Acórdão nº 01502/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução24 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: * 1.1.

Sindicato Nacional dos Ferroviários e Afins reclamou, no Tribunal Tributário de Lisboa, do ato do Chefe de Serviço de Finanças Lisboa 3 que, no âmbito do processo de execução fiscal n.º3085200801108514, determinou a penhora do saldo da conta bancária de que é titular, peticionando o levantamento da mesma.

* 1.2.

Aquele Tribunal, por sentença de 06/11/2017 (fls. 115/123), julgou procedente a presente reclamação.

* 1.3.

É dessa decisão que a recorrente, Fazenda Pública, vem interpor recurso terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo: «A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a reclamação apresentada nos termos do disposto no art. 276.º do CPPT e anulou o acto de penhora de valores depositados na conta n.º …………, titulada pela reclamante, na instituição bancária Millennium BCP, acto coercivo praticado no âmbito do processo de execução fiscal à margem referenciado pelo órgão de execução fiscal competente, o Serviço de Finanças de Lisboa 3.

  1. A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.

  2. Com o devido respeito e salvo melhor entendimento, desde logo discordamos da solução perfilhada pelo douto Tribunal de primeira instância ao considerar que a norma do n.º 1 do artigo 453.º do Código do Trabalho se aplica ao processo de execução fiscal.

  3. De facto, a Lei Geral Tributária atribui expressamente ao processo de execução fiscal natureza judicial, de acordo com o disposto no n.º 1 do seu art. 103°.

  4. Não obstante, não poderemos olvidar que o processo de execução fiscal é instaurado e tramitado pelo serviço local de finanças competente para o efeito, praticando, portanto, este órgão actos de natureza administrativa, o que confere a este processo especificidades relativamente aos processos executivos que correm termos no Tribunal Judicial, situação que o próprio legislador espelhou na redacção do n.º 1 do art. 103.º da LGT e que motivou diversa discussão jurisprudencial acerca da natureza do processo de execução fiscal.

  5. De facto, não se pode olvidar que o processo de execução fiscal tem origem não em responsabilidade contratual que limita a relação entre particulares (no sentido de entidades de direito privado), mas sim na relação jurídico-tributária que se estabelece entre a Administração Fiscal e o sujeito passivo, G. relação esta que se encontra expressamente regulada na LGT, diploma legal que estabelece as obrigações principais e acessórias do sujeito passivo, bem como as consequências, quer para a sujeito passivo, quer para a Administração Fiscal, do incumprimento dos deveres que lhes incumbem.

  6. Em respeito pelos princípios constitucionalmente consagrados, na LGT o legislador consagrou diversas normas que mais não são do que corolários desses mesmos princípios, aplicados em concreto à regulação da relação jurídico-tributária, bem como ao procedimento e ao processo tributário (vide n.º 1 e 2 do art. 1.º da LGT).

    I. De facto, e como é consabido, este diploma, não obstante não ter natureza de lei de valor reforçado, pois não se enquadra nas situações previstas no n.º 3 do art. 112.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), J. atendendo à redacção do art. 1.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), tem natureza orientadora relativamente à interpretação das normas contidas neste último diploma legal, K. tendo o legislador pretendido acautelar que a interpretação das normas do CPPT se deve fazer de harmonia e conformidade com as disposições da LGT.

    L. Posto isto, estabelece o legislador, no artigo 36.º da LGT, que a relação jurídico-tributária se constitui com o facto tributário, sendo que os seus elementos essenciais não podem ser alterados por vontade das partes, não podendo a Administração Fiscal conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei.

  7. De facto, não se poderá olvidar que o princípio da legalidade fiscal, sendo este elemento de garantia dos contribuintes e habilitação da Administração Tributária.

  8. Quanto a este princípio, entendemos que as doutas palavras de Vasco Branco Guimarães (In Lições de Fiscalidade, 2012, almedina, página 62.

    ) elucidam perfeitamente o seu âmbito e a sua importância na construção do edifício legislativo fiscal e a regulamentação das relações entre a Administração e o contribuinte, pelo que adoptamos as duas vertentes deste princípio que são definidas pelo professor doutor como lei-fundamento e lei-garantia.

  9. De facto, e ainda na senda do pensamento do professor doutor Vasco Branco Guimarães, podemos, de forma simplificada, afirmar que a lei determina as formas e processos de formação da vontade legal e da administração em matéria fiscal, bem como regula as formas de relacionamento entre a Administração e os contribuintes e o conteúdo da obrigação de imposto, seu nascimento evolução e extinção.

  10. Por outro lado e neste seguimento, não se poderá olvidar que a tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado, obviamente em respeito pelos princípios constitucionais (vide art. 5.º da LGT).

  11. Posto isto, a Administração Fiscal, quer ao nível do procedimento, quer ao nível do processo tributários, tem o dever de nortear a sua actuação, através dos seus órgãos, pela Lei, sendo esta precisamente habilitante e limitadora ao mesmo tempo da actuação daquela.

  12. Por outro lado, estabelece o n.º 2 do art. 30.º da LGT que “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.

  13. Pelo exposto, a lei fiscal determina a indisponibilidade do crédito tributário, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributárias, prevalecendo esta disposição sobre qualquer legislação especial, T. motivo por que a indisponibilidade dos créditos tributários impõe-se à própria AT e a todos os particulares e não pode ser afastada por vontade das partes ou de terceiros, sendo decorrência directa dos fundamentais princípios da legalidade e igualdade tributárias, os quais encontram guarida nos artigos 266.º, 13.º, 103.º e 104.º, todos da CRP.

  14. A indisponibilidade dos créditos tributários - que significa que AT não pode discricionariamente alterar a relação jurídica tributária e, assim, dispor livre e autonomamente dos seus créditos - decorre, em última análise, do princípio da legalidade tributária.

    V. O princípio da legalidade, consagrado no art. 266.º, n.º 2, da CRP, impõe aos órgãos da AT que actuem no sentido da obtenção das prestações devidas nos termos da lei fiscal, certificando-se que os cidadãos cumprem a obrigação decorrente, desde logo, do n.º 3 do art. 103.º, n.º 3, da CRP, de pagar os impostos que «tenham sido criados nos termos da lei e cuja liquidação e cobrança» se façam nas formas «prescritas pela lei».

  15. Assim, impõe-se à AT que actue com vista à obtenção da prestação efectivamente devida nos termos da lei fiscal e do princípio da igualdade (vide arts. 13.º, 103.º, n.º 3, e 266.º, n.º 2, da CRP e art. 3.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (doravante, CPA)).

    X. A AT tem a obrigação de prosseguir o objectivo de tratar igual e uniformemente todos os contribuintes, maxime na exigência, modificação ou extinção das obrigações tributárias deles.

  16. Ambos os princípios estão também consagrados no art. 55.º da LGT, que enumera os princípios a observar pela AT na sua actividade.

  17. No campo das moratórias, estipula o n.º 3 do art. 36.º da LGT que: «A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei».

    AA. Em sintonia com o n.º 3 do art. 36.º da LGT, o art.º 85.º, n.º 3, do CPPT prevê que possam ser responsabilizados subsidiariamente os que, dolosamente, concederem moratórias fora dos casos previstos na lei.

    BB. Posto isto e reconduzindo-nos agora mais ao caso concreto, não poderemos olvidar que o processo de execução fiscal se encontra regulado especificamente no CPPT, sendo neste diploma legal que o legislador consagrou as especificidades do mesmo face à execução civil.

    CC. Mais uma vez se reitere que as normas legais do CPPT devem ser interpretadas em harmonia com a LGT, conforme se depreende do art. 1.º daquele diploma legal.

    DD. Assim sendo, dispõe o n.º 1 do art. 50.º da Lei Geral Tributária (doravante, LGT) que “O património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários”.

    EE. Por sua vez, na subsecção II da Secção VII do CPPT, designada “Da Penhora”, veio o legislador consagrar, consoante o tipo de bens em causa, as formalidades que devem nortear os actos coercivos de penhora em processo de execução fiscal.

    FF. Mais concretamente, a penhora de quantias depositadas em conta bancária encontra-se regulada no art. 223.º do CPPT, com a epígrafe “Formalidade da penhora de dinheiro ou de valores depositados”, estipulando-se que a penhora se efectua por meio de carta registada, com aviso de recepção, dirigida à entidade depositária, devendo a notificação conter ainda a indicação de que as quantias...

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