Acórdão nº 01002/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório O Estado Português vem interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º nº 1 do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte) que condenou o Estado Português a «cumprir o contrato de associação id. nos autos, de acordo com a legislação nele indicada, retomando o procedimento para apuramento e pagamento ao Recorrente (A………………., Lda.), no prazo de 30 dias, do montante definitivo do financiamento, acrescido de juros de mora à taxa legal sobre o montante em dívida desde a citação até efectivo pagamento».

O Estado Português, representado pelo Ministério Público apresentou alegações com conclusões do seguinte teor: I- Mostram-se preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no art° 150.º do CPTA II- Atenta a natureza e fim do contrato administrativo em causa, enquanto contrato típico, sujeito a um regime substantivo de direito público, geral (CPA e CCP) e específico (Decreto-Lei n° 553/80, de 21/11), é manifesto que o mesmo está subordinado a normas jurídicas de conteúdo imperativo ou injuntivo, que limitam, ou excluem, em alguns aspectos a liberdade negocial e conferem à Administração/contraente público poderes públicos de autoridade, instrumentais à prossecução do interesse público, a exercitar de forma unilateral.

III- Na sequência das alterações legislativas introduzidas ao Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo pelo Decreto-Lei n° 138-C/2010, de 28/12, designadamente, ao seu art. 15°, o subsídio a conceder pelo Estado com referência ao período de Janeiro a Agosto de 2011 (aqui em causa) veio a ser fixado unilateral e autoritariamente através da norma transitória do n° 1, o art. 16° da Portaria n° 1324-A/2010, de 29/12 que, além do mais, e em cumprimento e nos termos previstos naquele preceito legal, veio fixar o valor do apoio financeiro (consistente na atribuição de um subsídio) concedido pelo Estado às escolas que celebrem contrato de associação, para aquele período temporal.

IV- A aplicação imediata dessas alterações legislativas, além de não ser proibida por lei (v. art. 12°, n° 2, do Código Civil), foi já sancionada pelo Tribunal Constitucional (Acórdão n° 287/1990, 505/2008 e 85/2010) e tem apoio nos Pareceres da Procuradoria-Geral da República (Pareceres n°s 239/77 de 2 1/12 e 11/2003 de 27/02).

V- No caso em apreço foi manifesta a intenção do legislador em aplicar imediatamente aos contratos em curso o novo regime legal, que veio introduzir alterações ao Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, especialmente a norma do art° 16° da Portaria n° 1324-A/2010, que veio fixar o montante do apoio financeiro.

VI- Estas alterações foram motivadas e tiveram subjacente o interesse público, de premente adaptação do anterior regime jurídico à realidade actual e a novas necessidades.

VII- Traduzindo aquele decreto-lei, como expressamente se refere no respectivo preâmbulo, “um exercício de racionalização da gestão dos recursos financeiros públicos, que ganha particular relevo num momento de esforço nacional de consolidação e equilíbrio das contas públicas”.

VIII- Esforço que o país tem vindo a desenvolver na tentativa de racionalização de meios e de diminuição das despesas públicas, e que é transversal, atingindo os diversos sectores (como o caso dos cortes no vencimento dos funcionários públicos), incluindo o próprio sector público da educação, nomeadamente, através do agrupamento ou agregação de escolas, quer através da redução do número de professores.

IX- Estas alterações legislativos vieram apenas repor a equação financeira que desde sempre presidira à celebração dos contratos de associação mas que, entretanto, se rompera, sem haver, por isso, lugar a qualquer alteração substancial do contrato e, nessa medida, a qualquer violação das expectativas que, de acordo com a lei, a Autora nele podia depositar.

X- A adenda ao contrato de associação, respeitante unicamente ao montante do apoio financeiro devido com referência ao período temporal de Janeiro a Agosto de 2011, resultou, apenas e tão-só, da mera necessidade de adaptar formalmente o contrato em vigor às indicadas alterações legislativas ao regime específico do contrato de associação, que, por expressa intenção do legislador, lhe eram imediatamente aplicáveis.

XI- Não consubstanciando, pois, essa adenda qualquer modificação unilateral do contrato, efectuada por iniciativa do contraente público no âmbito dos poderes gerais de conformação da relação contratual que lhe são reconhecidos pelo art. 302° do CCP.

XII- A DREC limitou-se a cumprir o novo regime jurídico, de natureza imperativa, e imediatamente aplicável, calculando o seu montante de acordo com a fórmula que, para esse período temporal, foi especificamente prevista na citada norma transitória do art. 16°, n° 1, da Portaria n° 1324 de 29/12.

XIII- Assim, ao contrário do decidido no Acórdão deste TCAN, a Autora apenas terá direito a receber o correspondente subsídio calculado nos termos daquela norma transitória, a que se reporta a adenda em causa.

XIV- Deste modo, o Acórdão incorreu em erro de julgamento, violando o disposto no art. 16°, n° 1, da Portaria n° 1324-A/2010, de 29/12, que veio concretizar as alterações legislativas operadas pelo Decreto-Lei n° 138-C/2010, de 28/12, designadamente ao referenciado art. 15° do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo.

Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido.

O A……………………….. vem apresentar as suas contra-alegações e ampliar o objecto do recurso, com as conclusões seguintes: 1) O recurso excecional de revista não deve ser admitido, por não se verificarem os pressupostos legais.

2) Mesmo a se admitido, no que não se concede e apenas por mera hipótese académica se coloca, o mesmo deverá naufragar pelos motivos expostos, que seguem e grande medida o acórdão “sub judice” e a fundamentação do Acórdão do TCAN, tirado no Processo n° 285/11.7BECBR, datado 19/02/2016, cuja Relatora é a Veneranda Desembargadora Esperança Mealha, disponível em www.dgsi.pt 3) No caso de proceder o recurso excecional de revista, no que não se concede, a ora recorrida invocou expressamente a inconstitucionalidade do decreto-lei n° 138-C/2010, de 28/12 e a inconstitucionalidade/ilegalidade da portaria n° 1324-A/2010, de 29/12, que se renova; 4) O contrato de associação é um contrato administrativo no qual a administração não tinha o poder de fixar unilateralmente o preço a pagar pela prestação de um serviço de interesse público prestado pelo contraente particular; os poderes de autoridade consistiam somente nos poderes de proceder a inspeções administrativas e financeiras, nos termos do n° 5 do artigo 12° do DL n° 553/80, de 21/11, na redação vigente à data da celebração do contrato; 5) A alteração legislativa efetuada pelo DL no 138-C/2010, de 28/12 e pela portaria n° 1324-A/2010, de 29/12, com respaldo na “adenda”, é absolutamente violadora das legitimas expectativas do contraente particular, que tinha outorgado um contrato com vigência entre 1/9/2010 e 31/8/2011, que previa o pagamento de uma quantia pecuniária, cujo apuramento final dependia da execução do próprio contrato, mormente em função da gestão do corpo docente que a recorrida efetuava e da sua própria pronúncia; 6) O número três da cláusula terceira do referido contrato não legitima qualquer alteração superveniente ao regime de financiamento das escolas particulares com contrato de associação, dado que a mesma apenas pode ser interpretada no sentido de serem aplicáveis ao contrato “sub judice” as normas que incidissem sobre o ensino particular e cooperativo vigente à data da celebração do contrato de associação (12/10/2010); 7) Mais. O novo modelo de financiamento, aplicado aos contratos em execução cuja contrapartida financeira devia ser encontrada por consenso entre as partes após a execução efetiva do contrato, levou ainda em consideração para o período entre 1/1/2011 e 31/8/2011 os pagamentos efetuados entre 1/9/2010 e 31/12/2011, ao abrigo de outros critérios; penalizou-se assim, retroativa e desproporcionadamente, a recorrida: 8) Violou-se, portanto, o princípio de proteção da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito democrático, bem como todos os princípios que regem a interpretação dos negócios jurídicos e dos contratos, em particular.

9) O decreto-lei n° 138-C/2010, de 28/12 impôs expressamente a renegociação dos contratos de associação, sem prejuízo da vigência dos contratos em execução, pelo que, levando em consideração o artigo 9º do Código Civil, é óbvio que aquele diploma legal impôs um processo negocial entre as partes, levando em consideração nomeadamente os custos de funcionamento de cada escola e os princípios de suficiência de financiamento e de diferenciação de custos: 10) A “adenda” constitua assim uma proposta negocial e não uma alteração unilateral do contrato de associação, considerando desde logo que o recorrente não transferiu qualquer outra verba enquanto a recorrida não assinou a “adenda”, embora sob protesto, por necessitar da sua assinatura; 11) Os alegados desequilíbrios/racionalização de meios no domínio da oferta educativa da escola não se resolvem com a redução abrupta e ilegal do preço a pagar pela prestação de um serviço de interesse público, que aliás a recorrida continuou a prestar nas mesmas condições qualitativas e quantitativas previstas inicialmente; 12) O decreto-lei n° 138-C/2010, de 28/12 e a portaria n° 1324-A/2010, de 29/12 são inconstitucionais, pelos motivos procedimentais, formais e materiais alegados, pelo que caberá ao tribunal recusar a aplicação dos referidos normativos, mantendo a condenação do recorrido.

13) Mas mesmo que o tribunal entenda que a “adenda” consubstanciou uma fixação unilateral do preço a pagar, por alteração unilateral ao consensualizado em 12/10/2010, então caber-lhe-ia...

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