Acórdão nº 01524/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 09 de Novembro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1018/08.0BESNT 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A…………, Lda.” (doravante Impugnante ou Recorrida) na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão de autoliquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2003 e 2004, anulou esses actos tributários.
1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.
): «A) À luz do art. 78.º, n.º 1 e 2, da LGT, o dies a quo para apresentação da revisão do acto tributário, com fundamento no erro imputável aos serviços (4 anos), inicia-se com a apresentação da autoliquidação.
-
A douta sentença recorrida deu por assente que as autoliquidações identificadas no § 2.º [(A Recorrente refere-se ao art. 2.º das alegações de recurso, onde identifica as 10 autoliquidações – das 24 a que se refere a sentença – relativamente às quais considera que o pedido de revisão foi intempestivo.
)] foram apresentados em 05-03-2003; 07-04-2003; 06-05-2003; 03-06-2003; 04-07-2003; 07-08-2003; 14-09-2003; 07-10-2003; 06-11-2003 e 10-12-2003.
-
Afirmando, e bem, que o prazo legal de quatro anos para solicitar a revisão oficiosa dos actos terminou às 24 horas do dia 05-03-2007; 07-04-2007; 06-05-2007; 03-06-2007; 04-07-2007; 07-06-2007; 14-09-2007; 07-10-2007; 06-11-2007 e 10-12-2007.
-
Foi dado ainda por assente no probatório que o pedido de revisão foi apresentado em 31-12-2007.
-
Tendo sido apresentado pedido de revisão do acto tributário em data posterior ao dies ad quem fixado pela douta sentença, é líquido que, pelo menos relativamente às autoliquidações supra identificadas, o prazo de 4 anos mostra-se já ultrapassado F) Perante a factualidade, forçoso é concluir que as autoliquidações identificadas no § 2.º, mostram-se consolidadas na Ordem Jurídica, por via do denominado caso resolvido/caso decidido não sendo já possível a apreciação da sua legalidade, e a consequente anulação – como veio a ser decidido.
-
Só a tempestividade da revisão do acto tributário lograria abrir à impugnante a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações. Assente que foi no probatório a sua apresentação intempestiva tudo se passa como se aquela não tivesse existido.
-
Verifica-se, assim, que a douta sentença incorreu em contradição insanável, pois que os fundamentos de facto e direito invocados, no que tange às autoliquidações identificadas no § 2.º deveriam conduzir a um resultado precisamente oposto ao expresso na decisão, nos termos do art. 668.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
-
Não pode, pois, a sentença recorrida deixar de ser revogada e substituída por douto acórdão que, nesta parte, reconheça a excepção peremptória invocada em sede de contestação pela Fazenda julgando procedente o presente recurso e, parcialmente procedente a presente impugnação judicial, mantendo na Ordem Jurídica as autoliquidações identificadas no § 2.º deste articulado e os correspondentes juros compensatórios que lhes são associados, e rectificando-se, consequentemente, o decaimento das respectivas custas processuais.
Termos em que, com o mui douto suprimento, de V. Exas. deverá ser considerado procedente o recurso, e revogada a douta sentença na parte em que se recorre como é de Direito e Justiça».
1.3 A Impugnante apresentou contra-alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor: «I. Face às Conclusões do Recurso que delimitam o respectivo objecto, a questão a decidir nos presentes autos resume-se a saber se a apresentação do pedido de Revisão de Acto Tributário relativamente às autoliquidações de IVA efectuadas durante o ano de 2003 foi, ou não, tempestiva.
-
Na Sentença recorrida, o Tribunal a quo não foi totalmente esclarecedor não significando, porém, tal facto, que a decisão enferme do vício que lhe é assacado pela Fazenda Pública.
-
Não obstante o artigo 78.º n.º 1 da LGT refira que a iniciativa, nestes casos, pertence à Administração Tributária, tem sido unanimemente reconhecido pela Doutrina e pela Jurisprudência – e até pela própria Autoridade Tributária – que nada impede que sejam os sujeitos passivos a dar início ao procedimento, constituindo a AT na obrigação de proceder a essa Revisão.
-
Entende a Recorrente que a interpretação que melhor acolhe os elementos históricos, sistemático e racional de interpretação, e que melhor se coaduna com os princípios constitucionais relevantes, exige uma interpretação do artigo 78.º da LGT em conformidade com o artigo 45.º do mesmo diploma, preceito que regula as regras aplicáveis à caducidade do direito à liquidação.
-
Nos códigos que aprovaram a designada “Reforma Fiscal” de 1988 previa-se já a possibilidade de revisão a favor do contribuinte, no prazo de 5 anos, por erro imputável aos serviços (cfr. artigos 85.º, n.º 1 do Código do IRS e 81.º n.º 3 do Código do IRC).
-
O Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, veio admitir, generalizadamente, a revisão oficiosa dos actos tributários no prazo de 5 anos (equiparável ao prazo de caducidade, também de 5 anos, então previsto no artigo 33.º do CPT).
-
Tal opção legislativa compreende-se como imposição de uma igualdade de armas entre as Autoridade Tributária e o Contribuinte: se a Autoridade Tributária pode corrigir actos tributários no prazo de caducidade, entendeu o Legislador que também o contribuinte tinha o direito a ver corrigidas, a seu favor e no mesmo prazo, eventuais incorrecções dos actos tributários.
-
Este mesmo princípio subsistiu com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária onde o prazo previsto no artigo 78.º da LGT (4 anos) se encontrava em plena harmonia com o prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT.
-
A Lei n.º 32-B/2002 de 30 de Dezembro, introduziu uma disrupção neste regime passando a sujeitar o Imposto sobre o Valor Acrescentado ao regime aplicável aos impostos periódicos (artigo 45.º n.º 4 da LGT), realidade que foi posteriormente alargada, também, às retenções na fonte.
-
Neste sentido, o artigo 78.º da LGT deve ser interpretado em conformidade com artigo 45.º do mesmo compêndio legal, de onde resulta que a contagem do prazo de 4 anos para apresentação do pedido de Revisão de Acto Tributário deve ser contado nos mesmos termos que o prazo de caducidade.
-
É este entendimento que melhor se coaduna com “a aplicação efectiva do princípio da igualdade, e a estabilidade e coerência do sistema tributário” queridos pela LGT – cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro – e que resultavam já da lei de autorização legislativa que permitiu a aprovação da Lei Geral Tributária (Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto – artigo 1.º n.º 2).
-
É Jurisprudência abundante do Supremo Tribunal Administrativo que os Contribuintes poderão solicitar a Revisão dos Actos Tributários dentro dos limites temporais em que a Administração Tributária pode exercer o mesmo direito.
-
Como decorrência deste entendimento, resulta que, no caso em apreço, o pedido de Revisão do Acto Tributário poderia ser apresentado até ao dia 31/12/2007, razão pela qual a Sentença sub judice não merece censura.
Nestes termos e nos melhores de direito ao caso aplicáveis, que V. Ex.as, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente por não provado confirmando-se em consequência, a sentença recorrida».
1.4 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, apreciando ao abrigo do disposto no art. 617.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), a invocada nulidade da sentença, considerou «não existir qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão proferida, já que se entendeu como tempestivo o pedido de revisão do acto tributário controvertido nos autos».
1.5 O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia, declarando como tribunal competente o Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos a pedido da Recorrente.
1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, nos seguintes termos: «Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF de Sintra de 13.06.2014 que julgou procedente a impugnação e anulou os actos de liquidação sindicados.
Circunscreve o objecto do recurso à questão da existência ou não de contradição insanável entre os fundamentos de facto e a decisão proferida, no que tange às autoliquidações que, de acordo com a factualidade que resultou provada, foram apresentadas até 10.12.2013 (Cfr. alínea B) dos factos provados). Alega concretamente que, no que tange a essas autoliquidações, “os fundamentos de facto e direito invocados”...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO