Acórdão nº 0586/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Janeiro de 2017
Magistrado Responsável | ASCENS |
Data da Resolução | 25 de Janeiro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
1 – RELATÓRIO A Autoridade Tributária e Aduaneira inconformada com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 684/2014-T, vem recorrer para o Pleno da secção do Supremo Tribunal Administrativo com fundamento em oposição de acórdãos nos termos estabelecidos no nº2 do artigo 25º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, por em seu entender esta decisão do CAAD estar em oposição com o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 07/05/2003 tirado no processo nº 01026/02.
Admitido o recurso por despacho do relator a fls. 111, as partes vieram apresentar alegações tendentes a demonstrar a oposição entre os citados acórdãos.
A recorrente, Autoridade Tributária Aduaneira apresentou alegação tendente a demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões: «1. Vem o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência, interposto, nos termos do artigo 25.º do RJAT e do artigo 152.º do CPTA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 684/2014-T CAAD, que correu termos no Tribunal Arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), e que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral; 2. Com efeito, a decisão arbitral recorrida colide com o Acórdão, já transitado em julgado, do STA de 2003-05-07, no processo n.º 01026/02 (Acórdão Fundamento), encontrando-se irremediavelmente inquinado do ponto de vista jurídico, por errada interpretação do artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT), do artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do artigo 342.° do Código Civil (CC) e do artigo 19°, n.º 3 do Código do IVA; 3. Estando em ambos os acórdãos subjacente idêntica situação de facto, porquanto em ambas as decisões se está perante a não aceitação pela AT do exercício do direito à dedução de IVA com fundamento em simulação ao abrigo do disposto no artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA; 4. Bem como em idêntica situação de direito, porquanto em ambos os acórdãos encontra-se em causa a mesma hipótese normativa, isto é, a distribuição do ónus da prova em processo tributário, maxime em matéria de direito à dedução do IVA no caso de simulação, vertida nos termos do artigo 74.º da LGT, do artigo 100.º do CPPT, do artigo 342.º do CC e do artigo 19°, n.º 3 do Código do IVA 5. Verificando-se, in casu, uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, materializada nas regras de distribuição do ónus da prova em matéria de direito à dedução do IVA: saber se, na situação prevista no artigo 19.°, n.º 3 do Código do IVA, tendo a AT considerado simuladas as operações com base em indícios fundados, cabe então ao contribuinte no processo em que impugne a actuação da AT, a prova dos pressupostos de que depende o direito que pretende exercer (como decidido no acórdão fundamento), ou, se basta a verificação de uma situação de dúvida sobre a alegada natureza simulada das transacções a qual, sendo valorada a favor do contribuinte, determina a anulação das correcções promovidas pela AT (como pugnado na decisão recorrida); 6. Com efeito, o acórdão arbitral recorrido sufragou a interpretação de que «No mínimo, face à prova produzida, que aponta em sentido contrário ao afirmado pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos relatórios referidos, terá de se ficar numa situação de dúvida sobre a alegada natureza simulada das transacções, dúvida essa que, por força do disposto no artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29. °, n.º 1, alínea c), do RJA T, tem de ser valorada a favor da Requerente.».
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Sobre esta questão, pronuncia-se o Acórdão fundamento em sentido totalmente oposto, ao concluir que «Tendo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19º n° 3 do ClVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.»; 8. Demonstrada está uma evidente contradição entra a decisão recorrida e o Acórdão Fundamento (cf. conclusões supra), sobre a mesma questão fundamental de direito — a distribuição do ónus da prova em matéria de direito à dedução do IVA —, a qual importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e, consequentemente, anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo Acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida (n.º 6 do artigo 152.° do CPTA); 9. E, nesse pressuposto e observando a decisão judicial supra indicada, encontra-se justificado o recurso à presente via processual para uniformização de Jurisprudência, com a consequente anulação da decisão arbitral recorrida e a sua substituição por outra que mantenha as correcções promovidas pela AT sindicadas nos autos, considerando que tendo a AT considerado simuladas as operações com base em indícios fundados e obstado, ao abrigo do disposto no artigo 19°, n.º 3 do Código do IVA, ao exercício pela Recorrida do direito à dedução do IVA suportado nas facturas emitidas pelos fornecedores B……….., Lda. e C………………., Lda., não basta para anulação das correcções sub judice, que subsista uma situação de dúvida sobre a natureza das transacções, uma vez que nestas situações a prova está a cargo do contribuinte, bastando à AT convencer da existência de indícios sérios de simulação; 10. Com efeito, o Tribunal Arbitral a quo incorreu em erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que o Tribunal Arbitral adotou uma interpretação do artigo 74.º da LGT, do artigo 100.º do CPPT, do artigo 342.º do CC e do artigo 19°, n.º 3 do Código do IVA em patente desconformidade com o quadro jurídico vigente, exigindo a demonstração da simulação e estipulando que subsistindo uma situação de dúvida sobre a natureza das transacções, essa dúvida tem de ser valorada a favor do sujeito passivo de imposto, o que exige um grau de prova superior à AT e desonera o contribuinte da prova dos pressupostos do seu direito; 11.TaI como se retira dos autos, e nos termos das normas jurídicas indicadas, a Recorrente desenvolveu um trabalho de investigação e cruzamento de informação, tendo obtido elementos/evidências que afastam completamente a presunção de veracidade de que a contabilidade da Recorrida gozava, por haver indícios fundados de que a mesma não reflete exatamente a matéria tributável em sede de IVA, no que respeita à dedução daquele imposto, com fundamenta em faturas emitidas pela B……… e C……….., não sendo imperioso que efectuasse prova direta da simulação e da fraude, pois é suficiente o juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações que promoveu nos relatórios de inspeção tributária para, formalmente, suportar a sua atuação e o resultado desse juízo, no sentido de ter sido declarada uma dedução indevida; 12. Feita essa prova, competiria à Recorrida o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de deduzir o IVA das faturas em apreciação, o que não sucedeu, tendo o acórdão arbitral recorrido, concluído que face à prova produzida, no mínimo, «terá de se ficar numa situação de dúvida sobre a alegada natureza simulada das transacções, dúvida essa que, por força do disposto no artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29°, n.º 1, alínea c), do RJAT, tem de ser valorada a favor da Requerente.» 13. Ora, precisamente no sentido propugnado pela Recorrente se insere o Acórdão Fundamento que subjaz ao presente recurso, pelo que de modo algum poderia o Tribunal Arbitral a quo ter emitido decisão nos termos em que o fez, acima já descrita, ou seja, estipulando que subsistindo uma situação de dúvida sobre a natureza das transacções, essa dúvida tem de ser valorada a favor do sujeito passivo de imposto, o que exige um grau de prova superior à AT e desonera o contribuinte da prova dos pressupostos do seu direito; 14. Deveria ter, ao invés, considerado como no acórdão fundamento que, tendo a AT considerado simuladas as operações com base em indícios fundados e obstado ao exercício do direito à dedução do IVA constante das facturas, ao abrigo do disposto no artigo 19°, n.º 3 do Código do IVA, cabe então ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da AT, a prova dos pressupostos de que depende o direito que pretende exercer; 15. Pelo que, nestes termos se peticiona que seja anulada a decisão arbitral recorrida, substituindo-a por outra que mantenha as correcções promovidas pela AT sindicadas nos autos, considerando que, tendo a AT considerado simuladas as operações com base em indícios fundados e obstado, ao abrigo do disposto no artigo 19°, n.º 3 do Código do IVA, ao exercício pela Recorrida do direito à dedução do IVA suportado nas facturas emitidas pelos fornecedores B……….., Lda. e C…………………, Lda., não basta para anulação das correcções sub judice, que subsista uma situação de dúvida sobre a natureza das transacções, uma vez que nestas situações a prova está a cargo do contribuinte, bastando à AT convencer da existência de indícios sérios de simulação.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados, revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.» A entidade recorrida, veio apresentar as suas contra alegações de recurso com o seguinte quadro conclusivo: «01. Ao contrário do afirmado pela AT, não só não existe contradição entre as duas decisões, como ainda o Acórdão recorrido não merece qualquer censura — desde logo por estar de acordo com a jurisprudência desse mesmo Acórdão...
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