Acórdão nº 01147/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Data da Resolução | 16 de Novembro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório -1 – A……………., Lda. com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 30 de Junho de 2014, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2002 no entendimento de que a notificação de tal liquidação não teve lugar para além do prazo de caducidade.
A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: I. É objecto do presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial relativa à liquidação adicional de IRC, quanto ao exercício de 2002, no montante global de €391 557,25 (trezentos e noventa e um mil quinhentos e cinquenta e sete euros e vinte cinco cêntimos).
II.
Considera a Recorrente que houve erro de aplicação de lei, na medida em que já se havia verificado o prazo de caducidade da liquidação, aquando da notificação da mesma, sustentando, deste modo, entendimento distinto do da Administração Fiscal e do Tribunal a quo quanto à duração do período de suspensão da caducidade, previsto pelo art. 46.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
III.
Nos termos do art. 45.º, n.º 1 da LGT, o direito à liquidação caduca no prazo de quatro anos e, sendo o IRC um imposto periódico, cujo facto gerador se considera verificado no último dia do período de tributação (in casu, 31.12.2002), o prazo de caducidade começou a contar-se no dia 01.01.2003, pelo que a caducidade estaria verificada no dia 31.12.2006, se não se verificassem quaisquer causas suspensivas ou interruptivas.
IV.
Inexistindo quaisquer causas de interrupção, importa tomar em consideração apenas a causa suspensiva verificada nos termos do art. 46.º n.º 1 da LGT, segundo a qual a suspensão tem início com a “notificação ao contribuinte, nos termos legais, de início de acção de inspecção externa” (na redacção em vigor à data).
V.
Para efeitos de enquadramento da questão da suspensão, é de referir que foi dado por provado que a notificação supra mencionada ocorreu a 18.09.2006, suspendendo a contagem do prazo de caducidade.
VI.
No que concerne ao termo final do período de suspensão, a Recorrente entende que o mesmo ocorreu no dia 09.02.2007, data em que terminou a acção de inspecção externa, enquanto o Tribunal a quo defende que esse termo final ocorreu a 10.03.2007, data da notificação do relatório de Inspecção Tributária.
VII.
Consequentemente, entende a Recorrente que o terminus do prazo de caducidade ocorreu em 25/05/2007, pelo que tendo sido notificada da liquidação em 08/06/2007, estava já caducado o direito à liquidação.
VIII. No essencial, a razão de divergência prende-se com o conceito de “acção de inspecção” e de “procedimento de inspecção” e das consequências daqui advenientes, limitando-se o Tribunal a quo a remeter qualquer explicitação das razões fundamentadoras da sua decisão para o Acórdão de 20/10/2010, proc. n.º 0112/10, deste alto tribunal.
IX. Desde logo, conquanto esta jurisprudência admita alguma imprecisão terminológica, no fundo sustenta que “acção de inspecção” equivale a “procedimento de inspecção”, enquanto a Recorrente, por seu turno, apoiando-se quer na doutrina quer no voto de vencido apresentado no Ac. de 21-11-2013, proc. nº 594/12 e já antes, nos Acs. de 7/12/2005, rec. n.º 993/05 e de 2/2/2006, rec. n.º 769/05, todos deste alto Tribunal, e ainda na jurisprudência do CAAD (Centro de arbitragem administrativa), Proc. n.º 33/2012-T, entende que a acção de inspecção corresponde apenas a uma parte do procedimento de inspecção.
X.
O primeiro dos elementos interpretativos em que se baseia a Recorrente para sustentar tal posição é a própria letra da lei, mais concretamente na LGT, que utiliza dois conceitos distintos, que respeitam à mesma matéria: no seu art. 46º, nº 1 refere-se expressamente a “acção de inspecção externa”, enquanto no seu art. 63.º, nº 3 (na versão aplicável) alude já ao “procedimento de inspecção”.
XI.
Já no âmbito do RCPIT, utilizam-se em sentidos claramente distintos, os referidos conceitos de “procedimento de inspecção”, “acção de inspecção” e “actos de inspecção”, como exemplificativamente referem os arts. 36.º, 51.º, 60.º, 61.º, 62.º.
XII.
Acção de inspecção externa” e “procedimento de inspecção externa” são realidades distintas, compreendendo-se neste a prática de todas as diligências e trâmites antecedentes da assinatura da ordem de serviço até à notificação do relatório da inspecção (art. 62.º n.ºs 1 e 2 do RCPIT), incluindo, por conseguinte, os actos prévios à decisão da realização da inspecção externa e os preparatórios da sua execução, os actos concretos de inspecção externa, a elaboração do relatório preliminar, a audiência do contribuinte e a elaboração do relatório final.
XIII. Por sua vez, por “acção de inspecção externa”deve entender-se apenas os actos praticados pela autoridade tributária nas instalações ou dependências do sujeito passivo, compreendendo o período que vai desde a notificação ao sujeito passivo da ordem de serviço que determinou o procedimento de inspecção (art. 51.º n.º 2, do RCPIT), até à notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento (art. 61.º, n.º 1, do RCPIT).
XIV.
Efectivamente, apenas existe um procedimento de inspecção tributária, cuja tipologia é que pode variar em função do critério classificativo, pelo que a distinção entre procedimento interno e externo deriva do local onde se realizam os concretos actos ou acções de inspecção (art. 13.º do RCPIT) sem que signifique, logicamente, que o último é integralmente externo, pois que, necessariamente, muitos dos actos do procedimento foram realizados internamente, tal como outros posteriores o serão.
XV. De tal sorte que ambos os procedimentos partilham actos comuns, como sejam, para além da preparação, programação e planeamento do procedimento, a notificação do projecto de conclusões do relatório, e audiência prévia, o relatório final e a notificação deste e outros não comuns, designadamente a notificação do início do procedimento, a notificação do início dos actos de inspecção e a conclusão dos mesmos.
XVI.
Em segundo lugar, um outro elemento diferenciador entre acção e procedimento externo, encontra-se nos respectivos termos de início, pois que o procedimento de inspecção iniciou-se antes da acção de inspecção externa, daquele se dando conhecimento ao contribuinte aquando da carta-aviso prevista no art. 49.º do RCPIT, notificação esta que é prévia, mediata ou anunciadora da acção inspectiva, e só excepcionalmente dispensável.
XVII.
Enquanto esta acção inspectiva se inicia com a notificação da ordem de serviço ou despacho, de forma presencial, imediata e constitutiva, materializando-se com a assinatura por parte do contribuinte ou de um seu representante, o que lhe confere um grau de especialidade tal que a lei não admite outra forma de notificação para o início da acção inspectiva, conforme disciplinam os arts. 46.º da LGT e 51.º do RCPIT.
XVIII.
Em terceiro lugar, também são distintos os termos da sua conclusão, tendo-se a acção de inspecção concluído com a nota de diligência, prescrita no art. 61.º, e o procedimento com a notificação do relatório final, nos termos do art. 62.º, ambos do RCPIT.
XIX. Nesta ordem de ideias, sendo de presumir que o legislador não estabelece ou consagra actos inúteis, importará, por conseguinte, deles extrair todo o seu significado.
XX.
Deste modo, apesar de à expressão «inspecção externa» constante do segmento final do art. 46.º, n.º 1 da LGT não estar agregado o vocábulo “acção”, tal como no segmento inicial, tem de pressupor-se que está aí implícito.
XXI. Acresce que, sendo certo que o legislador nada refere quanto ao termo da cessação do efeito suspensivo da caducidade, não será abusivo concluir que só pode dar-se por terminado aquilo que se tiver iniciado, pelo que é forçoso concluir que quando a norma da LGT menciona, na parte final, apenas a inspecção externa só pode estar a referir-se à mesma acção de inspecção externa, isto é, aos actos materiais de inspecção externa.
XXII.
Ora, apesar de se ter notificado o contribuinte de que a sua situação contributiva vai ser alvo de uma avaliação externa, através da carta-aviso, esta comunicação não tem a virtualidade de suspender o decurso do prazo de caducidade.
XXIII.
Parecendo lógico, na sistemática de todo o procedimento de que a notificação da nota de diligência do art. 61.º do RCPIT assume grande relevância e não tenha o fim único e exclusivo de dar conhecimento ao inspecionado de que a mesma é considerada concluída, conferindo-lhe também o direito de opor-se a actos inspectivos posteriores, para além de o informar que terminou o prazo de suspensão do prazo de caducidade.
XXIV. Assim, dirigindo-se o procedimento externo à prática de actos tributáveis e implicando necessariamente uma intromissão no normal decurso da vida do contribuinte, melhor se compreenderá que o legislador tenha prescrito exigências especiais comparativamente ao procedimento interno, as quais só são estabelecidas a favor do contribuinte e constituem garantias adicionais daquele.
XXV.
Não é, assim...
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