Acórdão nº 01521/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução29 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A………… e B…………., com os demais sinais dos autos, dirigiram ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 25º do Dec. Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, recurso da decisão arbitral proferida no processo nº 200/2015-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que teve por objeto duas liquidações de Imposto Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) relativas à aquisição conjunta de uma fracção autónoma, nos montantes de 5.184,25 € e de 8.856,43 €.

Invocam, para o efeito, a oposição dessa decisão arbitral com o acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 30/05/2012, no recurso nº 0949/11, tendo rematado as alegações do recurso com as seguintes conclusões: 1ª A aquisição de um imóvel, ainda que isoladamente, na venda realizada no processo de insolvência na fase de liquidação da massa insolvente, não pode deixar de estar isento de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Bens Imóveis (IMT), ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 270º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

  1. Embora a redacção do preceito possa ser considerada ambígua, propiciando a interpretação de que tanto a “venda” como a “permuta”, conjuntamente com a “cessão”, estejam reportadas à empresa ou a estabelecimentos desta, tal interpretação deve ser postergada sob pena de se concluir que a ser assim, haveria uma tautologia inexplicável, pois a “cessão” da empresa (ou do estabelecimento) mais não é do que a sua “venda”.

  2. Assim, a única interpretação plausível do referido preceito é a que o entende como, reportando a isenção aos actos de venda e permuta dos próprios imóveis, incluindo os actos abrangidos pela cessão da empresa ou de estabelecimentos desta.

  3. Esta é também a interpretação para que aponta a interpretação histórica do preceito, pois que no correspondente preceito do CPEREF, que o CIRE substituiu, o artigo 121º isentava da sisa as transmissões de imóveis, integradas em qualquer providência, que decorressem «da autonomização jurídica de estabelecimentos comerciais ou industriais, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa», e no nº 49 do Preâmbulo do DL nº 132/93, de 23 de Abril, que aprovou o CIRE e revogou o CPEREF, se fez questão de frisar expressamente que se “mantêm, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais".

  4. Por outro lado, a interpretação de que a isenção está limitada à venda da “empresa ou estabelecimentos desta” choca com o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao Governo ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE, fixado nos artigos 2.º e seguintes da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, pois que, no que se refere às isenções de imposto municipal de sisa (hoje IMT), dispunha o nº 3 do artigo 9º daquela lei de autorização legislativa que: «Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: c) (...) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos (...)».

  5. Aliás, a concluir-se que o governo teria legislado de modo diverso da autorização legislativa quanto a benefícios fiscais previsto no CIRE, então não teria respeitado o sentido e extensão da autorização legislativa que lhe foi concedida, tendo legislado em matéria reservada à Assembleia da República (cfr. o nº 2 do artigo 103º e a alínea i) do nº 1 do artigo 165º da Constituição) em desrespeito da credencial parlamentar que lhe foi conferida — o preceito seria inconstitucional.

  6. E o certo é que, independentemente da questão da inconstitucionalidade da lei, no que respeita à mera interpretação da mesma, entre dois sentidos da lei, ambos com apoio - pelo menos mínimo - na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vicie de inconstitucionalidade.

  7. Acresce que, a interpretação do artigo 270º do CIRE no sentido de não isentar de IMT a venda pura e simples de um imóvel, praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente de uma sociedade, porque, alegadamente, não se trata de uma transmissão onerosa de bens que integram a universalidade de empresa ou estabelecimento vendido, permutados ou cedidos no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da massa insolvente, mas sim de uma transmissão onerosa de um bem imóvel, sem qualquer relação com uma empresa ou estabelecimento, tem subjacente a possibilidade de, num processo de insolvência de uma sociedade se poder proceder à liquidação da massa insolvente com venda de bens imóveis sem qualquer relação com essa empresa ou estabelecimento, identificando aí a ausência do requisito legal para que beneficie essa venda de um bem digamos que exterior à empresa — de isenção fiscal.

  8. Porém, a massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo e ainda aqueles cuja impenhorabilidade não seja absoluta e sejam voluntariamente apresentados pelo devedor – artº 46º do CIRE - pelo que se não consegue conceber que haja bens que integrando a massa insolvente de uma empresa declarada insolvente possam ser integrados numa categoria de bens sem qualquer relação com essa empresa ou estabelecimento.

  9. Por último, o fim que o legislador pretende alcançar com a concessão de isenção de IMT - fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador, dando «um bónus» a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente e que serão vendidos em fase de liquidação - permite uma leitura clara e sem sequer necessidade de interpretação extensiva do ambíguo texto do nº 2 do artigo 270º do CIRE.

  10. Com efeito, para se alcançar o fim antes definido não faz qualquer diferença que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, que se esteja a vender um ou outro activo da empresa, inclusive que se esteja a vender bens que integravam o seu património mas não eram utilizados no seu giro comercial.

  11. Em conclusão, o nº 2 do artigo 270º do Código da Insolvência e da Recuperação de...

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