem direito, não tem «qualquer tipo de correspetividade ou interdependência funcional que são, estritamente necessárias, para a invocação da exceptio non adimpleti contractus» - o que só pode entender-se por o tribunal ter analisado o caso como se estivesse em causa serviços de recolha, transporte e valorização de resíduos sólidos urbanos o que, como resulta à evidência da ação bem como da sentença de primeira instância nada tem que ver com o objeto do litígio, porque o que se discute são efluentes domésticos.

  9. Por outro lado, a considerar-se que estão em causa relações contratuais como se considerou, sendo certo que se exige quer por força da lei quer por força do contrato de concessão celebrado entre a A. e o Estado, a redução a escrito do respetivo contrato, tendo a ação sido estruturada com base no enriquecimento sem causa (art. 473.º e seguintes do CC), declarando-se a nulidade do contrato por força do disposto nas cláusulas 6.ª, 10.ª, 32.ª do Contrato de Concessão, art. 184.º, 185.º, art. 133.º todos do CPA, art. 14.º, n.º 1 al. c), art. 18.º, art. 284.º, n.º 2, art. 285.º, n.º 1 todos do CCP (DL n.º 18/2008), a aplicar-se o disposto no art. 289.º do CC, não menos certo é que não há lugar a qualquer restituição, porque a tal se opõe desde logo o princípio da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da tutela da confiança, do princípio da repartição dos benefícios, ínsitos nos arts. 2.º, 3.º, 12.º, n.º 2, 13.º, 20.º, 202.º da CRP, conjugados ainda com o disposto nos arts. 133.º, n.º 1 e n.º 2 al. d) e al. f), art. 134.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, 184.º, 185.º, n.º 3, 189.º, todos do CPA então vigente, art. 14.º, n.º 1, al. c) e art. 18.º, art. 96.º n.º 1, alíneas c), d), f), art. 97.º, art. 280.º, n.º 3, 284.º, n.º 2, 285.º, n.º 1, todos do CCP (aprovado pelo DL n.º 18/2008, de 29/01), art. 334.º do CC, e bem ainda por força do princípio da autonomia administrativa, financeira e patrimonial do Município de Sines consagrados nos arts. 111.º, n.º 2, 235.º, n.ºs 1 e 2, art. 238.º da CRP e art. 609º do CPC.

  10. Para que opere o art. 289.º do CC necessário se torna que a ação tenha sido estruturada com base no pressuposto de que a receção dos efluentes o foi no âmbito de um contrato válido, sendo que, no caso iudicio é manifesto que a A. estruturou a causa de pedir e o pedido apenas e tão só com base no instituto do enriquecimento sem causa porque bem sabia que ao não acordar com o R. a redução a escrito do contrato sempre estava em causa a nulidade, e não obstante usufrui dos efluentes domésticos que no caso concreto constituem matéria-prima para a A. e que daí retira e retirou todos os benefícios sem contudo remunerar o R. na proporção desses benefícios - cfr. … alíneas A), D), E), F), YY), ZZ), AAA) a DDD), NNN) a ZZZ) dos factos assentes; cfr. ainda fundamentação constante da douta sentença revogada pelo tribunal «a quo» e já supra transcrita.

  11. Donde a conduta da A. é ilegal e ilícita e viola o princípio da boa-fé que se impõe e impede assim qualquer restituição.

  12. A manutenção da decisão de que ora se recorre tem como consequência legitimar a A. a continuar a não acordar com o R. os termos da receção dos efluentes, impõe de forma unilateral um preço não acordado, através do qual a A. enriquece, e aumenta o empobrecimento do R. que para além de não receber qualquer contrapartida da A. pela matéria-prima que a mesma recebe, sem reservas, e em seu beneficio próprio, conforme resulta dos factos provados e fundamentação da douta sentença recorrida e revogada, vê-se confrontado com um prejuízo ainda maior porque não pode cobrar aos munícipes os valores em que o Tribunal Central Administrativo Sul está a condenar ao revogar como revogou a decisão da primeira instância bem como as demais sobre a mesma matéria. Impõe-se, desta forma um sacrifício intolerável pelo direito na esfera jurídica do R., pelo que, no caso concreto não há lugar a qualquer restituição, seja por força do princípio da boa-fé, do princípio da legalidade, da igualdade, da justiça, da proporcionalidade, da proibição de ingerência na autonomia administrativa, financeira e patrimonial do Recorrente.

  13. E, do probatório mencionado na supra alínea K) das presentes conclusões por confronto ainda com os fundamentos da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, resulta ainda que qualquer restituição nunca poderia ser pelo valor reclamado pela A., a qual, aliás apenas fez prova de que tem «algum custo com os efluentes domésticos».

  14. Como se elege na douta sentença de primeira instância o direito à compensação do R. resulta, designadamente, da soma (1) de todos os custos inerentes à reparação, manutenção e conservação da rede municipal de esgotos de Sines (2) com a ausência de contrapartida referente ao encaminhamento de tais efluentes para tratamento no sistema em alta concessionado à A. (vide...

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