Acórdão nº 0142/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução23 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o atual n.º 6 do artigo 150.º do CPTA: * 1.1.

A……, S.A., requereu o pedido de pronúncia arbitral relativa à liquidação de IRC e juros compensatórios do exercício de 2014, tendo peticionado a sua nulidade.

* 1.2.

O Centro de Arbitragem Administrativa, pelo acórdão de 23/05/2017, Processo n.º 564/2016-T, julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

* 1.3.

Dessa decisão foi interposto recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 26/10/2017 (fls. 50/62), julgou improcedente a impugnação do acórdão arbitral.

* 1.4.

É desse acórdão que a recorrente vem requerer a admissão do recurso de revista excecional terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo: «Admissibilidade do Recurso A. Guiado por ratios diferentes, o legislador estabeleceu no RJAT dois regimes de recurso diversos, consoante o tipo de vício em causa: relativamente ao controlo do mérito das decisões arbitrais, entendeu o legislador consagrar o princípio da irrecorribilidade; relativamente ao controlo da legalidade formal da decisão, o legislador optou apenas por restringir os fundamentos de recurso; B. O princípio da irrecorribilidade foi, portanto, pensado e consagrado exclusivamente para a revisão do mérito das decisões arbitrais (artigo 26.º do RJAT), não do controlo formal feito em processo de anulação (artigo 27.º do RJAT); C. Ou seja, se o legislador não consagrou a irrecorribilidade da decisão arbitral com fundamento em vícios formais, não pode o intérprete substituir-se ao legislador e tratar como iguais dois casos que são desiguais (recurso de mérito vs recurso de forma), para lhes aplicar cegamente o mesmo princípio, sem base normativa e teleológica para tanto; D. Consequentemente, a Revista Excecional é admissível em processo de anulação de decisão arbitral, por não lhe ser aplicável o princípio da irrecorribilidade; Mas, mesmo que assim não fosse, o princípio da irrecorribilidade não impediria a admissibilidade da Revista Excecional em processo de anulação, por imperativo de coerência sistemática; E. Se o legislador, em exceção ao princípio da irrecorribilidade do mérito, consagrou a possibilidade de sindicância das decisões arbitrais para uniformização de jurisprudência, não pode afirmar-se que em matéria de anulação a restrição é maior, afastando a Revista Excecional, que veicula precisamente os mesmos princípios, sobretudo numa jurisdição de direitos indisponíveis, como é o caso da fiscal; F. Se o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) pode fazer revisão quanto ao mérito das decisões arbitrais para efeitos de uniformização, tem de o poder fazer também quanto à forma, pois quem pode o mais, pode o menos; G. Qualquer interpretação que considere a Revista Excecional inadmissível em processo de anulação da sentença arbitral é inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, o que expressamente se invoca, por mera cautela de patrocínio; Pressupostos da Revista Excecional H. Interpõe-se recurso do Acórdão que considerou a decisão arbitral fundamentada, na medida em que entendeu que da fundamentação da decisão arbitral se retira a doutrina jurídica em que a mesma se baseia; I. Por, na verdade, a decisão arbitral não demonstrar por que motivo jurídico é a vontade das partes um critério relevante para efeitos fiscais, nem por recurso a normas, nem a princípios, nem a doutrina jurídica; J. A decisão do Tribunal a quo padece, portanto, de erro crasso na apreciação do conceito de fundamentação com base em doutrina jurídica e na subsunção do mesmo ao caso concreto; K. Consequentemente, in casu, é essencial esclarecer, em primeiro lugar, se a Revista Excecional é admissível em processo de anulação de decisão arbitral; e, em segundo lugar, o que se pode considerar como fundamentação com base em doutrina jurídica, pois a absoluta indefinição jurisprudencial deste conceito pode inutilizar a falta de fundamentação como motivo de anulação das decisões arbitrais.

E. Quanto ao primeiro ponto, relembra-se a dignidade constitucional dos princípios veiculados pela Revista Excecional e salienta-se que, em matérias de última ratio como as abrangidas pela Revista Excecional, não há motivo para distinguir entre a impugnação de uma decisão judicial e arbitral, pois o fim de harmonização de aplicação do direito é válido para ambas, na mesma exata medida; M. Mais, a complexidade deste tema é tal que a admissibilidade da Revista Excecional em matéria de arbitragem tributária foi objeto de decisões contrárias por parte do STA, havendo uma necessidade clara de uniformização de jurisprudência nesta matéria; N. Assim, não só é manifesta a relevância jurídica da questão, como a sua solução é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pelo que, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, a Revista Excecional deve ser admitida; O. Quanto ao segundo ponto, importa definir que uma decisão desacompanhada de uma única menção a normas ou princípios jurídicos, a orientações de juristas de reconhecido mérito, ou a jurisprudência, não pode nunca ser considerada como fundamentada de Direito, muito menos com base em doutrina jurídica; P. A fundamentação das decisões é um princípio basilar do sistema jurídico, com assento constitucional, portanto, a definição do que se entende por fundamentação é de manifesta relevância jurídica, sobretudo neste caso concreto, em que o Tribunal recorrido tratou a matéria de forma ostensivamente errada e juridicamente insustentável qualificando como doutrina o que é apenas uma tese sem base legal, tornando a intervenção do STA essencial para regulação da matéria; Q. Assim, atenta a manifesta (a) relevância jurídica da questão e o facto de a sua solução ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, a Revista Excecional deve ser admitida, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA Fundamentação R. Da decisão arbitral não se retira sequer fundamentação jurídica, quanto mais doutrina jurídica. O que se retira da decisão é, tão-só, uma adesão ao critério da Autoridade Tributária, sem a preocupação de apresentar qualquer raciocínio jurídico que a justifique e permita a sua aplicação, ao abrigo da lei ao caso concreto; S. Para que haja fundamentação de uma decisão exige-se que esteja demonstrado um iter de raciocínio jurídico que convença o leitor de que a lei dá relevância a certos factos jurídicos. Isto porque, sem este passo de fundamentação normativa (por recurso a normas, princípios ou doutrina), a decisão não tem base jurídica e, consequentemente, é arbitrária; T. Ou seja, a fundamentação de um ato jurisdicional tem de ser lógico-jurídica e não meramente lógica, pois os tribunais são órgãos de soberania vinculados à aplicação da lei; U. No caso concreto, a decisão arbitral explica por que motivos lhe parece bem que se aplique o valor declarado na escritura (em suma, porque é consensual), porém, não demonstra, nem convence, por que motivo o consenso das partes é juridicamente relevante para efeitos fiscais, pois não refere nenhuma norma, princípio ou doutrina jurídica que o afirme – ou seja, omite em absoluto a motivação jurídica positiva da decisão tomada, violando o dever de fundamentação; V. Mais grave, o critério encontrado, além de vir desacompanhado de qualquer base legal ou apoio doutrinário, é juridicamente insustentável, pois tem o efeito perverso de permitir que as partes possam manipular, por retificações às escrituras (por consenso), elementos fiscalmente relevantes.

W. Portanto, ainda que se admita que a decisão evidencia o raciocínio lógico que lhe subjaz (embora ilógico, porque insustentável), é notório que o mesmo não é lógico-jurídico, como a lei impõe, pois não é feita qualquer ponderação ou exegese jurídica da questão (normativa, sistemática ou outra); X. Em suma, apresentar uma motivação meramente lógica não é cumprir o dever de fundamentação jurídica, pois não demonstra que a decisão é fundamentada na lei; Y. A fundamentação jurídica só é baseada em doutrina jurídica se se suportar em opiniões doutrinárias de juristas de reconhecido mérito ou em orientações jurisprudenciais, regulares ou exemplares.

Z. Ora, a decisão arbitral não cita uma única decisão judicial ou arbitral, não cita qualquer parecer jurídico, nem sequer faz menção a um único jurista, portanto, ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido, é mais que manifesto que a decisão arbitral não se fundamenta em doutrina jurídica; AA. Na verdade, o que a decisão arbitral faz é limitar-se a aderir descaradamente à posição da Autoridade Tributária, que é parte no processo, o que é proibido pelo n.º 2 do artigo 158.º do CPC; BB. Face a tudo o exposto, é notório que a decisão arbitral não é fundamentada de Direito, nem é baseada em doutrina jurídica alguma, nem sequer tenta sê-lo – tenta sim fazer doutrina, sem base legal, seja uma norma, um princípio ou considerações sistemáticas lógico-jurídicos, o que não se pode aceitar; CC. Se a motivação de uma decisão arbitral não é nem uma norma, nem um princípio, nem uma verdadeira doutrina jurídica, então a fundamentação apresentada não é jurídica, é uma mera aparência de fundamentação e não pode ser admitida como ratio da decisão arbitral, sob pena de se concluir que os tribunais arbitrais não estão vinculados ao Direito, como os demais, não lhes sendo exigível fundamentação normativa das suas decisões.

DD. Ou seja, uma motivação que não é jurídica tem de equivaler a ausência total de fundamentação, que gera a nulidade da decisão; EE. Mais grave, se a aparente fundamentação é, na verdade, uma mera adesão à posição de uma das partes, é inválida, por violação da lei processual; FF. Por tudo o exposto, não podia a questão da falta de fundamentação ter sido decidida sem verificar...

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