Acórdão nº 0745/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução24 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, a fls. 318 e segs. dos autos, que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade A…………, SGPS, S.A. deduziu contra o indeferimento do recurso hierárquico que apresentou contra o acto de autoliquidação do IRC relativo ao exercício de 2008, no montante de € 396.764,89, anulando-o parcialmente e reconhecendo à impugnante o direito a juros indemnizatórios sobre o montante pago e a reembolsar.

1.1.

As alegações dos recursos mostram-se rematadas com as seguintes conclusões: I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………, SGPS, S.A. do indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra a autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2008, pretendendo a recorrente Fazenda Pública a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação improcedente.

  1. O objecto do presente recurso prende-se com a análise à invocada inconstitucionalidade formal da Circular 7/2004, de 30 de Março, a cujo conteúdo a impugnante recorreu para o apuramento dos encargos financeiros inscritos na aludida autoliquidação.

    Da inconstitucionalidade formal da Circular 7/2004, de 30 de Março III. O douto Tribunal, estribando-se numa decisão do CAAD (não transitada em julgado) concluiu pela imputação à Circular em causa de “vício de inconstitucionalidade formal, por violar os princípios da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República, consagrados nos artigos 103.º nº 2 e 165º nº 1 alínea i) da CRP”.

  2. Assim, e atendendo a que foi esta a fundamentação exarada na peça decisória, é neste âmbito que nos moveremos, procurando demonstrar que: (a) a Circular 7/2004 não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade e, (b) ainda que assim não fosse, incumbiria ao douto Tribunal a quo apurar se a autoliquidação está ou não conforme o previsto no artigo 31º do EBF para, assim, efectuar um juízo de legalidade ou ilegalidade de tal acto.

  3. Ora, o douto Tribunal a quo parte da seguinte premissa “o artigo 32º [do EBF] não dispõe quanto à forma como se devem concretizar os encargos financeiros associados a aquisições de participações sociais”, pelo que “a Circular 7/2004, de 30 de Março, veio estabelecer, no seu ponto 7, um método que permite a afectação dos passivos aos diferentes activos das SCPS’s” o que colide com os “princípios da legalidade e reserva formal da Assembleia da República, consagrados nos artigos 103º, nº 2 e 165º nº 1 alínea i) da CRP”, os quais “estabelecem a regra de reserva de lei para a criação e determinação dos elementos essenciais dos impostos, não podendo os mesmos deixar de constar de diploma legislativo”.

  4. Conclui o douto Tribunal que a Circular 7/2004, na medida em que introduz “uma métrica para quantificar os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, afecta a medida da tributação do contribuinte” e, consequentemente, acaba por desenvolver “o conteúdo da norma de incidência objectiva de IRC” sendo, assim, “formalmente inconstitucional por não constar de diploma emanado da Assembleia da República, em matéria que se insere na reserva de lei formal da Assembleia da República”.

  5. Com o devido respeito que tal decisão nos merece, não podemos perfilhar o entendimento agora sintetizado.

  6. Entre os princípios consagrados na denominada “Constituição Fiscal” avulta o princípio da legalidade (nº 2 do artigo 103º da CRP).

  7. O douto Tribunal recorrido considerou que a Administração desenvolveu o conteúdo da norma de incidência objectiva de IRC e, como tal, realiza uma “ilegítima regulação da incidência do imposto”.

  8. Impõe-se, portanto, saber se a Administração extravasou as suas competências ou se, face à indeterminação legal do artigo 31º nº 2 do EBF, se limitou a concretizar aquela norma, de molde a diminuir o grau de incerteza no que se refere à aplicação daquele regime.

  9. É certo que o legislador, ao elaborar o texto do artigo 31º do EBF, não definiu qualquer método de afectação dos encargos financeiros — no entanto, tal indeterminação legal não preclude a possibilidade de a Administração emanar orientações genéricas como a que se pôs em crise nos presentes autos.

  10. É que “a administração fiscal tem uma tarefa de conformação das situações da vida em concreto, através de uma margem de livre apreciação, nomeadamente quanto à determinação e quantificação da matéria tributável”.

  11. Não obsta a este entendimento a invocação de que o princípio da legalidade conduz a que a incidência do imposto em causa (IRC) tenha de ser determinada pelo poder legislativo, pois o invocado artigo 165º nº 1 alínea i) da CRP não significa que exista uma reserva absoluta de lei formal que exclua uma margem de livre apreciação na aplicação da lei por circular ou por acto administrativo.

  12. Na verdade, a interpretação que a Administração realize ou venha a realizar “não tem força de lei, não adquire o carácter de vinculatividade próprio das normas legais, não é interpretação autêntica e, por isso, a sua legalidade pode ser sempre questionada”.

  13. Isto é, a actuação da Administração (a emanação daquela orientação genérica) não tem, nem pretende ter, força de lei.

  14. Por conseguinte, a AT, ao interpretar e aplicar aquela norma, tendo observado os critérios de interpretação das normas fiscais, bem como todo o bloco de legalidade, realizou unia “interpretação defensável”, pelo que deve ser reconhecida àquela uma margem de livre apreciação, que nada tem quer ver com o exercício de qualquer poder legislativo.

  15. Refira-se ainda que, sendo as circulares uma das modalidades de tipificação administrativa, são inegáveis as suas vantagens no ordenamento fiscal, quer para a administração, quer para os administrados.

  16. Como subsídio argumentativo, diga-se que “se a lei fiscal é indeterminada, se os seus pressupostos e conteúdo não são formulados de modo suficientemente claro, de tal forma que o sujeito passivo não reconhece, imediatamente, a partir dela, a sua situação jurídica, não podendo assim orientar a sua conduta por ela, então há lugar importante para os regulamentos ou circulares tipificantes”.

    Ademais, XIX. Não sendo a Circular 7/2004 inconstitucional (ou ainda que o fosse), cremos que incumbiria ao douto Tribunal a quo, para que pudesse considerar a impugnação procedente, aferir da adequação da interpretação tipificada em tal Circular com o regime do artigo 31º do EBF.

  17. A via mais acertada a ser seguida pelo douto Tribunal a quo consistiria em pôr em confronto a previsão e a estatuição...

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