Acórdão nº 0267/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução20 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

MUNICÍPIO DE SANTO TIRSO (MST); AGRUPAMENTO DE EMPRESAS REDE A……………-ENGENHARIA DE SERVIÇOS, S.A. e B……………-ENGENHARIA E SERVIÇOS, S.A. (AGRUPAMENTO REDE A………../B…………); e AGRUPAMENTO DE EMPRESAS ‘C………., S.A.’ e ‘D………….., S.A.’ (AGRUPAMENTO C…………/ D………..

), devidamente identificados nos autos, recorreram para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 30.11.16 (fls. 1311-1347), que acordou: “- Negar provimento ao recurso apresentado pela C…………..

- Conceder provimento aos presentes recursos jurisdicionais, no que respeita à exclusão da proposta do CIA com base no artigo 70.º n.º 2 alínea a) do CCP, e, em consequência, revogar nesta parte, a decisão recorrida.

- Negar provimento aos presentes recursos jurisdicionais, no demais e, em consequência, manter a decisão recorrida”.

A presente acção foi proposta inicialmente no TAF de Penafiel pela E…………….., S.A. (E……….), ora recorrida, contra o Município de Santo Tirso (MST), ora recorrente, tendo aquele tribunal proferido decisão pela qual julgou procedente a acção de contencioso pré-contratual intentada pela Autora, determinando, concomitantemente: i) a anulação do acto de adjudicação do concurso de ‘Prestação de serviços de resíduos urbanos e limpeza urbana no concelho de Santo Tirso’ ao ora recorrente AGRUPAMENTO REDE A…………/B………….

; e ii) a condenação da entidade demandada a elaborar novo relatório de avaliação das propostas com exclusão da proposta apresentada pela recorrente supra citada, por violação do disposto no artigo 70.º, n.º 2, als. a) e b) do Código dos Contratos Públicos (CCP), prosseguindo no mais, ou seja, retomando o procedimento de acordo com as circunstâncias concretas do caso e com o quadro legal aplicável.

1.1.

O recorrente MST apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (fls. 1397 e ss): “Da admissibilidade do Recurso de Revista 1. O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 30 de novembro de 2016, no âmbito do processo n.º 2037/15.6BEPNF, que concedeu, e bem, provimento parcial ao recurso interposto pelo Recorrente, designadamente no que respeita à exclusão da proposta da Contrainteressada por violação do artigo 70º, nº 2 alínea a) do CCP.

  1. Quanto ao demais, mal andou o Acórdão recorrido, ao ter negado provimento aos recursos que haviam sido interpostos, mantendo, em consequência, a decisão da primeira instância.

  2. Com efeito, pese embora a decisão do TCAN tenha restringido os vícios imputados à decisão de adjudicação à questão da violação artigo 70.º, n.º 2 alínea b) do CCP (para além da questão relativa ao preço anormalmente baixo) manteve a decisão de anulação do ato de adjudicação e a exclusão da proposta da Contrainteressada apenas e só por esta conter, na legenda de um mapa da sua proposta, a expressão "1x" quando o caderno de encargos impunha que a tarefa em causa (limpeza de arruamentos) fosse efetuada duas vezes por mês.

  3. Ora, sem prejuízo de o Recorrente não concordar com aquela decisão que se lhe afigura manifestamente desproporcional, na medida em que sempre considerou que se tratou de um mero lapso de escrita, face aos estritos fundamentos constantes do artigo 150.º do CPTA para a admissão de recurso de revista, poder-se-ia considerar que esta questão não preencheria, por si só, aqueles estritos requisitos.

  4. Nessa conformidade, o objeto do presente recurso incide, por isso, sobre a questão da anulação do contrato celebrado entre o Recorrente e a Contrainteressada, impondo, essencialmente, a densificação conceptual do artigo 283.º, n.º 4 do CCP, mediante a fixação do seu preciso conteúdo e alcance, de forma a auxiliar quer as instâncias inferiores quer as próprias entidades adjudicantes na consideração das circunstâncias que devem ser sopesadas na decisão de estender – ou não – o efeito anulatório de um procedimento pré-contratual ao próprio contrato, que esteja a ser executado de acordo com o previsto no caderno de encargos.

  5. Esta é uma questão discutível e discutida – tanto mais que existiram já pronúncias jurisprudenciais (e de Tribunais superiores) antagónicas com o Acórdão recorrido – e que carece, por essa mesma razão, de uma definição orientadora pelo mais elevado Tribunal da jurisdição administrativa, o que demonstra a absoluta relevância da questão, em especial na aplicação e concretização do direito da contratação pública.

  6. Isto posto, cumpre referir que o tempo decorrido é sempre relevante para efeitos de aferição da proporcionalidade da eventual contaminação do contrato pelo vício detetado em fase pré-contratual, pelo que se afigura relevante – muito relevante, aliás – que este Colendo Tribunal intervenha, esclarecendo os operadores judiciários quanto ao cotejo do fator tempo com o tipo contratual em causa e respetivas prestações, na medida em que, como se demonstrou ao longo do presente recurso, o fator tempo não tem sempre o mesmo significado.

  7. Como decorre do Acórdão recorrido, as instâncias pronunciaram-se pela necessidade de exclusão da proposta da adjudicatária, considerando que da mesma resultava a violação de um aspeto de execução do contrato não submetido à concorrência. Ora, mesmo que se considerasse (num formalismo radical) que o concorrente fez constar da sua proposta um termo ou condição violador de um aspeto de execução do contrato não submetido à concorrência, a verdade é que a celebração do contrato sem aquele termo e a sua execução nos precisos termos que constam do caderno de encargos é um fator relevante para efeitos de aferição da extensão do efeito anulatório ao próprio contrato.

  8. Na verdade, tal como é hoje claro que há aspetos da fase pré-contratual que se repercutem no contrato, também se deverá reconhecer a possibilidade de haver aspetos ligados à celebração e execução do contrato que se repercutam sobre esses vícios do procedimento, sanando-os ou degradando-os de modo a evitar a anulação do contrato por desproporcionalidade. Com efeito, se a anulação do contrato em função de vícios pré-contratuais é uma refração clara da fase pré-contratual no próprio contrato, também se deverá equacionar se a celebração e execução do contrato sem o vício pré-contratual que teria inquinado aquele ato não deverá sanar o vício em causa ou, pelo menos, justificar o afastamento do efeito anulatório desse mesmo contrato, degradando o vício procedimental e afastando o efeito anulatório do contrato, ao abrigo do princípio do aproveitamento dos atos e até do princípio da boa-fé.

  9. O sentido da pronúncia deste Supremo Tribunal terá, assim, uma indiscutível relevância jurídica, pois esclarecerá os restantes tribunais quanto ao correto entendimento que deverão sufragar relativamente ao critério temporal, bem como quanto à relevância que deverá ser dada ao facto de o concreto contrato ter sido celebrado e estar a ser executado sem o vício que, pretensamente, poderia ter inquinado o procedimento pré-contratual.

  10. Por outro lado, é clara a relevância social fundamental desta questão, na medida em que a mesma extravasa, por completo, os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio, já que potencialmente aplicável a todos os casos em que um Tribunal se veja confrontado com a procedência de uma ação de contencioso pré-contratual e, consequentemente, com a questão de saber se o próprio contrato deverá ser anulado.

  11. Conforme se viu, a admissão do presente Recurso de Revista é, com semelhante clareza, igualmente necessária para uma melhor aplicação do direito, em particular na área do direito dos contratos públicos.

  12. Acresce que, tendo o próprio Tribunal de recurso considerado que um (ou mais) dos vícios assacados ao ato de adjudicação deveria ser julgado improcedente, concedendo parcial provimento ao recurso interposto (como sucedeu no caso concreto), impunha-se que efetuasse uma nova ponderação de per si sobre a proporcionalidade da manutenção do efeito anulatório porquanto, se assim não o fizer, estará a ter em consideração vícios que, afinal, vieram a ser considerados improcedentes.

  13. Acresce que, dos três critérios elegidos pelo legislador para fundamentar o afastamento do efeito anulatório do contrato, verdadeiramente apenas um seria aplicável ao caso. Donde, a decisão recorrida revela-se ostensivamente errada, na medida em que não teve em consideração que a inexistência de alterações subjetivas é um critério alternativo de afastamento do efeito anulatório, que não pode ser mobilizado para se concluir pela não verificação dos outros dois critérios alternativos, sob pena de apenas ser possível obter o afastamento do efeito anulatório quanto não exista potencialmente qualquer modificação subjetiva, o que significa transformar um critério alternativo em cumulativo.

  14. É, assim, claro que se encontram reunidas as condições necessárias à admissibilidade do presente recurso de revista, tal como previstas no artigo 150.º do CPTA e tal como a jurisprudência deste Colendo Tribunal se tem vindo a pronunciar.

    Do fundo da questão 1.

    O Tribunal a quo errou manifestamente ao proferir a decisão recorrida, sendo que a questão jurídica que, no caso, deverá ser objeto de escrutínio, é, no essencial, a de saber se, no caso concreto, deverá ser afastado o efeito anulatório do contrato, nos termos do artigo 283.º, n.º 4 do CCP.

  15. De acordo com o referido preceito, deverão ponderar-se os interesses públicos e privados em presença, bem como a gravidade da ofensa geradora do vício do ato procedimental, com vista a determinar se a contaminação do contrato é desproporcionada ou contrária à boa-fé. Ora, quando se demonstre (como foi aqui o caso, já que a proposta adjudicada foi a melhor proposta) que o vício não implicou uma modificação subjetiva no contrato (no sentido de que sem o vício o adjudicatário seria outro), nem uma alteração do seu conteúdo essencial, parece também ser de afastar o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT