Acórdão nº 0312/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução11 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 1419/17.3BESNT 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa, julgando procedente a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) pela sociedade denominada “A………, Lda.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrida), anulou o acto do Chefe do Serviço de Finanças de Cascais 1, que indeferiu o pedido de redução da hipoteca legal, com fundamento em violação do direito de audiência prévia.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «A questão essencial a decidir é apenas a de saber se, no âmbito do processo de execução fiscal, era essencial a audição prévia do contribuinte pela Administração Fiscal antes de determinar a hipoteca em causa nos autos.

  1. A douta sentença do Tribunal a quo entendeu que não estando em causa “a legitimidade da constituição da hipoteca, seja no âmbito do plano prestacional, seja para assegurar a cobrança coerciva da dívida para efeitos de venda (face à exclusão do plano), mas apenas se aquele acto devia ou ter sido precedido de audiência prévia. Considera-se que sim”.

  2. E fê-lo com a fundamentação que se transcreve: “Ainda que estejamos no âmbito do processo de execução fiscal que, nos termos do artigo 103.º da LGT tem natureza judicial em toda a sua extensão e amplitude, existem actos praticados pela Administração Tributária que têm natureza administrativa e que por isso estão sujeitos aos requisitos gerais dos actos administrativos. Aqui se incluem o direito de audição e a sua dispensa, bem como a respectiva fundamentação.

    O acto de constituição da hipoteca aqui praticado não se limita a tramitar o processo de execução. Projecta-se externamente na esfera da Reclamante, na sua situação individual e concreta. A actuação da autoridade tributária não foi de simples tramitação processual da execução, mas antes agiu direccionada à composição de interesses, sobre a relação jurídica tributária entre si e o sujeito passivo e sobre a obrigação que dela emana. Por aqui considera-se que há um procedimento administrativo, naturalmente com natureza tributária, enxertado no processo de execução fiscal.” C. E, posteriormente assinala: “Neste sentido, o acto de constituição da hipoteca constitui um acto administrativo em matéria tributária e que deveria ter sido precedido de audiência prévia da interessada, nos termos do artigo 60.º da LGT, 45.º do CPPT e artigo 121.º do CPA. Não tendo sido notificada para o efeito, verifica-se a preterição de uma formalidade essencial, geradora de anulabilidade da decisão.” D. Ora, é com este segmento decisório não pode a Fazenda Pública conformar-se, porquanto: E. Cumpre ter presente que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, não sendo um procedimento tributário, pelo que, apesar de no mesmo poderem ser praticados actos que não tenham natureza jurisdicional, designadamente actos administrativos, uma vez que ao chefe do órgão de execução fiscal cabe-lhe uma função administrativa, o certo é que estamos no seio de um processo judicial.

  3. O artigo 60.º da LGT regula o direito de audição que assiste aos contribuintes interessados de serem ouvidos num determinado procedimento antes de ser proferida a decisão, com vista a garantir a real observância dos princípios do contraditório, da participação e da transparência procedimental.

  4. Analisadas as regras processuais relativas ao processo de execução fiscal, dada a sua natureza judicial, as mesmas não prevêem o exercício do direito de audição antes de tomada uma decisão no âmbito do processo de execução fiscal, excepção feita ao acto de reversão, que antes da decisão fundamentada, tal como previsto na lei – artigo 23.º, n.º 4, da LGT – deverá ser precedido de audição do revertido.

  5. Por aqui se vê que as normas do procedimento tributário não são aplicáveis ao processo de execução fiscal, ou seja, no exemplo em concreto, face à não aplicação do princípio da participação previsto no artigo 60.º da LGT aos actos praticados no âmbito do processo de execução fiscal, teve o legislador necessidade de prever expressamente na lei o cumprimento desse princípio aquando do acto de reversão da dívida exequenda.

    I. O artigo 60.º da LGT respeita a um direito que os contribuintes têm durante o procedimento tributário, procedimento tributário esse que, tal como refere o artigo 54.º da LGT, onde descreve o âmbito e a forma do procedimento tributário, exclui do mesmo no seu n.º 1, alínea h) “A cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial”.

  6. O facto de a AT poder praticar no processo de execução fiscal actos de natureza não jurisdicional, não implica que todos os actos por ela praticados naquele processo constituam actos administrativos em sentido estrito.

  7. Atendendo aos conceitos temos o acto administrativo como o acto jurídico unilateral praticado por um órgão de Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto.

    L. O Código do Procedimento Administrativo usa o termo acto tanto no sentido amplo, mais corrente na doutrina (artigo 1.º, n.º 1, em que se considera o procedimento administrativo uma sucessão ordenada de factos), como num sentido mais restrito, em que o acto se confunde com a decisão, surgindo como a conclusão do procedimento, sentido em que aponta precisamente o artigo 120.º.

  8. Por actos materialmente administrativos devem entender-se aqueles que são emanados de um órgão próprio da administração (por exemplo a administração fiscal), no exercício do poder administrativo que lhe é cometido, capazes de produzirem efeitos jurídicos.

  9. O procedimento administrativo é entendido como uma cadeia de acções, sucessão encadeada e organizada de actos e formalidades, diferentes entre si mas relacionados, tendentes à obtenção de um resultado, concretizada numa decisão final (artigo 1.º do CPA) e de acordo com a al. h) do n.º 1 do artigo 54.º do CPPT “O procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente (...) a cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial”.

  10. Estes actos judiciais de tramitação processual sem natureza jurisdicional não dão origem a qualquer procedimento de natureza tributária, tratando-se antes de actos praticados pela AT no processo de execução fiscal, enquanto órgão de execução fiscal e em que age como “auxiliar do juiz” no processo de execução fiscal, enquanto responsável pela prática de actos respeitantes à instauração e prossecução da execução com vista à cobrança dos créditos em cobrança coerciva, P. subordinado então às regras processuais aplicáveis aos actos de natureza não jurisdicional praticados nos demais processos judiciais tributários e não às regras dos actos administrativos tributários ou do procedimento tributário e, como tal, deve ficar sujeita às regras do Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT Assim, Q. Apenas podemos concluir que a decisão de constituição de hipoteca legal para garantir o pagamento de uma dívida em cobrança num processo de execução fiscal, sendo um acto judicial de tramitação processual (de natureza não jurisdicional) está sujeito a estritas regras processuais, e não como entendeu o Tribunal a quo, um acto administrativo em matéria tributária, R. não dá origem a qualquer procedimento de natureza tributária, não tendo assim aplicação o artigo 60.º da LGT respeitante ao princípio da participação dos contribuintes nas decisões da AT no âmbito de um procedimento tributário.

  11. Entender-se de forma diversa, retirar-se-ia qualquer efeito útil aos actos consignados no artigo 195.º do CPPT, uma vez que a comunicação prévia poderia originar a subtracção à esfera garantística da administração dos créditos objecto de hipoteca.

  12. Este entendimento tem logo acolhimento na redacção dada ao n.º 2 do artigo 195.º do CPPT, transparecendo desta redacção, de forma clara e inequívoca, o afastamento da regra geral da participação dos interessados antes do acto de constituição de hipoteca no processo de execução fiscal.

  13. Tal se compreende dadas as características da execução fiscal: “A execução fiscal, dado o seu fim de arrecadação coerciva de dívida ao Estado ou entidades equiparadas, caracteriza-se, em primeira linha, pela sua celeridade (...) [tendo] este princípio geral (...) uma notável premência nesta forma de processo” – cfr. Laurentino da Silva Araújo, Processo de Execução Fiscal, Almedina, p. 27.

    V. Como refere, Soares Martinez, in Direito Fiscal, 7.ª edição, p. 444, “no processo de execução fiscal está em causa a cobrança de receitas tributárias que visam “a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento – artigo 5.º n.º 1, da Lei Geral Tributária.” W. E foi em consonância com o interesse público e a maior celeridade processual, de molde a obter-se a mais rápida arrecadação de receitas públicas a cobrar coercivamente, que o legislador fiscal, no processo de execução fiscal, regulou integral e imperativamente o regime de cobrança coerciva, não tendo expressamente previsto o exercício de audição prévia aquando da decisão de constituição de uma hipoteca para garantia da dívida exequenda, face desde logo à natureza judicial que lhe quis imputar.

    X. De resto, o processo de execução fiscal como processo judicial que é, permite todos os meios de impugnação próprios dos actos judiciais, garantindo um esclarecido e conveniente exercício e defesa dos direitos do...

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