Acórdão nº 0798/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1.Os Municípios de Valença e de Vila Nova de Cerveira intentaram, contra o Conselho de Ministros e em que eram contra-interessadas a “Z………., SA” e a “X…………., SA”, acção administrativa especial para impugnação dos actos contidos nos artºs. 1.º e 2.º, nºs. 1 e 2, ambos do DL n.º 45/2014, de 20/3 e na Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 3/4, imputando-lhes diversos vícios de violação de lei, por padecerem de inconstitucionalidade orgânica e material, infringirem os princípios da confiança, da autonomia local e da participação dos interessados na gestão dos serviços públicos e por consubstanciarem uma alteração aos estatutos da concessionária “X………..” efectuada pelo Estado-Legislador à margem de assembleia geral societária, com violação do dever de lealdade entre accionistas.

Na sua contestação, a Presidência do Conselho de Ministros suscitou a excepção da incompetência do tribunal em razão da matéria, com o fundamento que os actos impugnados, tendo sido praticados no exercício da função política e legislativa, estavam excluídos da jurisdição administrativa.

Pelo requerimento de fls. 232 a 234 dos autos, os AA., ao abrigo do art.º 63.º, do CPTA, ampliaram o objecto do processo, pedindo a anulação do acto contido no DL n.º 103/2014, de 2/7, que procedera à alteração dos estatutos da “X………..”.

O Exmº. Sr. Procurador-Geral-Adjunto junto deste STA, ao abrigo do art.º 85.º, do CPTA, pronunciou-se sobre o mérito da causa, tendo concluído que a acção deveria ser julgada improcedente.

Pelo despacho do relator de fls. 487 a 493 dos autos, foi julgada procedente a excepção da incompetência material do tribunal para apreciação da impugnação dos actos contidos nos DLs. nºs. 45/2014 e 103/2014, absolvendo-se os RR. da instância quanto ao pedido da sua anulação e improcedente a mesma excepção no que concerne ao pedido anulatório contido na Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, determinando-se a notificação das partes para efeitos do disposto no art.º 91.º, n.º 4, do CPTA.

Os AA. alegaram, tendo formulado as seguintes conclusões: “ I. Os actos concretos contidos na Resolução do Conselho de Ministros n°. 30/2014, datada de 3 de Abril de 2014, publicada no D. R., Iª Série, n°. 69, de 8 de Abril de 2014, constituem, materialmente, actos jurídico-administrativos, que afectam, directamente, os Municípios do Vale do Minho (Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira), as suas populações, os seus direitos e interesses legalmente protegidos.

  1. Não retira o carácter individual e concreto dos actos praticados e, consequentemente, a natureza de actos administrativos, o facto de os mesmos se repercutirem na esfera jurídica de vários municípios, uma vez que isso nada mais significa do que a prática de actos plurais ou colectivos.

  2. Os referidos actos têm eficácia externa, face ao facto de os mesmos produzirem efeitos jurídicos externos imediatos, afectando claramente os municípios do Vale do Minho detentores de participações no capital social da X……….juntamente com a Z……….., que se vêm confrontados com uma privatização que não quiseram, que lhes é imposta, sobre a qual não foram previamente ouvidos e que atenta contra todo o edifício societário e administrativo construído a partir da constituição da X……….., os seus objectivos, o interesse público inerente a essa constituição e aos valores ambientais que presidiram à constituição da empresa, à concessão do sistema aludido e à sua correcta gestão e exploração em benefício das populações abrangidas. -artigo 51° do CPTA.

  3. Estão em causa actos materialmente administrativos, praticados pelo Conselho de Ministros, dotados de eficácia externa e, como tal, impugnáveis nos Tribunais da jurisdição administrativa - artigo 51° do CPTA - sendo que o facto de constarem de acto legislativo é inócuo, tendo em, conta que a lei consagra claramente o princípio da irrelevância da forma - artigos 268.º/4 da CRP e 52.º/1 do CPTA.

  4. As sociedades gestoras dos sistemas multimunicipais de resíduos constituem empresas públicas, tal como sucessivamente foram caracterizadas, quer pelo Decreto-Lei n.° 558/99, de 27 de Dezembro, quer pelo actual Decreto-Lei n.° 133/2013, de 3 de Outubro.

  5. A alienação do capital social das sociedades gestoras dos sistemas multimunicipais configura uma transformação jurídico-societária de natureza extintiva e não apenas uma operação de alienação de acções.

  6. É da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre as "Bases gerais do estatuto das empresas públicas" - alínea d) do artigo 161.° da Constituição e u) do n.° 1 do artigo 165.° da CRP.

  7. O Decreto-Lei n.° 133/2013, de 3 de Outubro, que estabelece os princípios e regras aplicáveis ao sector público empresarial, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas (n.° 1 do artigo 1.°), determina que a alteração dos estatutos de empresas públicas deve ser realizada nos termos do Código das Sociedades Comerciais quando esteja em causa uma sociedade comercial, devendo, neste caso, os projectos de alteração ser devidamente fundamentados e aprovados pelo titular da função accionista.

  8. Relativamente à extinção de empresas públicas, determina-se no n.° 1 do artigo 35.° que esta é realizada através de decreto-lei ou nos termos do Código das Sociedades Comerciais, consoante se trate de entidade pública empresarial ou sociedade comercial, embora se ressalvem os casos em que estas últimas tenham sido constituídas por decreto-lei, podendo, nestes casos, aplicar-se a mesma forma para efeitos de extinção.

  9. Não obstante a Constituição não estabelecer o conceito de leis de bases, como tem entendido o Tribunal Constitucional, (cfr., entre outros, os Acs. do TC n.° 493/05 e n.° 620/2007), ainda que a própria lei não se qualifique como tal, presume-se que são leis de bases as leis da Assembleia da República nas matérias em que a reserva de lei se limita justamente às bases dos regimes jurídicos previstas nos artigos 164.° e 165.° da Constituição.

  10. Atendendo aos dados anteriores e ao contexto processual/procedimental e societário que envolve as empresas de gestão e exploração dos sistemas multimunicipais é defensável concluir-se que um tal processo e o ambiente societário específico - uma empresa mista, por integrar capitais do Estados e dos municípios - que o tem por objecto não se assume como uma situação jurídico-constitucional que convoca o âmbito extensivo e intensivo do conceito constitucional das bases gerais das empresas públicas.

  11. Os diplomas que procedam a alterações ou concretizem os actuais estatutos das empresas gestoras dos sistemas multimunicipais de resíduos consubstanciam materialmente actos administrativos sob a forma legal, unilateral e concretamente definidores de inovações estatutárias, ao arrepio do que estabelecem e impõem as bases gerais das empresas públicas.

  12. Os Municípios accionistas, por força dos actos substancialmente administrativos do Estado-Administração — e não do Estado-accionista -, quais sejam os que contam da Resolução 30/2014, de 3/4, vêem-se impedidos de acautelar na sede própria da sociedade - a Assembleia Geral - os interesses próprios que o respectivo estatuto constitucional de que são titulares pressupõe e que se projectam na qualidade de accionistas de tais empresas, o que os inquina de inconstitucionalidade material.

  13. Os diplomas que alteraram os estatutos das sociedades públicas gestoras dos sistemas multimunicipais padecem ainda de inconstitucionalidade orgânica, porquanto o Governo está, nesta matéria, a invadir a competência exclusiva da Assembleia da República.

  14. Partindo do pressuposto de que o conceito constitucional de bases gerais de empresas públicas abarca qualquer fenómeno jurídico que determine a respectiva extinção, não pode deixar de concluir-se que um processo como aquele que se discute, podendo, pelo menos, eventualmente conduzir à extinção material ou substancial de empresas públicas, não se acha habilitado, nem pelo decreto-lei autorizado que estabelece as bases gerais das empresas públicas, nem sequer na respectiva lei de autorização.

  15. A reprivatização da Z……….. terá consequências que não se limitam à relação entre a Águas de Portugal e a Z………., mas que têm reflexos nas várias sociedades em que esta participa, maxime nos planos económico, administrativo e jurídico, sendo certo que, subtraindo à Z....... a natureza de entidade pública, atinge o estatuto jurídico de todas as suas participadas.

  16. No caso das sociedades ora em análise, o legislador, no acto da sua constituição, consagrou expressamente (ou nos estatutos, ou através de remissão expressa para a "lei comercial", i.é, para o regime do CSC), que as eventuais alterações ao estatutos que se viessem a verificar posteriormente estariam sujeitas à disciplina do CSC, o que, na prática, significa que são as próprias sociedades quem, recorrendo aos instrumentos de modificação dos estatutos constantes do referido diploma, detêm aquele poder.

  17. Apesar de criadas por acto do governo, este órgão, após esse acto, está impedido de, unilateralmente, alterar os estatutos das sociedades, que pressupõe a intervenção destas últimas e, uma vez que o regime estatutário de cada uma das sociedades participadas é imperativo, a operação de reprivatização da Z……… não pode deixar de o respeitar, não obstante esteja sustentada pelo poder legislativo do Governo.

  18. A operação de reprivatização colide, quer com os diplomas legais que criaram as sociedades, quer com os estatutos de cada uma delas, sendo por esse mesmo motivo que a citada reprivatização abrange a alteração de ambos, precisamente porque, na redacção actual, nenhum consente a reprivatização almejada.

  19. Tendo em conta que o que releva é o objectivo de impedir a prática de qualquer acto que atinja a base pública da sociedade, deve entender-se que os preceitos estatutários que consagram...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT