Acórdão nº 01254/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelARAG
Data da Resolução11 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: O MUNICÍPIO DE LISBOA, inconformado, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 27 de Maio de 2016, que julgou procedente a acção para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária, pedindo o reconhecimento do direito à isenção de taxas urbanísticas relativas a obra de construção e ocupação da via pública, interposta pela SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue: I - Julgou o tribunal a quo na douta sentença de que ora se recorre, totalmente procedente a presente acção, por provada, e, em conformidade, condenou o R a reconhecer o direito da Autora à isenção das respectivas taxas urbanísticas liquidadas no âmbito dos processos administrativos n.°s 2364/OTR/2010 e 1319/EDI/2009.

II - O ora Recorrente não se conforma e repudia o teor e fundamentos da douta sentença.

III - O Decreto-Lei n° 40397 de 24 de Novembro de 1955 que determinava que a Misericórdia de Lisboa gozava de isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos foi expressamente revogado há 20 anos pelo Decreto-Lei n° 322/91 de 26 de Agosto que aprovou os então novos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia.

IV - Aquela norma de isenção foi porém mantida em vigor por força do artigo 34° daquele Decreto-Lei n° 322/91, que estabelecia que “Mantêm-se, a favor da Misericórdia de Lisboa, todas as isenções que lhe foram conferidas por lei.”.

V - Posteriormente, o Decreto-Lei n° 235/2008 de 3 de Dezembro que entrou em vigor em 2 de Janeiro de 2009, veio aprovar os novos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia, tendo no seu artigo 4°, e sem qualquer ressalva, procedido à expressa revogação do Decreto-Lei n° 322/91.

VI - Tal revogação expressa não deixa qualquer dúvida quanto ao desaparecimento do ordenamento jurídico da isenção ora invocada pela A. que apenas mantinha a sua vigência enquanto estivesse em vigor o artigo 34º do Decreto-Lei nº 322/91.

VII - Logo, desde a entrada em vigor do Decreto-lei n° 235/2008, as isenções de taxas municipais para a A. passaram a ser exclusivamente apreciadas no âmbito e de acordo com as disposições regulamentares municipais aplicáveis às taxas municipais em causa.

VIII - A sentença recorrida sufragou uma interpretação diversa que o Recorrente repudia e contraria, invocando a alteração constitucional de 2001 e a sucessão de diplomas legais em especial a nova LFL e o RGTAL que em 2007 vieram concretizar o princípio da autonomia financeira das autarquias na sua vertente de atribuição de poderes tributários às autarquias consagrado no n.° 4 do artigo 238.° da CRP.

IX - Com efeito e contrariamente ao que o tribunal a quo defende, ao legislador ordinário, por força daquele n.° 4 do artigo 238.° da CRP e dos diplomas legais que lhe vieram dar execução, encontra-se vedada a atribuição de isenções de taxas municipais criadas pelos municípios.

X - Tal impossibilidade é aliás também, em parte, defendida por SÉRGIO VASQUES na sua obra citada na douta sentença, Regime das Taxas Locais - Introdução e Comentário, 2008, Almedina, na medida em que “O que sempre se haverá de exigir do legislador naturalmente, e porque o princípio da equivalência não se fundamenta simplesmente no RTL mas representa uma projecção do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º da Constituição da República, é que também estas isenções estabelecidas por lei se mostrem necessárias, adequadas e proporcionadas em face dos objectivos extrafiscais que estejam em causa, um exame que deve ser feito com especial rigor sempre que revistam carácter subjectivo.

” XI - E mesmo defendendo uma interpretação restritiva do princípio da autonomia financeira das autarquias como faz o tribunal a quo e o supra citado autor, não poderá ainda assim, deixar-se de aceitar a limitação imposta pelo princípio da igualdade tributária também constitucionalmente consagrado, em especial, tratando-se de isenções subjectivas como nos lembra o ilustre autor e como é o caso da isenção sub iudice.

XII - A interpretação defendida pelo ilustre Professor SALDANHA SANCHES vai também no sentido do entendimento de que os poderes tributários das autarquias se lhes encontram reservados por via da articulação do disposto no n° 4 do artigo 238.° da CRP e da previsão legal dos mesmos na LFL e no RGTAL, ao dizer-nos que “No sistema constitucional português, os municípios dispõem de uma estrutura organizativa que conduz a uma larga autonomia em matéria financeira. Uma autonomia que inclui o exercício de poderes tributários como escreve SÉRVULO CORREIA. A “administração autárquica possui uma legitimação democrático-representativa que não seria compatível com uma simples actividade de execução da lei”. De onde conclui que o princípio da autonomia administrativa, traduzida numa autónoma normação autárquica se encontra numa relação não de contradição, mas antes de integração do princípio da legalidade” Essa integração passou a ser feita, depois da última revisão constitucional mediante a interacção entre os n.°s 3 e 4 do artigo 238.° da Constituição e a legislação ordinária” n.° 4 do artigo 238.°, introduzido na última revisão constitucional prevê a atribuição aos municípios, na aplicação de princípios como os que acima formulamos, de poderes tributários sem qualquer restrição de ordem material ainda que sob a condição de uma formulação específica do conteúdo desses poderes por lei.

XIII - No âmbito do seu poder tributário e das competências que lhe foram constitucional e legalmente atribuídas, o Município de Lisboa, através de deliberação da Assembleia Municipal, aprovou o Regulamento Municipal de Taxas Relacionadas com a Actividade Urbanística e Operações Conexas (publicado no DR - 2ª Série, n° 129 de 7 de Julho de 2009), atribui de forma geral e abstracta, isenções, conforme se encontra previsto no RGTAL, aplicáveis a todas as entidades que, à semelhança da Recorrida, sejam “... associações públicas, pessoas coletivas de utilidade pública, instituições particulares de solidariedade social ou outras associações sem fins lucrativos, que prossigam fins culturais, sociais, religiosos, desportivos ou recreativos” XIV - Atribuindo assim uma isenção de carácter subjectivo mas cujos potenciais sujeitos passivos são abstractamente descritos, não se permitindo assim a verificação de desigualdades na atribuição de isenções tributárias que claramente tem lugar com a aplicação da alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei n.° 40397.

XV - As entidades previstas no artigo 6° n°1 daquele Regulamento, beneficiam de uma redução de 30% do valor das taxas urbanísticas ali previstas, não se vislumbrando qualquer justificação para que a Recorrida beneficie de uma isenção total das mesmas taxas quanto às quais, v.g., a Igreja Católica e a Fundação de Assistência Médica Internacional (AMI) - também elas pessoas colectivas de utilidade pública que prestam assistência social e de saúde aos mais desprotegidos -, apenas possam beneficiar de 30% de redução, antes se lobrigando a verificação da violação do princípio da igualdade que resulta da interpretação restrita do princípio da autonomia financeira das autarquias contido no artigo 238.° da CRP, ao defender-se a manutenção e determinar a sua aplicação da norma legal de 1955.

XVI - Assim, sob pena de violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado e do princípio da autonomia financeira das autarquias, não é constitucional e legalmente defensável que a A. beneficie de uma isenção total de taxas municipais quanto às quais outras entidades que prossigam fins estatutários idênticos e tão meritórios quanto os seus, apenas beneficiem de uma redução de 30%.

XVII - Através da transcrição parcial do Acórdão n.° 285/2006 do Tribunal Constitucional, invoca-se na douta sentença recorrida que “...

quanto à norma que importa apreciar nos presentes autos é de afirmar que estão em causa interesses que transcendem o âmbito das autarquias locais, ultrapassando o universo dos interesses específicos das comunidades locais, atendo aos fins estatutários e ao âmbito territorial da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (artigos 2.º e 4.° dos Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei n.° 322/91). Nomeadamente, por esta pessoa colectiva de utilidade pública administrativa prosseguir humanitária e benemerentemente fins de acção social, prestações de cuidados de saúde, de educação e cultura e de promoção da qualidade de vida, sobretudo em proveito dos mais desprotegidos (artigos 1.º n.° 1, e 2.º n.º1, dos Estatutos), com clara relevância constitucional...”.

XVIII - Ora, conforme resulta do artigo 3° dos seus Estatutos (aprovados pelo Decreto Lei n.° 235/2008 de 3 de Dezembro) “a SCML...

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