Acórdão nº 0176/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução03 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1.

A…………………., S.A.

, interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que, concedendo provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença do TAF de Sintra e julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra actos de liquidação de IVA respeitantes aos anos de 1996 e 1997, no valor total de 302.237,29€.

1.1.

As alegações mostram-se rematadas com o seguinte quadro conclusivo: 1. O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que, revogando a Sentença de primeira instância, julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida pela Recorrente contra as liquidações de IVA de 1996 e 1997.

  1. Considerou o Acórdão existir “um erro originário da sociedade recorrida no preenchimento da declaração de início de actividade para efeitos de I.V.A, ao ter-se inscrito no regime normal, mensal e não se lhe aplicando o regime de isenção do imposto, com estes pressupostos tendo preenchido as declarações de I.V.A., dos anos de 1996 e 1997, apesar de ser um sujeito passivo misto (efectuando operações que conferem direito a dedução do imposto suportado a montante, e transmissões isentas, que não contemplam esse direito), nos termos do regime do art. 23º do C.I.V.A.” (cf. 1º parágrafo da página 13).

  2. Mercê desse erro, confirmou o Acórdão a correcção do cálculo da percentagem prorata para efeitos de dedução do IVA suportado, nos termos do artigo 23º, nº 4 do Código do IVA, considerando “cessada a presunção de veracidade das declarações da sociedade recorrida, visto que tais declarações padecem do erro originário mencionado supra (preenchimento da declaração de início de actividade para efeitos de I.V.A., ao ter-se inscrito no regime normal, mensal e não se lhe aplicando o regime de isenção de imposto, com estes pressupostos tendo preenchido os declarações de I.V.A., dos anos de 1996 e 1997, apesar de ser um sujeito passivo misto), tudo ao abrigo do art. 75º, nº 2, al. a), da L.G.T. (declarações de I.V.A. da sociedade recorrida revelam inexactidões que impedem o conhecimento do real montante de I.V.A. dedutível nos anos de 1996 e 1997).” (cf. último parágrafo da página 13).

  3. Neste contexto, considera a Recorrente resultar a necessidade de admissão desta Revista como verdadeira “válvula de escape do sistema”, atenta a subversão cometida pelo Acórdão recorrido ao sustentar que o mero incumprimento de obrigações acessórias, i.e., a inscrição no regime normal mensal, apesar de a Recorrente ser um sujeito passivo misto e a falta de comunicação prévia à Autoridade Tributária da dedução segundo o método da afectação real, faz precludir o direito substantivo à dedução do IVA, abalando a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da Recorrente (artigo 75º, nº 1 da LGT).

  4. A Recorrente discorda, portanto, do sufragado no Acórdão, e entende que o presente Recurso de Revista é absolutamente necessário por estar em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental e, bem assim, porque a admissão do Recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  5. É o preenchimento de um destes dois requisitos que se exige para a admissão do Recurso de Revista, nos termos do artigo 150º, nº 1 do CPTA, os quais são aliás conceitos indeterminados e qualitativos, que têm sido jurisprudencialmente delimitados pelo Supremo Tribunal Administrativo (a título exemplificativo, vide o Acórdão deste Tribunal de 25.11.2015, proferido no processo nº 01116/15).

  6. Assim, é evidente que a questão de saber se o incumprimento de uma obrigação declarativa (requisito formal) pode determinar a perda do direito à dedução do IVA (direito substantivo consagrado na Sexta Directiva e no Código do IVA) é uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental.

  7. Desde logo quanto à relevância jurídica fundamental a questão decidenda é de elevada complexidade jurídica, atenta a necessidade de compatibilizar o quadro jurídico-tributário português com o da União Europeia, para mais sendo este último que estabelece as directrizes para a regulamentação do primeiro.

  8. Acresce ainda que a solução dada à questão pelo Acórdão recorrido suscitará problemas de harmonização da própria Jurisprudência, pois vingando o entendimento daquele aresto, contrariar-se-á Jurisprudência já proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo e pelo Tribunal de Justiça, que sufragam precisamente a prevalência da substância sobre a forma.

  9. Também é evidente a relevância social fundamental da questão, pois a posição sustentada no Acórdão a quo poderá ser catapultada para outros casos semelhantes, rectius, os sujeitos passivos que, desrespeitando obrigações meramente formais verão negado o direito à dedução do IVA por si suportado, não obstante a sua contabilidade estar organizada em função da utilização do método da afectação real.

  10. Em concreto, a eventual consolidação do entendimento emanado do Acórdão sindicado permitiria a fundamentação de múltiplas liquidações adicionais de IVA sustentadas em violação de meras regras formais, assentes precisamente nas correcções que a Autoridade Tributária poderia fazer em decorrência da utilização do método da dedução prorata, ao invés do método da afectação real, permitindo ainda que essa omissão formal, mesmo não sendo causadora de prejuízo à Autoridade Tributária, determine não uma contra-ordenação, mas outrossim a castração do direito à dedução do IVA (violador dos princípios da segurança e certeza jurídicas e da proporcionalidade - cf. artigo 18º da CRP).

  11. Tal decisão abriria ainda inúmeras discussões fundadas por Jurisprudência de um Tribunal Superior, pese embora totalmente contrária ao regime legal nacional e europeu.

  12. Quanto ao segundo requisito alternativo – clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito – o Acórdão recorrido consolidaria na Ordem Jurídica Portuguesa o argumento obtuso de que qualquer incumprimento formal teria como sanção irrenunciável a eliminação do direito à dedução do IVA, podendo sempre a Autoridade Tributária invocar tal Acórdão como argumento para proceder a cobranças fiscais.

  13. Assim, podendo a solução adoptada pelo Acórdão a quo ter repercussão em todo o universo dos contribuintes que incumpram uma obrigação acessória, está verificada a “possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros”, conforme exige o citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25.11.2015, processo nº 01116/15.

  14. E como se viu, assumindo o Acórdão em crise verdadeira contrariedade com a forma como as instâncias (nacionais e europeias) vêm tratando a questão concreta do incumprimento de meras obrigações...

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