Acórdão nº 0666/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelASCENS
Data da Resolução11 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1 - RELATÓRIO A……………….. e B…….., melhor identificados nos autos, vieram deduzir a presente impugnação judicial contra a liquidação de IRS de 2010, no montante de € 76.472,89.

Por sentença de 26 de Fevereiro de 2015, veio o Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgar procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação impugnada.

Inconformada com o assim decidido, veio a Fazenda Pública interpor o presente recurso com as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões: «A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2010, com o n° 2011 5004663521, no montante de € 76.472,89, o qual se circunscreve à questão de direito da legalidade da tributação de IRS das mais-valias resultantes da alienação onerosa de acções, detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, efectuada antes do início da vigência da Lei n° 15/2010, de 26 de Julho, relativamente às acções da impugnante B……………., NIF …………..

  1. Considerou o Tribunal a quo, procedente a impugnação, por entender que, o facto tributário consistiu na venda, ou seja a alienação onerosa, das acções da sociedade C……………, SA, que ocorreu no dia 7 de Julho de 2010, portanto, antes da entrada em vigor da nova lei, o que significa (...), que a lei nova não pode ser aplicada ao caso em apreço, sob pena de violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal”.

  2. Os impugnantes deduziram a presente impugnação na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa n° 3182201204000439 contra a referida liquidação de IRS de 2010, por despacho de 25/06/2012.

  3. Conforme fixado no probatório, em 07-07-2010, a impugnante alienou onerosamente acções por si detidas há mais de 12 meses, sendo a operação sujeita, em sede de IRS, à tributação autónoma, em resultado da conjugação dos artigos 10°,/1-b), 43°/3 e 72°/4, todos do CIRS, na redacção atribuída pela Lei 15/2010, de 26 de Julho.

  4. Na liquidação em causa, não foi considerado o disposto no n°2 do art. 10° do CIRS, face à respectiva revogação operada pelo art. 2° da Lei 15/2010, de 26/7, o mesmo diploma que introduziu um regime de tributação das mais-valias mobiliárias à taxa de 20% com regime de isenção para os pequenos investidores, alterando, em consonância o CIRS e o Estatuto dos Benefícios Fiscais.

  5. O novo regime legal procedeu à revogação da anterior exclusão de tributação aplicável às mais-valias provenientes da alienação de acções detidas durante mais de 12 meses (assim como de obrigações e outros títulos de dívida), estabelecendo a sua tributação, mediante a aplicação de uma taxa de 20%, do saldo positivo entre as referidas mais e menos-valias, desde que o mesmo se revelasse superior a €500.

  6. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto, considera que, sendo também certo que o legislador fiscal não consagrou um regime transitório na Lei em causa entrada em vigor em 27-07-2010, o qual teria a virtualidade de resolver a matéria aqui controvertida, a liquidação posta em crise não padece dos vícios de ilegalidade e violação da lei que lhe vêm imputados pela mui douta sentença sob recurso.

  7. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) comporta várias categorias de rendimentos que correspondem a diferentes fontes ou origens do rendimento, sendo esta divisão em categorias, aconselhada pela diversidade dos regimes de tributação, especialmente no campo da determinação do rendimento e dos métodos de percepção do imposto, que não prejudica o tratamento unitário da matéria colectável, reflectido basicamente na aplicação de uma única tabela de taxas progressivas.

    I. Assim se procura harmonizar a concepção da tributação pessoal, própria do sistema unitário, com a atenção que não pode deixar de prestar-se às particularidades relevantes das diferentes categorias de rendimentos, sendo inevitável, independentemente da unicidade tributária destacar que assenta em factos tributários de formação sucessiva, sendo que o facto tributário sujeito a este imposto só está completo no último dia do período de tributação.

  8. Trata-se de um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si antes visa realizar a tributação global do rendimento, com o englobamento de todos os rendimentos recebidos no determinado ano, o que significa que só no final do ano, in casu, de 2010, se pode apurar a taxa do imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere (cfr. art. 22°, n° 1 do CIRS).

  9. Aliás, as normas relativas à caducidade e à prescrição apontam igualmente no sentido do carácter anual do imposto, ou seja, para efeitos de caducidade do direito à liquidação e de prescrição, cada facto gerador de rendimento individualmente considerado não é, por si só, considerado um facto tributário autónomo.

    L. Implica esta disposição legal a tributação do saldo entre as mais valias e menos valias, revogando a anterior exclusão de tributação das mais valias provenientes da alienação das obrigações e outros títulos de dívida e, bem assim, de acções detidas durante mais de doze meses.

  10. Isto é, releva aqui o saldo positivo entre mais e menos valias apurado com referência a 31 de Dezembro de cada ano, pelo que a aplicação da nova Lei a mais valias apuradas em alienações onerosas ocorridas entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro, não colidirá com o princípio da não retroactividade da lei fiscal.

  11. Pese embora o facto tributário, complexo e de formação sucessiva, se iniciar a partir de 1 de Janeiro, só se verifica, plenamente, no final do ano o que, formalmente, não consubstancia uma retroactividade, mas sim, mera retrospectividade expectativas que a Constituição não tutela, ao nível da proibição da retroactividade, por não haver direito à imutabilidade da Lei fiscal.

  12. À semelhança da situação referida no Acórdão n.º 399/2010, Processo n.º 523 e 524/10 do Tribunal Constitucional, em que se acorda que o facto tributário consubstanciado na alienação efectuada entre 1 de Janeiro de 2010 e 26 de Julho de 2010, de acções detidas há mais de 1 ano, não ficou completo no momento da referida venda, sendo sujeito a tributação no final do ano fiscal em curso, não são as mais valias realizadas individualmente em cada uma dessas operações, mas o saldo positivo verificado, no final do ano fiscal, no caso em 2010, entre as mais valias e as menos valias realizadas durante esse mesmo ano.

  13. As alterações produzidas pela Lei 15/2010 só produzirão efeitos relevantes quando se proceder ao apuramento do rendimento colectável da totalidade dos rendimentos auferidos durante o ano de 2010, ainda que percebidos em momento anterior ao da entrada em vigor da lei.

  14. Vale isto por dizer, que o facto tributário que esta lei pretende regular na sua totalidade -, não ocorreu totalmente ao abrigo da lei antiga, antes se continua formando na vigência da lei nova e, tendo em conta que o imposto sobre o rendimento é qualificável como um imposto periódico, o período de tributação só se estabiliza no fim do ano fiscal, em 31 de Dezembro de cada ano, estando, pois, afastada a retroactividade.

  15. Ou seja, para a situação como a aqui em apreço, é referida uma retrospectividade ou retroactividade imprópria, não podendo esta ser reconduzida à figura da retroactividade própria, por não se projectar a lei nova em factos já consolidados no momento da sua entrada em vigor.

  16. Na mais recente jurisprudência em matéria fiscal o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 128/2009, refere que a natureza necessariamente fluída dos critérios utilizados levou a que, em diversos arestos, o Tribunal viesse dar como boas leis fiscais retroactivas. Foi o que sucedeu, por exemplo, nos Acórdãos n.° 11/83 e 66/84 (este último em Acórdãos, 4.° Vol. p. 35) e ainda nos Acórdãos n.ºs 67/91, 1006/96, 1204/96 e 416/02 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

  17. Noutros casos, ao invés, o Tribunal Constitucional entendeu que, por inexistirem razões de interesse público que prevalecessem sobre o valor da segurança jurídica, as normas retroactivas seriam intoleráveis e, consequentemente, constitucionalmente ilegítimas (Cfr., por exemplo, os Acórdão ns.° 409/89, 216/90, 410/95 e 185/2000, também disponíveis no mesmo lugar).”, U. E como no acórdão n.° 85/2010, considerou que a retroactividade consagrada no artigo 103°, n.° 3, CRP é somente a autêntica, resultando por isso que a “retroactividade inautêntica” não é proibida pelo artigo 103.º n.° 3, da CRP, pelo que, resulta claro que, em situações em tudo similares a esta, o Tribunal Constitucional considera que não há retroactividade autêntica ou própria (neste sentido, o citado Acórdão n.° 399/2010, Processo n.° 523 e 524/10, do Tribunal Constitucional).

    V. A motivação da Lei 15/2010, de 26 de Julho, surge na sequência do Programa do Governo com a promoção da aproximação do regime da tributação das mais valias mobiliárias ao que é praticado na generalidade dos países da OCDE e, bem assim, do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para o triénio 2010-2013, onde se refere a tributação das mais valias como medida para a repartição justa e igualitária do esforço de recuperação da economia e de consolidação das contas públicas.

  18. Entende a Fazenda Pública que, o facto tributário em IRS verifica-se no último dia do período de tributação (ano civil) pelo que, in casu, não ocorreu totalmente ao abrigo da lei antiga antes continua a formar-se já na vigência da nova lei, impondo apurar o saldo entre as mais-valias e menos-valias geradas no período de tributação, numa interpretação teleológica, axiológica e sistemática das normas do CIRS, ao referir expressamente o legislador, que a tributação se verifica sobre o saldo anual.

    X. O facto tributário não é assim a mais-valia isoladamente considerada, o acto da alienação, mas tem de ser tido como de formação sucessiva impondo o apuramento de um saldo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT