Acórdão nº 01660/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução08 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de recurso da decisão de aplicação de coima com o n.º 365/14.7BEBJA 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo do despacho, proferido ao abrigo do disposto no art. 64.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, julgando procedente o recurso judicial interposto por A……….., revogou a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima por «falta de apresentação da declaração de substituição modelo 3 de IRS, 2.ª fase, relativa ao exercício de 2011».

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que sintetizou nas seguintes conclusões: «A. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), constituem rendimentos de mais valias os ganhos obtidos que, não sendo rendimentos empresariais e profissionais, de capitais e prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis; B. Determina o artigo 57.º, n.º 1, do CIRS, que os sujeitos passivos devem apresentar anualmente uma declaração de modelo oficial, relativa ao rendimentos do ano anterior, devendo ser-lhe juntos, nos termos da alínea a) da norma em referência, os anexos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo; C. As omissões ou inexactidões relativas à situação tributária, …, praticadas nas declarações, são puníveis com coima de € 375,00 a € 22.500,00, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e Aduaneiras; D. A declaração de insolvência e a separação de bens para a massa insolvente, não opera transmissão alguma de bens – os bens continuam a ser do insolvente, embora afectos ao pagamento de um conjunto específico de dívidas; E. Com a separação patrimonial dos bens e a sua afectação à massa insolvente não passam a existir duas pessoas distintas e o acréscimo patrimonial resultante da alienação do bem imóvel, consubstanciado na diferença entre o valor de aquisição e o valor de alienação, beneficia o insolvente, através da diminuição do seu passivo; F. Conforme dispõe o n.º 4 do artigo 81.º do CIRE, “O administrador de insolvência assume a representação (sublinhado nosso) do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência”; G. O insolvente, pessoa singular, sujeito passivo de IRS, continua obrigado ao cumprimento das suas obrigações tributárias, nomeadamente ao cumprimento das obrigações declarativas, para efeitos de apuramento de rendimento tributável em sede de IRS; H. Da alienação do imóvel pelo administrador da massa insolvente, agindo enquanto representante do devedor, resultou objectivamente um rendimento, cujo titular é o insolvente; Como tal encontrava-se sujeito à obrigação declarativa, resultante do disposto no artigo 57.º do CIRS; I. Se apesar de notificado para o efeito, nomeadamente para corrigir a declaração de rendimentos anteriormente entregue, em que omitiu a alienação do imóvel, não o fez, incorreu na infracção tributária prevista e punida nos termos do artigo 119.º do RGIT, J. De onde, fez errada aplicação do direito o douto Tribunal “a quo” quando considerou que, da alienação do imóvel, não havia resultado a percepção de qualquer rendimento por parte do insolvente, que lhe impusesse o cumprimento da obrigação declarativa constante do processo contra-ordenacional, Termos em que, sempre com o devido respeito, entende esta Representação que deve ser revogada a sentença propalada e substituída por acórdão que, considerando que da alienação de um bem imóvel integrante da massa insolvente, resulta para o insolvente a obtenção de um rendimento sujeito a tributação em sede de IRS, na categoria G (Mais Valias) e a imposição do cumprimento da obrigação declarativa prevista no artigo 57.º do CIRS, mantendo na ordem jurídica a coima contra a qual o insolvente deduziu recurso».

1.3 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja e o Recorrente contra-alegaram o recurso.

1.4.1 O primeiro sustentou a manutenção do decidido, mas com uma fundamentação totalmente diversa da adoptada na sentença.

Em síntese, para a Procuradora da República, sendo certo que a venda de imóvel em insolvência pode gerar a obrigação de declaração de eventual mais-valias, a qual recairá sobre o insolvente, dos autos não resulta «que a alienação do imóvel tenha sido por valor superior àquele pelo qual tinha sido adquirido pelo insolvente e, desse modo, tenham existido mais-valias, geradoras de imposto e, em consequência, que deveria haver lugar à obrigação declarativa de rendimentos».

1.4.2 O Recorrente defendeu a manutenção do decidido em 1.ª instância. Mantém, em resumo, que o insolvente não pode ser tributado por um rendimento que não auferiu, uma vez que o prédio, à data da venda, já não se encontrava na sua esfera patrimonial, mas na da massa falida, que constitui um património autónomo destinado à satisfação dos credores na insolvência, sendo que da venda não resulta para o insolvente rendimento algum e, consequentemente, não lhe pode ser exigido que apresente a respectiva declaração, sendo, aliás, que se fossem devidas quaisquer mais-valias, as mesmas constituiriam sempre uma dívida da massa insolvente e não do próprio insolvente.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, depois de se pronunciar pela admissão do recurso ao abrigo do disposto no art. 73.º, n.º 2, do RGCO, suscitou como questão prévia a incompetência do Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia, tudo nos seguintes termos: «Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF de Beja de 16.09.2015 que concedeu provimento ao recurso da decisão de aplicação de coima, revogando a decisão recorrida.

O recurso foi interposto a coberto do art. 73.º, n.º 2 do RGCO, aprovado pelo DL 733/82, de 27 de Out. e, salvo melhor entendimento, tendo em conta a questão suscitada e a inexistência, que se saiba, de pronúncia directa deste STA sobre a matéria, entende-se que tem plena justificação que o recurso seja admitido, em vista da boa aplicação do direito e da formação de jurisprudência que possa servir de orientação para a resolução de casos futuros.

A sentença recorrida considerou inexistir a infracção contra-ordenacional em causa pelo facto do bem imóvel alienado já não se encontrar, na data em que foi alienado, na esfera patrimonial do arguido “mas antes num património autónomo constituído pelos bens que lhe foram apreendidos com a sua declaração de insolvência”, não lhe podendo ser exigida a apresentação de declaração de rendimentos.

Mas sem razão, salvo o devido respeito e melhor entendimento.

Com efeito, não obstante a integração do bem imóvel na “massa insolvente”, que é um património autónomo administrado pelo Administrador da Insolvência (AI) e não pelo próprio Insolvente, tal não o desonerava das obrigações declarativas que impendem sobre os sujeitos passivos em sede de IRS. É que, a declaração de insolvência não transfere a qualidade de sujeito passivo desse imposto para a massa insolvente ou para o AI, nem a titularidade dos bens se transfere com a mera declaração de insolvência. O insolvente, apesar da declaração de insolvência, continua a ser o sujeito passivo do imposto estando sujeito, como tal, às respectivas obrigações declarativas. Como bem refere o MP na Conclusão 7.ª da sua Alegação de Recurso, a fls. 59 a 62, “tratando-se o insolvente de uma pessoa singular, não fica a cargo do Administrador de Insolvência o cumprimento das suas obrigações tributárias, dado que o administrador não assume na insolvência de pessoas singulares a representação do insolvente nos mesmos termos em que o faz na insolvência das pessoas colectivas – insolvente/pessoa singular, apesar de impedido de onerar/vender os seus bens, deverá continuar a cumprir pessoalmente com as suas obrigações tributárias”.

Sucede que na motivação do recurso e nas respectivas Conclusões são alegados factos, dos quais a ora Recorrente pretende extrair consequências jurídicas, que não encontram qualquer expressão no elenco dos factos provados, constituindo jurisprudência deste STA que em tais situações e independentemente da relevância que esses factos venham a ter na decisão do processo, é de considerar que o recurso não se fundamenta exclusivamente em matéria de direito (Acs. de 20.06.2012 – P. 0532/12, de 07.11.2012 – P. 0832/12 e de 17-02-2016 – P. 01537/15).

Alega concretamente a Recorrente que da alienação do imóvel “resultou objectivamente um rendimento” (uma mais valia) que sujeitava o insolvente à obrigação declarativa do art. 57.º do CIRS, alegando ainda que o insolvente, “apesar de notificado para o efeito, nomeadamente para corrigir a declaração de rendimentos anteriormente entregue, em que omitiu a alienação do imóvel, não o fez, (...)” – Conclusões H e I.

Entende-se, neste contexto, na linha da jurisprudência citada, que o presente recurso não se fundamenta exclusivamente em matéria de direito, razão pela qual opera incompetência deste STA, sendo competente para dele conhecer o TCASul (art. 280.º n.º 1 CPPT e arts. 26.º al. b) e 38.º al. a) do ETAF)».

1.6 Notificados para, querendo, se pronunciarem sobre a questão, o Arguido e a Fazenda Pública nada disseram.

1.7 Cumpre apreciar e decidir, sendo as questões a considerar as i) da admissibilidade do presente recurso à luz do art. 73.º, n.º 2 do RGCO; na afirmativa, ii) da incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia (suscitada pelo Procurador-Geral Adjunto no parecer citado em 1.5); na negativa, iii) se o recurso...

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