Acórdão nº 0217/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelARAG
Data da Resolução11 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAF de Coimbra) datada de 30 de Novembro de 2016, que, julgou procedente a oposição deduzida por A………...

, na qualidade de devedor subsidiário no processo de execução fiscal nº 3050200501075519, instaurado originariamente contra a sociedade B………III - …….. Lda, para o pagamento de dívida de IRC do ano de 2002.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue: 1- A Mma. Juiz do Tribunal "a quo" julgou procedente a oposição à reversão contra o oponente levada a cabo pelo Serviço de Finanças de Coimbra 2, na qualidade de devedor subsidiário, no Processo de execução fiscal n.º 3050200501075519, instaurado originariamente contra a sociedade B……..III - ………, LDA., para cobrança coerciva de dívida de IRC do ano de 2002 no valor de € 22.259,65 (vinte e dois mil duzentos e cinquenta e nove euros e sessenta e cinco cêntimos).

2- Considerou a Mma. Juiz, que no caso ocorreu falta de notificação da nota de cobrança decorrente da liquidação impugnada, à sociedade devedora originária, determinando a extinção da execução fiscal, com os seguintes fundamentos: "O Oponente alega, ainda genericamente, que a dívida sob cobrança coerciva não lhe é exigível porque a liquidação do imposto não foi validamente notificada à sociedade devedora originária, o que cumpre apreciar.

A caducidade constitui uma garantia dos contribuintes na medida em que limita no tempo o poder da Administração Tributária liquidar impostos (e outras prestações tributárias), contribuindo assim para uma maior segurança e certeza jurídicas. Nos termos do n.º 1 do artigo 45.º da LGT “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro." No que respeita ao IRC o legislador não estabeleceu qualquer prazo especial, pelo que é aplicável o referido prazo geral de quatro anos.

Uma vez que o IRC é um imposto periódico o prazo de caducidade conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (cfr. n.º 4 do artigo 45.º da LGT).

No caso em apreço o IRC reporta-se ao exercício de 2002, pelo que o termo inicial do prazo de caducidade ocorreu, em 31.12.2002.

Do probatório resulta que em 24.08.2005 foi assinado o aviso de recepção dirigido à sociedade B……..III - ……., Lda. referente ao envio da demonstração de liquidação do IRC de 2002, sem documento de cobrança (cfr. pontos 12 e 13 do probatório, não tendo resultado provado que este último documento lhe tenha sido notificado (cfr. alínea A) da matéria de facto não provada).

Ora, a liquidação sem documento de cobrança não contém a indicação do prazo de cobrança voluntário, nem o valor exacto a pagar, pelo que não foi levado ao conhecimento da sociedade devedora originária o valor de imposto e o respectivo prazo limite de pagamento.

Assim sendo o thema decidendum não está no facto de a liquidação não ter sido validamente efectuada dentro do prazo de caducidade, mas no facto de no referido prazo, não ter ocorrido a notificação do imposto a pagar ou do prazo para o respectivo pagamento.

Embora a liquidação de IRC do ano de 2002 tenha sido notificada à sociedade devedora originária quando o respectivo prazo de caducidade ainda estava em curso, não lhe foi notificado o montante exacto a pagar (o qual só foi apurado após a compensação) nem o prazo para proceder ao pagamento voluntário do imposto, circunstância que torna a notificação do acto de liquidação ineficaz (...) Então o imposto não poderia ser coercivamente exigido pois o responsável originário pelo seu pagamento não incorreu em mora, o que obsta à instauração da execução fiscal (cfr. n.º 1 do artigo 88.º do CPPT)." 3- Com todo o respeito pela douta decisão “a quo" e reconhecendo a profunda análise efectuada pela Mma. Juiz, entende esta Representação da Fazenda existir excesso de pronúncia, quanto à questão da notificação da liquidação/nota de cobrança de IRC à devedora originária.

4- Com efeito, e como a própria Mma. Juiz reconhece na douta sentença, o Oponente invoca apenas que desconhece se a liquidação foi notificada à devedora originária, ora da utilização desta expressão, não é possível concluir que está a invocar genericamente que não foi feita a notificação (ou desconhece ou sabe que não o foi).

5- Não existindo um litígio a ser conhecido pelo tribunal, quanto a esta questão específica, como defendeu esta Representação em sede da contestação, todo o esforço no sentido de demonstrar uma questão que não está em discussão é, com todo o respeito, um excesso de pronúncia por parte do Tribunal “a quo" que ultrapassa o princípio do dispositivo, a que o mesmo deve estar vinculado (art. 11º, n.º 1 do CPPT).

Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua pelo excesso de pronúncia da douta sentença recorrida, quando concluiu pela não notificação da nota de cobrança de IRC de 2002, mantendo-se a reversão da dívida exequenda, levada a cabo contra o Oponente pelo Serviço de Finanças de Coimbra-2.

Contra-alegou o recorrido tendo concluído:

  1. O ora recorrido alegou: "O oponente desconhece se as liquidações ora revertidas foram ou não notificadas à originária executada; Sendo certo que as mesmas devem ser efectuadas por carta registada com A/R; Inexistindo as competentes notificações as dívidas são inexigíveis". Como facilmente se percebe a causa de pedir alegada foi a da não notificação das liquidações revertidas, devendo a alegação ser lida em bloco e não de forma sectária como a recorrente pretende.

  2. Foi apresentado o requerimento de fls. 100 e segs. a solicitar que fosse julgada improcedente tal excepção ou a entender-se por alguma obscuridade, ser o ora recorrido notificado para suprir a existência da deficiência alegada, sendo que notificada a Fazenda Pública nada disse.

  3. Acresce que na sequência do parecer do EMMP, a fls. 212, foi solicitada a notificação da FP para junção dos documentos comprovativos da notificação das liquidações à devedora originária, verificando-se também que para aquele ilustre magistrado a questão em causa era a de saber se tinha ocorrido ou não a notificação das liquidações revertidas.

  4. Assim sendo, não se concede que o Tribunal a quo tenha incorrido em excesso de pronúncia ao conhecer de questão que lhe estava vedada, sendo completamente despropositada a alegação de que nunca se colocou em causa a notificação da nota de cobrança, pois que esta necessariamente tem que integrar o conteúdo dos actos de liquidação a notificar ao contribuinte.

  5. E sendo este o único fundamento do recurso apresentado pela Fazenda Pública tem o mesmo que ser julgado improcedente.

  6. O despacho do chefe de finanças não se pronuncia e omite a análise da prova apresentada pelo responsável subsidiário, não precisando sequer porque dispensou a inquirição das testemunhas, o que determina uma preterição de formalidade legal que inquina a decisão.

  7. Será que se pode afirmar com segurança que inquiridas que fossem as testemunhas, a decisão administrativa não poderia ser outra que não aquela que foi? h) Com o devido respeito, parece-nos que não, sendo que não existe juízo de prognose que possa ser feito no sentido de se considerar que os depoimentos das testemunhas então arroladas conduzissem a AT à mesma decisão, acrescendo que já no decurso do processo judicial o recorrido viu-se na necessidade de proceder à substituição de duas daquelas, pelo facto de ter perdido o contacto pessoal e profissional.

  8. Não basta a AT afirmar que "os argumentos invocados pelo revertido não justificam a alteração da decisão administrativa nem a audição das testemunhas arroladas", sem se explicar porquê, sendo ilegal a interpretação que o Tribunal para sufragar a posição daquela em clara violação do princípio da separação de poderes entre os tribunais e o executivo ou a administração, consagrado como princípio estruturante do sistema de poderes no artigo 111.º da Constituição.

  9. Em parte alguma da notificação efectuada a fls. 100 e segs. consta a transmissão do conteúdo do auto de notícia, sendo que o mesmo apenas aparece no processo de Execução apenso a fls. 240 e segs., já depois de efectuada a reversão, bastando para o efeito verificar que da citação tal elemento também não consta e, assim sendo, temos que concluir que aquando da notificação para o exercício do direito de audição prévia não foram fornecidos todos os elementos necessários para o oponente se pronunciar, sendo manifestamente insuficiente afirmar a sua existência no processo individual da empresa B……..III na Direcção de Finanças de Coimbra porque o oponente é pessoa distinta daquela sociedade e bem assim não se prova que o mesmo tivesse daquele conhecimento; é falso que a cópia se encontrasse junta aos autos pela razão supra, esclarecendo-se que qualquer consulta que pudesse ser feita ao processo executivo resultaria face ao exposto, inócua.

  10. O Tribunal não está vinculado à qualificação jurídica efectuada pelo recorrente como questão prévia no articulado nela referido.

    I) A questão qualificada juridicamente como "questão prévia" consubstancia um fundamento de ilegalidade substantiva que foi alegada como causa de pedir da ilegalidade da reversão da dívida da originária devedora contra o oponente.

  11. Mesmo admitindo alguma imprecisão da alegação, o juiz não pode deixar de considerar, na resolução da questão jurídica, "os factos instrumentais e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar" (art.º 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC), e a Fazenda Pública pronunciou-se sobre os mesmos.

    n)Tal posição axiológica ilumina, de resto, outros momentos do processo como sejam o da incumbência ao...

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