Acórdão nº 073/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução06 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – Não se conformando com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24 de Setembro de 2015, que negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “A…………… Lda.”, com os sinais dos autos, contra a liquidação de IVA e juros compensatórios referente ao ano de 2003, veio a Fazenda Pública dele interpor recurso excepcional de revista para este Supremo Tribunal, concluindo a sua alegação nos seguintes termos: a) O acórdão recorrido incorre em erro de julgamento ao fazer, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação do artigo 45 nº 5 da LGT, em clara violação de lei substantiva, pelo que, no nosso entendimento, não deve manter-se, sendo, a admissão deste recurso de revista claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) A liquidação de IVA, aqui impugnada, resultou do facto de a Impugnante ter procedido à dedução de IVA relativamente facturas que indiciavam ser falsas; c) Tendo em conta a existência dos referidos indícios - passíveis de configurar a prática de crime de natureza fiscal (in casu fraude fiscal tipificada no artigo 103 do RGIT) - foi instaurado processo de inquérito (nº 108/2008.4 IDLS B) contra a emitente das facturas (a B………….) na DPCF da DFL onde se incluíam os factos praticados pela A………… em crise neste processo de impugnação; d) A impugnante não foi constituída arguida naquele processo, até porque, no decorrer das investigações, se verificou que a vantagem patrimonial obtida seria inferior a 15 000 € (logo nos termos do n.º 2 do artigo 103.º do RGIT o facto não seria punível a titulo de crime), bem como porque, por despacho de 12 de Junho de 2012 do DCIAP o processo de inquérito viria a ser arquivado; e) Do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, retira-se que a possibilidade de alargamento do prazo de caducidade - prevista no nº 1 do mesmo artigo – depende, somente, de se saber se a liquidação em causa tinha como fundamento factos relativamente aos quais havia sido instaurado inquérito criminal; f) Na verdade, o nº5 do artigo 45 da LGT não exige que haja constituição de arguido das partes envolvidas nos factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, razão pela qual, faz salvaguardar ainda assim o alargamento do prazo de caducidade mesmo que se decida pelo arquivamento do processo de inquérito criminal; g) A previsão da norma supracitada refere-se expressamente a: “…factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal …”, não exigindo que no mesmo procedimento haja, o indiciado, sido constituído arguido, bastando-se, aquela previsão normativa, com a coincidência do objeto factual; h) Ora, para que se alargue o prazo de que dispõe a AT para liquidar a dívida tributária, nos termos do nº 5 do artigo 45 da LGT, é forçoso que se configure um ato passível de procedimento judicial repressivo impeditivo do anterior correcto apuramento do montante dessa dívida dentro do prazo normal, sendo indiferente que no correspondente processo crime não venha, posteriormente, a ser proferida condenação; i) Assim, não passa a ser intempestiva a liquidação efectuada ao abrigo daquela disposição, só porque, mais tarde o juiz (ou o Procurador) do processo-crime julgou que os atos provados neste processo integram matéria apenas contra-ordenacional; j) Porém – e isto é inquestionável -, dá lugar ao alargamento do prazo de caducidade nos termos do nº 5 do artigo 45 da LGT; k) Em suma e salvo o devido respeito, entende-se que o Tribunal a quo falhou no seu julgamento quando considerou, erradamente, que o disposto no nº 5 do artigo 45.º da LGT, ou seja, a possibilidade de alargamento do prazo de caducidade não se aplica à liquidação de IVA do ano de 2003 impugnada, uma vez que esta mesma liquidação resulta somente de factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal.

Por todo o exposto, e o mais que o venerando tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido e, analisado o mérito ser dado provimento ao mesmo, revogando-se, em conformidade, o douto acórdão recorrido, com todas as legais consequências, assim se cumprindo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, com o DIREITO e a JUSTIÇA! 2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – Por Acórdão de 31 de Março de 2016 (de fls. 176 a 183 dos autos) foi o recurso de revista admitido.

4 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu parecer nos seguintes termos: A recorrente Fazenda Publica, vem interpor recurso excepcional de revista, do acórdão do TCAS, de 24 de Setembro de 2015, proferido a folhas 136/142, que julgou procedente o recurso jurisdicional interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no entendimento de que se mostra caducado o direito de liquidar o IVA de 2003, uma vez que a recorrida só foi notificada da liquidação em Fevereiro de 2010, e, no caso, não tem aplicação o prazo especial de caducidade previsto no artigo 45/5 da LGT, uma vez que resulta do probatório que não foi instaurado inquérito contra a impugnante A………., nem a mesma foi constituída arguída nos inquéritos criminais instaurados conta B………….., sociedade emitente das alegadas facturas falsa à Impugnante.

A recorrente produziu alegações tendo concluído nos termos de folhas 163/165.

A recorrida A…………. Ldª não contra alegou.

A questão controvertida prende-se com a questão de saber se o alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação estatuído no artigo 45/5 da LGT se verifica sempre que o direito de liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal ou se é necessário que esse inquérito criminal seja direccionado directamente contra o sujeito passivo do tributo liquidado e que este seja constituído arguido.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 45/5 da LGT “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal o prazo a que se refere o nº 1 é alargado até arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Como expendem José Maria Fernandes Pires (Coordenador), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, in Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 2015, Almedina, página 412 “ …O nº 5 destina-se a impedir o decurso do prazo de caducidade na pendência do processo criminal, por e entender que, encontrando-se a liquidação dependente de sentença a proferir no âmbito desse processo, tal liquidação não pode ser prejudicada pela demora da decisão judicial. Para o efeito, alarga-se o prazo de caducidade até arquivamento do inquérito ou ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Em resultado da existência de processo criminal poderão resultar certos factos, cuja qualificação e quantificação como factos tributários depende do que for considerado definitivamente assente em termos criminais nomeadamente da determinação da existência e medida da responsabilidade criminal do arguido Por outro lado, tratando-se de factos graves, e atendendo às consequências onerosas em termos de sanção advenientes do estabelecimento dessa responsabilidade, o processo criminal é revestido de especiais garantias de defesa, podendo a sua duração ser bastante dilatada, o que não é compatível com os breves prazos de caducidade normalmente vigentes no âmbito tributário.

Além disso o facto de se estabelecer que a caducidade só decorrerá após um ano sobre o termo do processo criminal, destina-se a permitir que haja lugar aos procedimentos e diligências legal e tecnicamente indispensáveis à existência de uma liquidação válida e sua notificação ao sujeito passivo. Aí se incluem, por exemplo, a elaboração do projecto de relatório da inspecção e sua notificação do mesmo, para efeitos de audição prévia, a elaboração do relatório definitivo e sua notificação. Por isso, este prazo de um ano subsequente ao arquivamento do inquérito ou trânsito em julgado do processo crime é, por vezes, designado de prazo técnico de efectuação da liquidação, ou seja, é o prazo que o legislador teve como razoável para que a AT possa levar a cabo todas as diligências que esta acarreta”.

Na determinação do sentido das normas tributárias são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º da LGT).

Assim, “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em...

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