Acórdão nº 0995/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1.

A……………., S.A., com os demais sinais dos autos, dirigiu ao Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 25º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (regime jurídico da arbitragem em matéria tributária), recurso da decisão arbitral proferida na sequência de pedido de pronúncia arbitral no processo nº 657/2014-T do CAAD, que decidiu julgar totalmente procedente a exceção dilatória da incompetência absoluta desse tribunal arbitral e absolver a Autoridade Tributária da instância, por não estarem reunidas as condições para apreciar de mérito a pretensão.

1.1. Invoca, para o efeito, a oposição dessa decisão com os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 03/06/2015 e de 18/05/2011, proferidos nos recursos nºs. 0793/14 e 0156/11, respetivamente, tendo rematado as alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo: a) O Ac. recorrido, proferido em 02/07/2015, pela CAAD, entende que por força do disposto no artigo 131.º do CPPT é necessária a apresentação de prévia reclamação graciosa como forma de abrir a via contenciosa quando o contribuinte pretende invocar erro cometido na autoliquidação de imposto, e que (ou, em bom rigor, pelo que) só os vícios que sejam imputados pelo contribuinte na dita reclamação graciosa necessária, poderão constituir fundamentos de impugnação contenciosa, pois que «o desígnio legislativo que visa satisfazer a obrigatoriedade de reclamação é permitir à Administração Tributária apreciar as questões de legalidade suscitadas pelo contribuinte antes de haver impugnação contenciosa e, por isso, está ínsito em tal obrigatoriedade que só os vícios que sejam imputados pelo contribuinte na reclamação graciosa necessária, poderão ser fundamentos de impugnação graciosa.».

b) Já no Ac. do S.T.A., de 03-06-2015, processo nº 0793/14, foi decidido que «Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do ato tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afetem o ato tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.».

c) E, também no Ac. do S.T.A., de 18-05-2011, processo nº 0156/11 se entendeu que «I - O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise. «II - A impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.».

d) Da leitura atenta de ambas as decisões ressalta à evidência que em ambas se coloca a mesma questão jurídica fundamental, ou seja, saber se a impugnação judicial intentada subsequentemente à decisão da impugnação graciosa tem o seu âmbito limitado aos fundamentos expressamente invocados naquela impugnação graciosa, ou se, pelo contrário, a impugnação judicial pode ter como fundamento outras ilegalidades do ato tributário que não foram expressamente invocadas em momento anterior.

Desde logo, e) Se objeto da impugnação é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação, são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise, e a impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados em reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do ato tributário.

f) Os órgãos jurisdicionais podem e devem conhecer de todas as ilegalidades de substância que afetem o ato tributário em crise, mesmo quando essas ilegalidades não hajam sido suscitadas na fase administrativa do litígio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso e encontrando-se tal vinculação prevista expressamente no artigo 2º, n.º 1, alínea a), do RJAT, de onde decorre que “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação”.

g) Por outro lado, o que resulta do artigo 70.º, n.º 1 do CPPT é que a reclamação graciosa, meio processual alternativo à impugnação, pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial mas daí não decorre que esta esteja vinculada aos fundamentos invocados naquela, ao passo que o n.º 4 do artigo 111.º do CPPT dispõe é que caso posteriormente à receção da petição de impugnação seja apresentada reclamação graciosa, relativamente ao mesmo ato e com diverso fundamento, deve esta ser apensa à impugnação judicial, sendo igualmente considerada, para todos os efeitos, no âmbito do processo de impugnação; Ou seja, não se compreenderia que se admitisse a apresentação de reclamação graciosa e impugnação judicial com fundamento diverso quando o contribuinte opte por impugnar primeiro e reclamar depois, e já se não admita o mesmo quando se reclame primeiro e impugne posteriormente.

h) E mesmo na hipótese prevista no artigo 68.º, n.º 2, do CPPT, o impedimento de apresentação de reclamação graciosa apenas abrange a que tenha fundamento idêntico ao da impugnação judicial, donde se depreende que é possível apresentar reclamação graciosa, na pendência da impugnação judicial, desde que seja invocado outro fundamento (cfr., neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, comentado e anotado, vol. I, pág. 546).

i) O objeto real da impugnação é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise, pois, conforme Ac. do STA de 28/10/2009, proferido no recurso n.º 595/09, «nos casos em que a reclamação graciosa é expressamente indeferida, o objeto do processo de impugnação judicial é, formal e diretamente, o ato de indeferimento, que manteve a liquidação que foi objeto da reclamação, mas o objeto real da impugnação, o ato cuja legalidade está em causa apurar, é o ato de liquidação que foi mantido pelo ato de indeferimento da reclamação».

j) Sobre a A.T. recai o dever de rever atos tributários, a favor do contribuinte, quando detetar uma situação de ilegalidade ou desconformidade, dever esse que existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade (artº 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei (Neste sentido, Ac. do S.T.A. de 11-5-2005, proferido no recurso n.º 319/05).

k) Deste excurso resulta que, quer à luz do RJAT, quer à luz do CPPT, quer até à luz da C.R.P., os poderes de cognição do C.A.A.D. não se encontram limitados pelos poderes de cognição da administração tributária para, na fase administrativa, apreciar determinados vícios imputáveis aos atos tributários.

l) Para agravar a situação, sempre será útil referir que as autoliquidações objeto de impugnação foram apresentadas no seguimento de instruções da A.T., no âmbito do procedimento inspetivo, em que os Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Santarém, concluíram que várias transmissões de bens (discriminadas na impugnação) não estavam, conforme fora declarado, isentas de IVA, mas sim sujeitas a tributação, nos termos do art.º 1º, n.º 1, 3.º, n.º 1 e 6.º do Código do IVA.

m) Ora, quanto à necessidade de apresentação de prévia reclamação graciosa (necessária) como forma de abrir a via contenciosa, o Ac. do S.T.A., de 07-12-2011, proferido no Processo nº 0299/11, proclamou que: «I - Nos casos em que a administração tributária já tomou posição sobre a autoliquidação...

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