Acórdão nº 0950/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução06 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1.

A……….. e B…………., com os demais sinais dos autos, recorrem da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente o recurso judicial que deduziram contra a decisão de avaliação, por métodos indiretos, do seu rendimento coletável para efeitos de IRS com referência ao ano de 2013.

1.1. Remataram as alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1. A fundamentação é relevante para a apreciação contenciosa da legalidade do acto, pois é face aos motivos determinantes do acto que o interessado poderá decidir mais seguramente sobre a sua conformidade com a lei, facilitando, por essa via, o controle jurisdicional ao possibilitar a verificação da existência ou não de diversos vícios não só os respeitantes à forma, como também ao desvio de poder, a incompetência e a violação de lei, sem descurar a sua extrema utilidade como elemento interpretativo ao permitir o conhecimento da vontade manifestada e do poder que se procurou exercer.

  1. A fundamentação realiza uma espécie de «aveu préconstitué» das razões do acto pela administração funcionando como um processo de autolimitação. Por outro lado, sujeita-se indirectamente a certas regras de trabalho na medida em que a torna mais prudente, mais atenta e mais respeitadora do direito e lhe impõe a racionalização dos métodos de trabalho administrativo servindo de meio de reacção contra o comodismo, a rotina e o arbítrio.

  2. Como decorre do nº 1 do art.º 77º da LGT, o dever de fundamentação imposto à AT concretiza-se «por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram», sendo que o nº 2 do mesmo normativo explicita que a «A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

  3. E tal, ao contrário da recorrida, não se mostra efectuado, bastando para tanto vislumbrar a fundamentação de direito aplicada pela AT, referindo que: “Verifica-se assim um acréscimo patrimonial não justificado no montante de 215.299.91€ que corresponde à diferença entre o acréscimo de património (238.900.00EUR) e o rendimento líquido global declarado pelos SP no ano de 2013 (23.600.09EUR), conforme o disposto nas alíneas a) a d) do nº 5 do art.º 89º-A da LGT”.

  4. Com tal descrição não é possível assegurar o direito de defesa, pois não existe um conhecimento perfeito das normas legais concretas em que se enquadram os factos alegados.

  5. O acto impugnado apesar de indicar uma norma legal para justificar a decisão, indica uma norma de tal modo genérica que não esclarece qual a concreta regra ou quadro legal que impunha a sua actuação, pois que são 4 as alíneas que o nº 5 do art.º 89º-A da LGT contém, sendo que o nº 2 do art.º 77º da LGT acrescenta que a fundamentação pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis.

  6. Perante os termos verbais, a ratio e a teleologia do art.º 18º, nº 3, da LGT, e 13º, nº 2, do CIRS, os sujeitos passivos do IRS, no caso de existir agregado familiar, são as pessoas a quem incumbe a sua direcção, e essas pessoas, no caso de agregado familiar constituído por cônjuges, são, actualmente, perante o disposto no art.º 1671º, nº 2, do Código Civil, marido e mulher.

  7. Ao impor a tributação conjunta dos rendimentos do agregado familiar, o art.º 13º, nº 2, do CIRS, ou qualquer outra norma do sistema, não prescreve qualquer confusão entre os rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar ou a fusão de todos esses rendimentos numa nova unidade orgânico tributária em relação à qual todos os efeitos fiscais passem depois a ser estabelecidos imediatamente, mas continua, antes, a manter-se a autonomia dos rendimentos de cada uma das pessoas do agregado familiar até à fase do englobamento, nomeadamente para efeitos das deduções específicas sobre cada um desses rendimentos e seus diversos tipos, mesmo que estes sejam da categoria G.

  8. Se o art.º 87º, alínea f), da LGT fala de acréscimo patrimonial e se os rendimentos, incluindo os advindos de incrementos patrimoniais, são imputados ao agregado familiar como rendimentos próprios de que os cônjuges sejam, pessoal ou conjuntamente, titulares apenas para englobamento e depois das deduções específicas, não tem a mínima justificação racional dar ao acréscimo patrimonial a que alude o art.º 87º, alínea f), da LGT um sentido diferente, imputando-o logo ao agregado familiar, sem primeiro o imputar como rendimentos próprios a cada um dos membros da sociedade familiar.

  9. As normas do art.º 87º, alínea f), e 89º-A, nº 5, da LGT não são normas definidoras da titularidade de rendimentos fiscais ou normas de incidência tributária, mas sim normas de avaliação (indirecta) da matéria tributável, sendo que esta se exprime em elementos positivos e negativos.

  10. A interpretação do art.º 87º, alínea f), da LGT conforme com os valores constitucionais de não discriminação negativa da família – consagrados nos arts. 67º nº 2, alínea f), e 104º, nº 1; da igualdade, prescrita no art.º 13 (basta pensar na existência de rendimentos diferentes dentro do agregado e iguais fora do agregado familiar), e da limitação em face da regra constante do art.º 18º nº 2, da CRP, de limitação das leis restritivas de direitos constitucionais, como são os da protecção da família, apenas ao necessário para salvaguardar outros direitos constitucionais, como é o direito do Estado a arrecadar as receitas fiscais necessárias para satisfazer as suas necessidades financeiras (art.º 103º, nº 1), limitação essa prescrita no art.º 18º, nº 2, todos os preceitos da CRP – é aquela segundo a qual o apuramento das situações que cabem no preceito se deve fazer em relação a cada um dos cônjuges, no caso de agregado familiar.

  11. Esta interpretação é, ainda, demandada pelo facto de a não declaração de rendimentos, tributados a coberto dos preceitos dos arts. 87º, alínea f), e 89º-A, nº 5, da LGT, ser susceptível de constituir o crime de fraude fiscal, previsto e punido no art.º 103º do Regime Geral das Infracções Tributárias, e de este não poder ser imputado, directamente, à unidade orgânico-fiscal do agregado familiar, mas às pessoas que tenham a sua direcção.

  12. O uso, pela LGT, de um instrumento jurídico-fiscal, como é o previsto no art.º 87º, alínea f), e 89º-A, nº 5, que tenha por resultado poder-se imputar, directa e imediatamente, a cada um dos dois cônjuges, ou a quem tiver a direcção conjunta do agregado familiar, o rendimento bruto indistinto apurado em relação ao agregado familiar, advindo de tais acréscimos patrimoniais não justificados, é, chocantemente, desproporcionado e ilegítimo constitucionalmente, em face da regra constante do art.º 18º, nº 2, da CRP, de limitação das leis restritivas de direitos constitucionais, como são os da protecção da família, ao necessário para salvaguardar outros direitos constitucionais, e da possibilidade de ambos os cônjuges poderem ser directamente constituídos como arguidos do crime de fraude p. e p. pelo art.º 103º do RGIT.

  13. A exigência constante do art.º 9º do C. Civil, adquirida também para o direito fiscal, por mor da regra constante do art.º 11º da LGT, de que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, tem de ser entendida, no domínio do direito definidor de tipos legais, como é o direito fiscal que se prende com os elementos essenciais dos impostos [artºs 103º, nºs 2 e 3, e 165º, nº 1, alínea i), da CRP], como sendo aquele sentido que pode ser captado pelo cidadão medianamente diligente, sensato e avisado, e esse sentido do art.º 87º, alínea f), da LGT não é o de que o apuramento das situações que cabem no preceito se faça em relação ao agregado familiar, mas em relação a cada um dos cônjuges.

  14. Ao falar-se da “diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação”, como sendo o “rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G”, a fixar pela administração tributária no caso da alínea f) do art.º 87º da LGT, o nº 5 do art.º 89º-A da mesma LGT entende, como não pode deixar de ser, a diferença entre o acréscimo de património acima do valor de um terço (cuja margem é tida por justificada) e os rendimentos declarados no mesmo período de tributação.

  15. Os sujeitos passivos são os cônjuges ou as pessoas que tenham a direcção do agregado familiar, e a terem de ser declarados em relação a todas as pessoas do agregado familiar os rendimentos que lhes digam respeito e só depois, feitas as deduções previstas na lei, efectuado o englobamento dos rendimentos líquidos sobre os quais incidirão a taxa e as deduções que operem sobre esse rendimento líquido ou sobre a colecta.

  16. Interpretação contrária é fiscalmente injusta e atentatória do princípio da proporcionalidade a que a lei fiscal em causa está sujeita, nos termos do art.º 18º, nºs 2 e 3, da CRP, decorrente do facto de constituir uma restrição desproporcionada ao direito fundamental de propriedade dos contribuintes e não necessária para salvaguardar o direito fundamental do Estado à arrecadação das receitas fiscais.

  17. A sentença recorrida decidiu, erradamente, a questão da ilegalidade da aferição indistinta ou conjunta, em relação aos dois cônjuges, dos pressupostos estabelecidos no art.º 87º, alínea f), da LGT para a avaliação indirecta da matéria tributável adveniente de acréscimos patrimoniais não justificados.

    Termos em que, e nos mais de direito, deve a sentença recorrida ser revogada e, consequentemente, proferir-se douto acórdão que julgue o recurso procedente, com todas as legais consequências.

    1.2. A Fazenda Pública apresentou contra-alegações, que rematou com o seguinte...

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