Acórdão nº 0628/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução11 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL [MDN] e o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS [MF] - por «adesão» [artigo 634º, nº3, do CPC] - interpõem «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], de 05.02.2016, o qual, concedendo provimento ao «recurso de apelação» interposto por A………… - identificado nos autos - revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [TAF], e julgou procedente a acção administrativa especial [AAE] intentada por este último contra aqueles.

    Concluem assim as suas alegações: A. O acórdão recorrido deu provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo autor junto do TCAN, tendo revogado a sentença proferida pelo TAF de Braga, julgando não verificada uma situação de inutilidade superveniente da lide e condenando os Ministério da Defesa Nacional e o Ministério das Finanças ao reconhecimento do direito do autor e pagamento das importâncias por ele peticionadas; B. Este recurso de revista tem por fundamento a violação de um dos princípios gerais do direito administrativo - que os regulamentos administrativos não podem produzir efeitos retroactivos, a não ser nos casos expressamente ditos na lei - verificando-se ainda violação do princípio da separação de poderes, consagrado na CRP; C. Entende o recorrente que a admissão deste recurso é necessária para uma melhor aplicação do direito, porquanto ao determinar-se no acórdão recorrido a aplicação retroactiva de um acto normativo - consubstanciado no Despacho Conjunto dos Ministérios das Finanças e da Administração Pública e da Defesa Nacional nº27676/2007 [publicado no DR nº237, 2ª Série, de 10.12.2007] - cujos efeitos se produziram a partir de 01.01.2008, estamos perante uma clara violação de um dos princípios gerais do direito administrativo - o de que os regulamentos administrativos não podem produzir efeitos retroactivos, a não ser nos casos expressamente previstos na lei; D. A admissão do presente recurso é ainda necessária para uma melhor aplicação do direito, de modo a impedir a violação do princípio constitucional da separação de poderes; E. Com efeito, competindo constitucionalmente ao Governo, no exercício das suas funções administrativas, fazer regulamentos necessários à boa execução das leis, é cada Ministro que deverá editar os regulamentos administrativos necessários a essa boa execução ou à satisfação das necessidades colectivas, tanto mais quando, de acordo com a CRP, lhes compete executar a política estabelecida para os seus Ministérios; F. Ao não aceitar este entendimento, o Tribunal estará a substituir-se à Administração - quando não o pode fazer - mediante o esvaziamento da margem de discricionariedade administrativa que lhe havia sido concedida pelo legislador, através do artigo 8º, nº1 do DL nº56/81, de 31.03, em violação do princípio constitucional da separação dos poderes, invadindo a esfera administrativa e contrariando o exercício da função legislativa; G. Por outro lado, não poderá o MDN concordar com a posição assumida no acórdão recorrido, quando julgou «não verificada a excepção suscitada pelos demandados, de inutilidade superveniente da lide», no que respeita aos pedidos formulados pelo autor na petição inicial, sob as alíneas a), e) e f); H. Pois, entende o recorrente, tal como bem entendeu o TAF de Braga, na sentença proferida em 28.09.2014, que através da emissão do Despacho Conjunto nº27676/2007, a pretensão do autor se mostrava satisfeita; I. O DL nº56/81, de 31.03, determina que as remunerações adicionais devidas aos militares em «missão do estrangeiro» sejam fixadas em despacho conjunto do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas [sendo hoje competente o Ministro da Defesa Nacional e o Ministro das Finanças], devendo ser tidos em conta os critérios em uso para o pessoal equiparável do MNE; J. Aliás, como já foi decidido pelo TAF de Sintra, em acórdão de 04.05.2007, no âmbito de um processo que já apreciou a presente questão de direito, extrai-se que não resulta da lei que as remunerações adicionais devidas aos militares em «missão do estrangeiro» tenham de ser as fixadas pelo MNE para o seu pessoal, mas sim que na fixação «dessas remunerações», por despacho conjunto dos responsáveis pelas pastas das Finanças e da Defesa Nacional, se atenda aos critérios em uso para o pessoal equiparável do MNE, sendo o MDN totalmente soberano para proceder à equiparação em causa; K. Entende o recorrente que aquele Tribunal procedeu a uma correta apreciação e aplicação da matéria de direito ao considerar que o DL nº56/81 não determina a equiparação pura e simples dos militares ao pessoal do MNE, conferindo aos ministros «margem de discricionariedade» na regulamentação do referido diploma; L. A aplicação aos militares das FA providos em cargos internacionais ou integrados em missões militares junto das representações diplomáticas no estrangeiro e em missões militares junto da NATO do regime de abonos em vigor para o pessoal da carreira diplomática do MNE em funções nas missões diplomáticas e postos consulares decorre do Despacho nº27676/2007 [publicado no DR, 2ª série, nº237, de 10.12.2007] e não directamente da lei; M. Questão diversa prende-se com o nº5 desse «despacho», por via do qual foi determinada a produção de efeitos a partir de 01.01.2008, tendo o acórdão recorrido feito «retroagir» os seus efeitos à situação do autor; N. Não pode o MDN aceitar tal entendimento, porquanto na verdade, cabe a cada Ministro, no exercício das suas funções administrativas, fazer os regulamentos administrativos necessários à boa execução das leis ou à satisfação das necessidades colectivas - o que decorre também do disposto na alínea a) do nº2 do artigo 201º da CRP - não podendo os tribunais interferir nessa competência, tanto mais quando, de acordo com a CRP, compete aos Ministros «executar a política» dos seus Ministérios; O. A questão em apreço - a data da produção de efeitos do Despacho Conjunto nº27676/2007, neste fixado a 01.01.2008, e que o acórdão recorrido fez retroagir à situação do autor - tem sido largamente debatida pela jurisprudência do STA, a qual vem uniformemente entendendo que os despachos conjuntos com conteúdo normativo «dispõem para o futuro», sendo a eventual fixação de efeitos retroactivos decorrência do exercício do poder discricionário da Administração, cabendo-lhe, ponderados todos os interesses envolvidos, atribuir-lhe, ou não, efeitos retroactivos [ver AC STA, de 29.03.2006, Rº01105/05]; P. Acresce que não só a norma constante do artigo 119º do CPA não impõe a retroactividade da revogação de anterior acto normativo de execução, como também, nesta matéria, vale a regra de eficácia para o futuro [ver artigo 112º da CRP conjugado com o nº1 do artigo 12º do Código Civil]; Q. Assim, não deve ser atribuída eficácia retroactiva a este despacho conjunto tanto mais que constitui princípio geral do direito administrativo português que os regulamentos administrativos não podem produzir efeitos retroactivos, a não ser nos casos expressamente determinados por lei; R. E a lei a regulamentar - entenda-se o DL nº56/81, de 31.03 - não prevê esta hipótese, pelo que o despacho conjunto em causa apenas pode produzir efeitos para o futuro; S. Segundo Afonso Queiró, as únicas excepções à proibição de atribuição de eficácia retroactiva a normas regulamentares são «os regulamentos de leis retroactivas, os regulamentos que a lei preveja deverem ou poderem ter eficácia retroactiva, e ainda os que estabeleçam sanções mais leves do que as que eram consideradas pelos regulamentos em vigor à data da prática das infracções sujeitas a punição», o que não se verifica no caso «sub judice»; T. Este entendimento é também subscrito pela Procuradoria-Geral da República no seu Parecer nº4/1996; U. Nem mesmo na hipótese em que o regulamento contém normas «mais favoráveis» aos seus destinatários será possível atribuir-lhes eficácia retroactiva [neste sentido, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, ver obra citada]; V. Com efeito, a alínea a) do artigo 128º do CPA constitui «habilitação legal» apenas para a atribuição de eficácia retroactiva a «actos administrativos favoráveis aos interessados», não havendo norma equivalente a consagrar possibilidade de conferir eficácia retroactiva a normas regulamentares; W. Não existe base legal para a atribuição de eficácia retroactiva ao Despacho nº26767/2007, pelo que, como é evidente, não pode o TCAN atribuir-lhe tal eficácia, tanto mais que constitui princípio geral do direito administrativo português que os regulamentos administrativos não podem produzir efeitos retroactivos, a não ser nos casos expressamente determinados por lei; X. O ordenamento jurídico português está fundado no princípio da separação de poderes, daqui decorrendo que está vedado aos tribunais a intromissão em matéria reservada ao exercício da função administrativa, designadamente na determinação do conteúdo de despacho conjunto normativo quando este resulte do exercício de poderes discricionários; Y. A não aceitar-se este entendimento, os Tribunais estarão a substituir-se à Administração - e não o podem fazer - mediante o esvaziamento da margem de discricionariedade administrativa que lhe havia sido concedida pelo legislador, pelo artigo 8º do DL 56/81, de 31.03, em violação do princípio constitucional da separação dos poderes; Z. Face ao exposto, o acórdão recorrido ao determinar que o DC nº27676/2007 tem aplicação retroactiva à situação dos presentes autos, violou o princípio da separação de poderes, porque um dos princípios gerais do direito administrativo e dos limites do poder regulamentar é o de, em regra, não poder ter eficácia retroactiva, sem prejuízo de, em circunstâncias específicas, poder existir eventual fixação desses efeitos decorrente do exercício do poder discricionário da Administração.

    Terminam pedindo a admissão da revista e o seu respectivo provimento.

    1. O recorrido – A………… - contra-alegou e concluiu assim: I. Por douta sentença, proferida nos...

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