Acórdão nº 0617/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução25 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO 1. PARTIDO SOCIALISTA interpõe recurso para este Pleno do acórdão da secção do contencioso administrativo do STA, de 22.03.2017, que julgou improcedente a acção administrativa especial, que movera, em Maio de 2014, contra a ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, ao abrigo do art. 46° do CPTA, na redacção anterior ao DL 214-G/2015 de 2.10., pedindo a anulação do Despacho proferido pela Presidente da Assembleia da República, proferido em 28 de Março de 2014, que indeferiu a reclamação apresentada pelo A. em 8.1.2014 relativa à fixação do valor da subvenção, por força dos resultados obtidos nas eleições autárquicas realizadas em 29 de Setembro de 2013.

1.1. Conclui as suas alegações da seguinte forma: "1.ª) Não foi dada ao Recorrente a possibilidade de saber da existência de pronúncia do Ministério Público, pelo que o processo padece de nulidade pela omissão de um ato cuja lei obriga e que pode influir na decisão que sobre ele venha a recair, o que implica a anulação de todo o processado posterior do procedimento; 2.ª) O pedido inicial apresentado pelo Recorrente visava a anulação do despacho de S. Exa. a Presidente da Assembleia da República de 28 de março de 2014 que indeferiu as pretensões daquele em relação à fixação do valor da subvenção a que tinha legalmente direito por força dos resultados obtidos nas eleições autárquicas realizadas em 29 de setembro de 2013, seguido da condenação da Assembleia da República no pagamento do valor de 3.258.332,83€, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável às dívidas do Estado; 3.ª) Como ficou demonstrado na petição inicial apresentada, S. Exa. a Presidente da Assembleia da República fez uma errada aplicação da Lei n.º 1/2013, de 3 de janeiro, retirando ao Recorrente uma parte substancial da subvenção pública estatal a que tinha direito; 4.ª) Por outro lado, nem a Recorrida nem o Tribunal lograram demonstrar que o critério interpretativo que mais tarde veio a ser plasmado na Lei n.º 62/2014, de 26 de agosto, teria sido indicado previamente aos partidos, antes de iniciado o período eleitoral; 5.ª) Embora o despacho de 28 de março de 2014 de S. Exa. a Presidente da Assembleia da República refira que "(...) foi este o critério que a Entidade das Contas assinalou previamente aos Partidos, que com ele contaram para desenvolver os seus procedimentos eleitorais (...)".

6.ª) Como ficou sobejamente demonstrado através da análise da Lei n.º 1/2013, de 3 de janeiro, nos seus planos literal, sistemático, histórico e teleológico, nunca seria possível considerar uma interpretação que conduzisse a uma redução em 36% do valor da subvenção quando a referida lei determinava uma redução de 20%; 7.ª) O procedimento teve, posteriormente, diversos desenvolvimentos, em virtude da prolação de novos despachos por S. Exa. a Presidente da Assembleia da República, bem como da intervenção de várias entidades e, a final, com o surgimento de uma iniciativa legislativa expressamente dirigida; 8.ª) Em consequência, o objeto do processo foi ampliado para conhecer dos vícios de todos os atos que, com conexão e com relevo para o processo inicial, foram supervenientemente praticados, a saber os despachos de S. Exa. a Presidente da Assembleia da República de 24 de junho de 2014 e de 8 de setembro de 2014; 9.ª) Em particular porque com a prolação do despacho de S. Exa. a Presidente da Assembleia da República de 18 de junho de 2014 constituíram-se na esfera jurídica do Recorrente direitos que não podem ser revogados nem suspensos; 10.ª) E esses direitos constituídos e consolidados devem prevalecer e ficar salvaguardados mesmo que passe a vigorar na ordem jurídica ato legislativo, como veio a acontecer com a Lei n.º 62/2014, de 26 de agosto; 11.ª) Serviu, depois, o referido ato legislativo para habilitar a produção, em 8 de setembro de 2014, de um despacho reiterando o indeferimento da reclamação administrativa inicialmente apresentada pelo Recorrente em 9 de janeiro de 2014; 12.ª) Através deste mesmo despacho, foi ainda afastada a homologação do parecer do Conselho Consultivo da PGR, expressamente solicitado por S. Exa, a Presidente da Assembleia da República e que, de forma unânime e incontroversa, tinha dado razão ao Recorrente; 13.ª) Todas estas circunstâncias levaram ainda a que o Recorrente tenha suscitado a questão da inconstitucionalidade do artigo 1.° e do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2014, de 26 de agosto, bem como do despacho de 8 de setembro de 2014 de S. Exa. a Presidente da Assembleia da República, por violação do disposto no artigo 2.º e no n.º 5 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa, em face dos princípios constitucionais do Estado de Direito democrático, da proteção da confiança e da segurança jurídica, bem como da legalidade; 14.ª) Os aspetos centrais que estão em crise no Acórdão são o não reconhecimento de que a Lei n.º 1/2013, de 3 de janeiro, não podia ser interpretada de forma distinta daquela que foi sufragada pelo Conselho Consultivo da PGR e o não reconhecimento de que o despacho de 18 de junho de 2014, que homologou o referido parecer e mandou pagar o valor em falta ao Recorrente, produziu efeitos jurídicos na esfera jurídica deste e, de acordo com o princípio "tempus regit actum", foi adotado tendo em consideração o quadro normativo à data existente; 15.ª) Todos os despachos que foram emitidos em sentido contrário são inválidos e devem ser anulados; 16.ª) Por outro lado, também a Lei n.º 62/2014, de 26 de agosto, contém disposições que padecem de inconstitucionalidade seja porque, sob uma falsa veste interpretativa, introduzem inovações materiais destinadas a cobrir a juridicidade de atos anteriores, seja porque prevêem retroatividades ilimitadas que não salvaguardam direitos constituídos; 17.ª) Esta lei teve, aliás, a singularidade de, em momento posterior, vir afastar um ato administrativo fundado na legalidade, com tudo o que de grave pode representar para a segurança jurídica e para a previsibilidade e estabilidade da vida em sociedade a confusão entre o Estado-Administração e o Estado-Legislador; 18.ª) E mesmo que se entendesse que a Lei n.º 62/2014, de 26 de agosto, era válida, esta nunca poderia destruir os atos já construídos; 19.ª) É igualmente inconstitucional o despacho de 8 de setembro de 2014 porque, ao abrigo de uma interpretação inconstitucional da Lei n.º 62/2014, de 26 de agosto, vem afastar um despacho que já havia consolidado efeitos jurídicos no Recorrente.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente Recurso, revogando-se o Acórdão recorrido, sendo substituído por outro que acolha os fundamentos ora alegados pelo Recorrente.

Assim se fazendo a habitual Justiça!" 1.2. O recurso foi admitido, nos termos do despacho de fls. 323 (diferindo para momento posterior a decisão de sustentação).

1.3. A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA deduziu contra-alegações, fls. 327/337, com as seguintes conclusões: " (i.) A indicação no acórdão revidendo de que haviam sido colhidos os vistos legais não significa forçosamente que os mesmos tenham sido emitidos, o que sempre constituiria uma faculdade do Ministério Público, e não imposição legal, não tendo assim sido omitida nenhuma notificação às partes, e não havendo lugar à anulação de todo o processado posterior do procedimento.

(ii.) O parecer do Conselho Consultivo da PGR não era obrigatório nem vinculativo para Sua Excelência a Presidente da Assembleia da República, não afetando diretamente a esfera dos interessados, tal como o despacho de 18 de junho de 2014, que não pode ser encarado como sendo constitutivo de direitos.

(iii.) A suspensão dos efeitos deste despacho de Sua Excelência a Presidente da Assembleia da República assentou em razões de legalidade e não de mérito, atendendo à apresentação de iniciativa legislativa que visava proceder à interpretação do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2010, de 24 de dezembro, na redação conferida pela Lei n.º 1/2013, de 3 de janeiro.

(iv.) Após a entrada em vigor da Lei n.º 62/2014, de 26 de agosto, que consolidou a interpretação autêntica deste preceito, este mesmo despacho poderia ser declarado nulo, por carecer em absoluto de forma legal, ao abrigo da alínea f) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA em vigor à data dos factos, não se registando aqui a este respeito qualquer nulidade da decisão impugnada.

(v.) Não existe em todo este processo qualquer confusão entre o Estado administração e o Estado-legislador, visto que os despachos foram sucessivamente proferidos por Sua Excelência a Presidente da Assembleia da República, e a lei interpretativa foi aprovada em votação final pelo Plenário da Assembleia, não havendo assim confusão possível entre os dois órgãos.

(vi.) Ainda que este despacho de 18 de junho não configure um ato constitutivo de direitos, esta categoria de atas não pode considerar-se integrada na ratio do conceito de ato de natureza análoga, plasmado no n.º 1 do artigo 13º do CC, nos termos em que este é entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência, não podendo deixar de se considerar que a alegação do Recorrente não só contraria o que foi por si anteriormente argumentado no processo, como também se trata de uma questão nova, que não pode ser escrutinada em sede de recurso.

Isto posto, (vii.) O despacho de 10 de setembro de 2014 é o único que nesta data permanece em vigor na ordem jurídica, pelo que se compreende que a pronúncia deste ilustre Tribunal incida apenas sobre esta decisão, sem prejuízo dos alegados vícios agora imputados pelo Recorrente aos demais despachos anteriores que lhe foram desfavoráveis, configurando esta invocação uma verdadeira questão nova, não apreciável em sede de recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, aplicável aos presentes autos ex vi o artigo 1.º do CPTA.

(viii.) Por outro lado, não resultou da emissão do despacho de 18 de junho a concessão de qualquer direito ao Recorrente, visto que os...

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