Acórdão nº 0364/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução21 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – A Fazenda Pública vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, SGPS, melhor identificada nos autos, contra o acto de autoliquidação do IRC referente ao exercício de 2007.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por A……….., SGPS, S.A. do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2007, pretendendo a recorrente Fazenda Pública a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação improcedente.

II. O objecto do presente recurso prende-se com a análise a duas questões: a) a tempestividade da apresentação da reclamação graciosa por parte da agora recorrida; b) a invocada inconstitucionalidade formal da Circular 7/2004, de 30 de Março.

TEMPESTIVIDADE DA APRESENTAÇÃO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA III. O douto Tribunal a quo considerou tempestiva a reclamação graciosa apresentada em 01/06/2010 contra a autoliquidação referente à declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, de 2007, por sua vez apresentada em 30/05/2008.

IV. Para tanto, considerou como provada a factualidade, cujo acerto não se põe em causa, elencada nas páginas 16 a 18 da sentença, e para a qual se remete.

V. Ainda que a exceptio da intempestividade da apresentação da reclamação graciosa não tivesse sido suscitada em sede de contestação — e independentemente da posição assumida pela Fazenda Pública e/ou dos fundamentos por esta aduzidos — temos por assente que se trata de uma questão de conhecimento oficioso, em qualquer fase do processo, na medida em que a impugnação judicial apenas será tempestiva se a reclamação graciosa que a preceder também o for.

VI. Considerou o douto Tribunal a quo que a impugnante dispunha do prazo de 2 anos, a contar da entrega da declaração, para apresentar a aludida reclamação graciosa.

VII. O erro de julgamento de direito que aqui se imputa à douta sentença reside na consideração de que aquele prazo de 2 anos — peremptório e de natureza substantiva— foi respeitado por parte da aqui recorrida.

VIII. Com efeito, tendo a declaração sido apresentada em 30/05/2008, o prazo de 2 anos — ainda que se considere ter iniciado no dia seguinte (31/05/2008) — terminou às 24 horas do dia correspondente no ano de 2010, ou seja, no dia 31/05/2010 (segunda-feira) — cfr. artigo 279.º n.º 1 alínea c) do CC e artigo 20.º n.º 1 do CPPT.

IX. Constando da matéria de facto dada como provada (alínea D), com base nos documentos carreados para os autos (fls. 3 e 75 do PA), que a reclamação graciosa foi apresentada no dia 01/06/2010, não foi dado cumprimento àquele mesmo prazo, pelo que a mesma só poderia ter sido considerado pelo douto Tribunal a quo como intempestiva, X. Não sendo aplicável o disposto no então artigo 144.º do CPC (actual 138.º), na medida em que tal normativo apenas se aplica aos prazos adjectivos previstos no n.º 2 do artigo 20.º do CPPT.

XI. Sendo aquele prazo de natureza substantiva, de caducidade, peremptório e de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo, uma vez que estão em causa direitos indisponíveis da Fazenda Pública, consubstancia uma excepção dilatória, de tipo impeditivo do exercício do respectivo direito de acção, conducente à absolvição da instância por parte da Fazenda Pública.

XII. Por conseguinte, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito e violou, por erro de aplicação e de interpretação, o disposto no n.º 1 do artigo 131.° e no n.º 1 do artigo 20.º, ambos do CPPT, bem como o disposto no artigos 576.° n.º 2, 577.° e 578.°, todos do Código de Processo Civil, na alínea h) do n.º 1 do artigo 89.° do CPTA e alínea c) do n.º 1 do artigo 279.° do CC, aplicáveis aos autos ex vi alínea e) do art. 2° do CPPT, devendo assim, ser revogada, com as legais consequências.

INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA CIRCULAR 7/2004. DE 30 DE MARÇO.

XIII. O douto Tribunal acabou, ainda assim, por concluir pela imputação à Circular em causa de “vício de inconstitucionalidade formal, por violar os princípios da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República, consagrados nos artigos 103.º n°2 e 165.º n.º 1 alínea i) da CRP” (pág. 28 da sentença).

XIV. Assim, procuraremos demonstrar que: a) a Circular 7/2004 não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade e, b) ainda que assim não fosse, incumbiria ao douto Tribunal a quo apurar se a autoliquidação está ou não conforme o previsto no artigo 32.° do EBF para, assim, efectuar um juízo de legalidade ou ilegalidade de tal acto.

XV. Ora, o douto Tribunal a quo parte da seguinte premissa “o artigo 32.° [do EBF] não dispõe quanto à forma como se devem concretizar os encargos financeiros associados a aquisições de participações sociais”, pelo que “a Circular 7/2004, de 30 de Março veio estabelecer, no seu ponto 7, um método que permite a afectação dos passivos aos diferentes activos das SGPS’s” o que colide com os “princípios da legalidade e reserva formal da Assembleia da República, consagrados nos artigos 103.º n.º2 e 165.º n°1 alínea i) da CRP”, os quais “estabelecem a regra de reserva de lei para a criação e determinação dos elementos essenciais dos impostos, não podendo os mesmos deixar de constar de diploma legislativo”.

XVI. Conclui o douto Tribunal que a Circular 7/2004, na medida em que introduz “uma métrica para quantificar os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, afecta a medida da tributação do contribuinte” e, consequentemente, acaba por desenvolver “o conteúdo da norma de incidência objectiva de IRC”, sendo, assim, “é formalmente inconstitucional, por não constar de diploma emanado da Assembleia da República, em matéria que se insere na reserva de lei formal da Assembleia da República” (pág. 25 da sentença).

XVII. Com o devido respeito que tal decisão nos merece, não podemos perfilhar o entendimento agora sintetizado.

XVIII. Entre os princípios consagrados na denominada “Constituição Fiscal” avulta o princípio da legalidade (n.º 2 do artigo 103.º da CRP).

XIX. O douto Tribunal recorrido considerou que a Administração desenvolveu o conteúdo da norma de incidência objectiva de IRC e, como tal, realiza uma “ilegítima regulação da incidência do imposto”.

XX. Impõe-se, portanto, saber se a Administração extravasou as suas competências ou se, face à indeterminação legal do artigo 32.º n.º 2 do EBF, se limitou a concretizar aquela norma, de molde a diminuir o grau de incerteza no que se refere à aplicação daquele regime.

XXI. É certo que o legislador, ao elaborar o texto do artigo 32.º do EBF, não definiu qualquer método de afectação dos encargos financeiros — no entanto, tal indeterminação legal não preclude a possibilidade de a Administração emanar orientações genéricas como a que se pôs em crise nos presentes autos.

XXII. É que “a administração fiscal tem uma tarefa de conformação das situações da vida em concreto, através de uma margem de livre apreciação, nomeadamente quanto à determinação e quantificação da matéria tributável”.

XXIII. Não obsta a este entendimento a invocação de que o princípio da legalidade conduz a que a incidência do imposto em causa (IRC) tenha de ser determinada pelo poder legislativo, pois o invocado artigo 165.º n.º 1 alínea i) da CRP não significa que exista uma reserva absoluta de lei formal que exclua uma margem de livre apreciação na aplicação da lei por circular ou por acto administrativo.

XXIV. Na verdade, a interpretação que a Administração realize ou venha a realizar “não tem força de lei, não adquire o carácter de vinculatividade próprio das normas legais, não é interpretação autêntica e, por isso, a sua legalidade pode ser sempre questionada”.

XXV. Isto é, a actuação da Administração (a emanação daquela orientação genérica) não tem, nem pretende ter, força de lei.

XXVI. Por conseguinte, a AT, ao interpretar e aplicar aquela norma, tendo observado os critérios de interpretação das normas fiscais, bem como todo o bloco de legalidade, realizou uma “interpretação defensável”, pelo que deve ser reconhecida àquela uma margem de livre apreciação, que nada tem quer ver com o exercício de qualquer poder legislativo.

XXVII. Refira-se ainda que, sendo as circulares uma das modalidades de tipificação administrativa, são inegáveis as suas vantagens no ordenamento fiscal, quer para a administração, quer para os administrados.

XXVIII. Como subsídio argumentativo, diga-se que “se a lei fiscal é indeterminada, se os seus pressupostos e conteúdo não são formulados de modo suficientemente claro, de tal forma que o sujeito passivo não reconhece, imediatamente, a partir dela, a sua situação jurídica, não podendo assim orientar a sua conduta por ela, então há lugar importante para os regulamentos ou circulares tipificantes”.

ADEMAIS, XXIX. Não sendo a Circular 7/2004 inconstitucional (ou ainda que o fosse), cremos que incumbiria ao douto Tribunal a quo, para que pudesse considerar a impugnação procedente, aferir da adequação da interpretação tipificada em tal Circular com o regime do artigo 32.º do EBF.

XXX. A via mais acertada a ser seguida pelo douto Tribunal a quo consistiria em pôr em confronto a previsão e a estatuição do artigo 32.º do EBF (mormente o seu n.º 2) com a interpretação vertida na Circular 7/2004 e, se esta interpretação se revelasse contrária àquela norma, então a liquidação realizada com base em tal interpretação seria de anular.

XXXI. No entanto, como vimos, a AT, em estrita observância dos critérios de interpretação das normas fiscais, apresentou — de entre as várias soluções possíveis — uma “interpretação defensável”, pelo que XXXII. Caberia ao contribuinte decidir, de forma livre, se seguiria ou não tal solução e, não...

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