Acórdão nº 0845/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução03 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório O Município do Seixal, devidamente identificado nos autos, intentou neste Supremo Tribunal Administrativo acção administrativa especial contra o Conselho de Ministros e os contra-interessados Município de Alcochete, Município de Almada, Município do Barreiro, Município da Moita, Município do Montijo, Município de Palmela, Município de Sesimbra, Município de Setúbal, impugnando e pedindo, pelos fundamentos aduzidos na petição inicial que fossem anulados ou declarada a nulidade dos seguintes actos administrativos: “a) Do Conselho de Ministros de 8/4/14, que determina a alienação de 100% das acções da B………. e decide que o concurso público previsto no n.°2 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de Março, tenha por objecto acções representativas de 95% do capital social da B……., constante do n.° 1 da Resolução do Conselho de Ministros n.°30/2014, de 8 de Abril, publicada no D.R., 1 Série, n.º 69; b) Do Conselho de Ministros, do n.°3 da Resolução n.°30/2014, de 8 de Abril, pg. 2325, que estabelece as regras de alienação das participações sociais dos accionistas Municípios e do exercício do direito de preferência dos restantes Municípios.

c) Do Conselho de Ministros, do n.°4 da Resolução, pg. 2325, que determina a abertura do concurso público e originou a publicação do Anúncio de procedimento n.°1988/2014, publicado no D.R., I Série, n.° 71, de 10 de Abril de 2014; d) Do Conselho de Ministros, do n.°5 da Resolução, pg. 2325, que determina a oferta pública de venda de 5% de acções da B…… aos respectivos trabalhadores; e) Constante do Anúncio de procedimento n.°1988/2014, que estabelece que “O concorrente vencedor passará a deter a maioria do capital social das 11 entidades gestoras de sistemas multimunicipais de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos onde a B……. é acionista maioritária.”.

f) Do Conselho de Ministros, constante do artigo 50°, n.°2, do Anexo 1 à Resolução n.°30/2014, pg. 2336;” Citados o R. e contra-interessados, nos termos do art. 81º do CPTA, aquele apresentou contestação opondo-se à pretensão contra si deduzida.

Notificado para efeitos do disposto no art. 85º do CPTA, o Exmo Magistrado do Ministério Público, junto deste STA emitiu parecer, a fls 359 a 364, no sentido de se declarar a jurisdição administrativa materialmente incompetente para conhecer desta acção administrativa especial.

Notificado para se pronunciar sobre as excepções suscitadas na contestação, veio o Município do Seixal pronunciar-se sobre as mesmas.

Foi proferido despacho saneador a fls. 440 a 447 que conheceu das excepções invocadas decidindo ser este Tribunal competente apenas para a apreciação e julgamento da presente acção administrativa no segmento que tem como objecto/pretensão a anulação dos actos administrativos contidos na Resolução do Conselho de Ministros nº 30/2014.

Notificadas as partes para produzirem alegações escritas, vem a recorrente apresentar as suas alegações, sem formular conclusões, a fls. 484 a 506, que aqui se dão por reproduzidas.

Aí se refere, nomeadamente, que: “Reitera-se a alegação da nulidade dos actos administrativos de transmissão das acções na operação de reprivatização da B……, por violação dos Estatutos da A………. e do Acordo de Acionistas, e mais se requer a sua anulação, por estarem eivados de vício de violação de lei, por terem sido prolatados à revelia dos Municípios que compõem o sistema multimunicipal, em violação do artigo 266.° da CRP, do Princípio da subsidiariedade ou da aproximação, artigo 267.° da CRP, 2.°, 23.°, n.° 2 da Lei n.°75/2013, de 12 de Setembro, lei de valor reforçado e o Princípio da Protecção da Confiança, e ainda no desrespeito das normas do Código das Sociedades Comerciais pertinentes.

Os princípios constitucionais são as normas que sustentam e servem de fundamento ao ordenamento constitucional, consubstanciando os valores primordiais e as bases da sociedade num Estado de Direito.

Apenas será legítima a restrição ao direito se for atendido o princípio da proporcionalidade, pois a ponderação entre princípios é balizada através desse princípio.

As decisões dos órgãos da Administração Pública devem, pois, ser adequadas e proporcionais aos objectivos a alcançar; Serão adequadas se forem aptas para atingir esses objectivos e proporcionais se os sacrifícios exigidos forem equilibrados com as vantagens obtidas.

Por conseguinte, os actos administrativos em crise, dimanados de um poder vinculado arbitrário, deverão ser anulados, pois encontram-se eivados do vício de violação de lei, por violação da Constituição da República Portuguesa, designadamente do Princípio da Protecção da Confiança, dos artigos 6°, n.°1 (Princípio da Autonomia das Autarquias Locais), 267.° n.°s 1 e 4 (Princípio da Participação), 266.° n.°2 (Princípio da Proporcionalidade), segundo o qual as decisões administrativas que afectem direitos ou interesses dos cidadãos só devem ir até onde seja imprescindível para assegurar o interesse público, não devendo utilizar-se medidas mais gravosas quando outras, que o sejam menos, forem suficientes para atingir os fins da lei.

Termos em que, por tal violação inquinar irremediavelmente, com os fundamentos sobreditos, todos os actos ora sindicados, e bem assim mercê da violação dos interesses das populações e da satisfação das suas necessidades, cabe pugnar pela abstenção das condutas da Administração destinadas a implementar o regime de reprivatização concretamente adoptado, o qual põe em causa o Princípio da boa-fé que se assume como um dos princípios gerais de direito que servem de fundamento ao ordenamento jurídico e que se apresenta como um dos limites da atividade da Administração, sendo que, um dos seus corolários, aqui violado de forma flagrante e ostensiva, consiste no princípio da protecção da confiança legítima.” O réu Conselho de Ministros, notificado nos termos do art. 91.º do CPTA apresentou alegações de fls. 513 a 522, nos seguintes termos: “1. A Entidade Demandada mantém tudo quanto referiu na sua contestação, quer no tocante à matéria de facto, quer ao direito.

  1. Aliás, a esse respeito, não deixa de ser significativa a circunstância de o Autor, nas suas alegações, não ter logrado minimamente refutar as razões invocadas pela Entidade Demandada na referida contestação.

  2. Isto muito embora o Senhor Procurador-Geral Adjunto ter, aliás, emitido parecer, constante dos autos, opinando no sentido da procedência das razões invocadas pela Entidade Demandada no que respeita à impugnação dos argumentos da Autora, além de considerar que a jurisdição administrativa carece de competência em razão da matéria para conhecer dos pedidos.

  3. A posição do Autor implica uma inaceitável e, salvo o devido respeito, absurda inversão das regras de aplicação e hierarquia dos atos normativos no nosso ordenamento constitucional. Assim, para o Autor, aparentemente Lex prion derogat pos tenor e mais: lex generalís derogat legi speciali! 5. A reprivatização não é matéria subsumível às bases gerais do estatuto das empresas públicas (conforme indicia o próprio legislador constituinte, ao abordá-la separadamente, no artigo 293.° da CRP). Logo, não é, nem logicamente poderia ser, objeto de qualquer norma constante do Decreto-Lei n.° 133/2013, de 3 de outubro.

  4. A operação de reprivatização em questão encontra, naturalmente, a sua habilitação legal na Lei-Quadro das Privatizações, aprovada pela Lei n.°11/90, de 5 de abril, na versão resultante da Lei n.° 50/2011, de 13 de setembro (ao abrigo do disposto no artigo 293.° da CRP), a qual constitui uma lei de valor reforçado.

  5. O artigo 4.° da Lei-Quadro das Privatizações atribui expressamente ao Governo a competência para operar, por decreto-lei, a transformação em sociedade anónima das empresas públicas a reprivatizar, bem como para aprovar os respetivos estatutos; o artigo 14.° Incumbe o Governo de aprovar, por resolução do Conselho de Ministros, as condições concretas de cada operação de reprivatização.

  6. A tese do Autor põe diretamente em causa o disposto no artigo 112.°, n.°5, da Constituição, pois se apenas em assembleia geral de acionistas se pudesse proceder a uma alteração dos estatutos de uma empresa pública sob forma societária que foi criada por diploma legal isso implicaria atribuir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, modificar os preceitos do próprio diploma legal.

  7. Não existe, pois, nenhuma razão jurídica para que o legislador fique sujeito a limitações materiais que a Constituição não prevê, como é o caso do ato constitutivo da sociedade ou sequer o Código das Sociedades Comerciais (ao contrário do que é sugerido pelo Autor) — este último diploma não tem a natureza de lei de valor reforçado, pelo que pode perfeitamente ser derrogado por outra lei ordinária.

  8. De resto, como bem concluiu o douto parecer subscrito pelo Prof. Doutor Rui de Medeiros e pelo advogado Pedro Fernández Sánchez — junto a estes autos com a contestação, como Doc. 1 —, «nenhum dos atos legislativos tendentes à reprivatização da B……. ou à modificação dos estatutos das suas participadas depende ou dependerá de deliberações das respetivas associadas» (pp. 99 e 111).

  9. Portanto, o legislador poderia até ter estabelecido outro tipo de regime no ato legislativo através do qual criou a Concessionária. Poderia até, por hipótese — ainda que absurda -, proibir expressamente a alteração futura dos estatutos então aprovados por ato legislativo. Todavia, em rigor, uma tal norma seria impotente perante nova valoração política-legislativa da matéria, consubstanciada em norma que, apresentando nível hierárquico igual ou superior, a viesse derrogar ou revogar.

  10. A tese de que, uma vez criada uma sociedade e aprovados os respetivos estatutos por decreto-lei, o poder jurisgénico se esgota, não tem o mínimo fundamento jurídico, desde logo por contrariar a regra lex posterior derogat legi priori — mesmo que o legislador, por...

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