Acórdão nº 01115/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – Vem a Fundação A……., melhor identificada nos autos, recorrer para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que julgou improcedente o pedido de anulação do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) de 14-01-2009, o qual lhe indeferiu o pedido de reconhecimento de benefício fiscal, relativo aos donativos atribuídos a título de dotação inicial.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «A. O pomo da discórdia nos Autos — de natureza fiscal — tem a sua origem logo aquando da constituição da Fundação A……. e prende-se com a existência e natureza do benefício fiscal a atribuir ao mecenas.

  1. No que respeita à Fundação A……., a decisão a quo começa por dar como provados os FACTOS relativos à sua constituição e ao início de atividade, à obtenção do reconhecimento administrativo pelo Secretário de Estado da Administração Interna (SEM) nos termos gerais (n.º 1 do artigo 185.º do Código Civil) e os fins gerais e especiais que prossegue.

  2. A decisão a quo fixa também que para assegurar os seus fins, a empresa A……., SA atribuiu à Fundação A……., como dotação inicial, os prédios urbanos designados por Museu da Electricidade e respectivos anexos, entre outros bens e valores, como ficou a constar dos Estatutos e foi apreciado e aprovado pelo SEAI.

  3. Ainda a propósito da Fundação A……., a decisão a quo considera como parte da fundamentação de facto o conteúdo da cláusula 19,ª dos Estatutos da Fundação, segundo a qual, a «extinção da Fundação e destino dos respectivos bens, dependem de autorização prévia da autoridade competente para o reconhecimento, dada sob proposta do conselho de administração» (cit.).

  4. A decisão a quo deu também como provado que o Ministério da Cultura remeteu ao Ministro das Finanças uma proposta de despacho conjunto no sentido de reconhecer que os donativos concedidos àquela fundação a título de dotação inicial podiam usufruir dos benefícios fiscais previstos na lei para o mecenato.

  5. Da mesma forma, deu-se por comprovado que a Direção de Serviços do IRC, após ter recebido a citada proposta de despacho, elaborou uma informação no sentido do indeferimento, por entender que se impunha in casu que os Estatutos da Fundação A……. previssem expressamente que em caso de extinção os seus bens revertessem para o Estado ou, em alternativa, fossem cedidos às entidades abrangidas pelo artigo 10.º do Código do IRC.

  6. Entendeu o TCA Sul negar provimento à AAE sufragando o entendimento de que: • O beneficio fiscal em causa dependia de reconhecimento por despacho conjunto do Ministro das Finanças e da tutela, o qual • não devia ser concedido por os Estatutos da Fundação A……. não consagrarem a reversão, em caso de extinção, dos bens da fundação a favor do Estado ou das entidades referidas no n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato; e, • o despacho do SEAF não se encontra viciado de incompetência apesar de não ter sido proferido em conjunto com a Ministra da Cultura (que concordava no sentido de atribuir o beneficio à Fundação A……).

  7. A interpretação do Tribunal a quo foi, contudo, diversa da que resulta da letra dos normativos aplicáveis ao caso sub judice — n.º 3 do artigo 1.º do diploma que aprovou o Estatuto do Mecenato (Decreto-Lei n.º 74/99 alterado pela Lei n.º 160/99), e artigo n.ºs 1 e 2 do Estatuto do Mecenato — sustentando uma posição segundo a qual se deve retirar ser sempre exigível reconhecimento às fundações de iniciativa exclusivamente privada, nos temos do n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato.

    I. Atenta a complexidade atribuída à letra dos diferentes preceitos e respetiva conjugação, o argumento central do Tribunal a quo para justificar a ratio legis do preceito (n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato) acaba mesmo por ser construída pela negativa, invocando o Tribunal que não seria aceitável uma situação em que se permitisse não existir reconhecimento para as dotações nas fundações de iniciativa exclusivamente privada e impor tal reconhecimento para os casos das fundações em que o Estado participa, mas em menos de 50%.

  8. Segundo o TCA Sul na decisão recorrida, o n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato é aplicável às fundações de natureza predominantemente social ou cultural relativamente às dotações iniciais. Em consequência, para o benefício fiscal poder operar seria necessário (i) que os estatutos da fundação em causa previssem que, em caso de extinção, os bens revertessem para o Estado ou às entidades abrangidas pelo atual artigo 10.º do Código do IRC; e que (ii) fosse emitido um ato de reconhecimento pela Administração.

  9. Tal interpretação, além de contrária à letra da lei, aos elementos históricos que envolveram a produção da norma e à intenção das personalidades com responsabilidades na conceção da solução normativa, retira qualquer efeito útil à alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, tornando-a desnecessária.

    L. Resulta do referido n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato que as entidades aí referidas têm direito a um benefício fiscal diretamente decorrente da Lei, encontrando-se a Administração vinculada a agir em conformidade com esse direito. É, sem margem para dúvidas, um poder vinculado que está em causa nesta disposição, o qual obriga as entidades públicas a adotar ações e operações materiais em conformidade, sem margem de liberdade ou discricionariedade que ofereçam a possibilidade de agir em contrário.

  10. No caso vertente não há qualquer margem para hesitações — a utilização do vocábulo «são» (cit.) patente no n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato aponta claramente para que os donativos/dotações iniciais, nos casos referidos nas alíneas do n.º 1 daquele artigo 1.º, tenham de ser considerados custos ou perdas de exercício. Além disso, o conteúdo do direito que decorre deste poder vinculado é, também ele, expresso.

  11. Acresce que o nº 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato começa logo por ressalvar expressamente os efeitos do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de março, o qual excluiu da necessidade de reconhecimento os casos previstos no artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, nos quais se incluíram, precisamente, as dotações iniciais para fundações exclusivamente privadas e que prosseguem fins predominantemente sociais e culturais.

  12. A par da precisão desta ressalva da lei, veja-se a relação de especialidade entre a norma da alínea d) do artigo 1.º Estatuto do Mecenato e a norma do n.º 2 do mesmo artigo do Estatuto, relação essa que sempre implicaria a aplicação daquela norma em prejuízo desta. É da própria lei que advêm elementos dessa especialidade, que é dupla — (i) a referência directa a dotação inicial para eximir à necessidade de reconhecimento por cotejo a uma norma que se refere a donativo, (ii) a exigência de que os donativos — excluída a dotação inicial — concedidos a fundações privadas estão sujeitos a reconhecimento.

  13. Ao contrário do que entende o TCA Sul na decisão a quo, a atribuição do benefício fiscal sem qualquer ato de reconhecimento não provoca no n.º 2 do artigo 1.º qualquer «antinomia na própria norma que a torna imprestável do ponto de vista jurídico» (cit.).

  14. Existindo um caminho e uma interpretação dos diferentes preceitos mais próximos da letra da lei, das circunstâncias em que as normas foram produzidas, da intenção do legislador e que, ainda por cima, permitem salvaguardar o efeito útil de ambas as disposições normativas — cf. alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º, e n.º 2 do artigo 1.º —, deve privilegiar-se essa posição, impondo-se, assim, a revogação da decisão recorrida.

  15. É muito claro que na alteração produzida pela Lei n.º 160/99, de 14 de setembro, ao artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, passou a incluir-se no n.º 1 do artigo 1.º as fundações de iniciativa privada e natureza predominantemente social ou cultural através da inserção da nova alínea d), por forma a que estes casos passassem a dar origem ao benefício fiscal sem necessidade de reconhecimento, tendo sido incluída uma ressalva final no sentido de tal apenas se reportar «à dotação inicial» (cit).

  16. Também as circunstâncias históricas que rodearam a elaboração da norma e a intenção dos produtores da norma legislativa em causa aponta no sentido de não existir qualquer necessidade de ato administrativo de reconhecimento do beneficio — efectivamente, o Relatório do Grupo de Trabalho da Comissão de Economia, Finanças e Plano — citado pelo Prof. Dr. José Casalta Nabais em PARECER anexo — criado para a alteração do Estatuto do Mecenato, reflete bem a intenção dos deputados em relação ao procedimento de reconhecimento dos benefícios, sendo evidente nos documentos produzidos por esse grupo de trabalho que se apresentavam propostas e redações no pressuposto da delimitação das situações em que não seria necessário ato administrativo para reconhecer o beneficio fiscal.

  17. Foi das citadas duas propostas que resultou o atual texto da alínea d), do n.º 1, do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, que inclui nos casos de benefícios fiscais sem necessidade de reconhecimento administrativo as fundações privadas quanto à sua dotação inicial, desde que se trate de fundações com fins de natureza predominantemente social ou cultural.

  18. Também ao contrário do que afirma a decisão recorrida, faz todo o sentido que uma fundação exclusivamente privada tenha um regime fiscal mais favorável do que outras que envolvam os particulares e o Estado em simultâneo. Quando um privado tem tal iniciativa em conjunto com o Estado, o seu risco é menor e, naturalmente, não está a fazer nascer um projeto com interesse social apenas com os seus meios e o seu financiamento. Está a fazê-lo apenas parcialmente, porque acompanhado pelo Estado, pelo que o presente recurso merece total provimento, impondo-se, também por este motivo, a revogação da decisão recorrida.

    V. Mesmo que o regime jurídico a seguir fosse o do n.º 2...

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