Acórdão nº 058/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução30 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

I. Relatório 1. A A………….

, S.A.

[A……….], identificada nos autos, interpõe este recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], de 09.11.2017, que, mantendo a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC de Lisboa], de 18.11.2016, julgou procedente a presente acção de contencioso pré-contratual em que a B…………, S.A.

[B……….], demanda a SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA [SCML] e em que ela, ora recorrente, intervém como contra-interessada [com a «C………, SA» e a «D………»].

Culmina assim as suas alegações de revista: 1- O TAC de Lisboa anulou o acto de adjudicação da proposta apresentada pela A……….. com fundamento na violação do artigo 70º, nº2, alínea e), do CCP e dos princípios da concorrência, da igualdade e da imparcialidade, porquanto, no seu entender, no acto foram tomados em consideração motivos que não integram o âmbito dos esclarecimentos prestados pela A……….. na nota justificativa do preço anormalmente baixo e que, por essa razão, não poderiam ter sido considerados naquele acto que considerou justificado o preço anormalmente baixo apresentado pela A……….; 2- Desta sentença, a A……….. interpôs recurso para o TCAS; 3- Alegou a A…………, em síntese, que a justificação do preço anormalmente baixo não consta apenas da «nota justificativa do preço anormalmente baixo» mas também da «nota justificativa do preço», para a qual aquela remete, documentos que integram a sua proposta; 4- A «nota justificativa do preço» contém a enunciação dos custos em que o «preço» se decompõe, e dos pressupostos que concorrem para o respectivo valor, designadamente, o quadro de pessoal proposto com indicação do número de trabalhadores, suas categorias profissionais, salários e demais custos com o pessoal [subsídios, substituição de férias, segurança social, alimentação em férias, seguro de acidentes de trabalho e medicina no trabalho]; 5- E, foi precisamente com fundamento no quadro de pessoal proposto pela A…….., que a entidade adjudicante considerou justificado o preço porquanto a A………. apresenta um menor custo com o pessoal do que as restantes concorrentes, motivo pelo qual apresentou um preço abaixo do limiar estabelecido no programa do concurso; 6- Porém, o TCAS julgou improcedente a apelação considerando que a «nota justificativa do preço» que enuncia e quantifica as várias componentes tidas em conta para a formação e fixação do preço não satisfaz as exigências de justificação porquanto dela não consta o motivo que explique porque razão o mesmo é anormalmente baixo, não podendo, em consequência, a entidade adjudicante aceitar um preço anormalmente baixo com fundamento nesse documento; 7- Discorda a recorrente deste entendimento porque se a «nota justificativa do preço» explica como é que se forma o preço, quer do ponto de vista quantitativo, através da enunciação dos valores dos custos que concorrem para a sua formação, quer do ponto de vista qualitativo, através da enunciação dos pressupostos que sustentam tais valores [como é o caso do quadro de pessoal proposto], então o preço mostra-se justificado e, por inerência, a sua «anormalidade», podendo, em consequência, a entidade demandada aceitar o preço anormalmente baixo com fundamento na justificação constante «nota justificativa do preço»; Assim, 8- A questão que se suscita na presente revista é a seguinte: Instruindo o concorrente a sua proposta de preço anormalmente baixo com uma «nota justificativa do preço» o qual explica como é que se forma o preço, através da enunciação dos valores dos custos que concorrem para a sua formação e dos pressupostos que sustentam tais valores, a entidade adjudicante pode [ou não] considerar justificado o preço com base nesse documento? 9- A questão suscitada é susceptível de se repetir num número elevado de casos futuros, sendo fundamental que o STA se pronuncie sobre a mesma para uma maior previsibilidade do direito; 10- É essencial para os operadores económicos saber «de que forma devem justificar o preço anormalmente baixo» para não correrem o risco de serem excluídos; 11- E, para as entidades adjudicantes, é essencial saber «que documentos e que justificações são atendíveis para poderem aceitar um preço anormalmente baixo»; 12- Como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo em diversos arestos, a exclusão de propostas de preço anormalmente baixo é uma questão que versa sobre um aspecto muito relevante dos procedimentos de contratação pública, com forte probabilidade de replicação, e em que a solução que seja encontrada pode servir de referência para as decisões dos tribunais e de orientação para as entidades adjudicantes e os operadores económicos num âmbito da actividade administrativa que assume importância pelas consequências económico-financeiras directas e indirectas e pela significativa litigância que lhe anda associada; 13- Estando, pois, preenchidos os pressupostos de admissibilidade da revista, previstos no artigo 150º, nº1, do CPTA; 14- A A………. instruiu a sua proposta com «NOTA JUSTIFICATIVA DO PREÇO ANORMALMENTE BAIXO» e a «NOTA JUSTIFICATIVA DOS PREÇOS» [ver alíneas H) e I) da matéria de facto]; 15- A Entidade Demandada, captando e valorando aquilo que a A……….. lhe transmitiu através daquelas duas notas justificativas do preço, concluiu que a razão pela qual a A………. tinha apresentado um preço anormalmente baixo prende-se, não com o desconto sobre as matérias-primas de que beneficia - uma vez que, apesar desse desconto, o valor apresentado pela A……… para a componente da matéria-prima alimentar é superior ao apresentado pelas restantes concorrentes - mas com o facto de ter apresentado um quadro de pessoal com menos elementos [concretamente 88] do que o apresentado pelas restantes concorrentes [110 no caso do D…….., 113 no caso da C……….., e 120 no caso da B……….], e, consequentemente, um custo menor [ver alínea R) da matéria de facto]; 16- Pergunta-se então: não podia a Entidade Demandada ter valorado como valorou a «nota justificativa do preço» e considerado justificado o preço proposto pela A………? A resposta só poderá ser afirmativa; 17- Contrariamente ao referido pelo tribunal a quo, a «nota justificativa do preço» apresentada pela A………. não se limita a enunciar e quantificar as componentes do preço, pois contém ainda os pressupostos que justificam os valores apresentados; 18- A «nota justificativa do preço» evidencia, por um lado, que a componente da matéria-prima alimentar tem um custo superior ao apresentado pelas restantes concorrentes, e que, por outro lado, o número de recursos humanos a afectar pela A……….. é inferior ao apresentado pelas restantes concorrentes. E é este o motivo que justifica que o preço apresentado pela A………. seja inferior ao apresentado pelas demais concorrentes e abaixo do limiar fixado no «Programa do Procedimento»; 19- Bastaria que a A……….. tivesse apresentado um quadro de pessoal com um número igual ao da D………., da C………… ou da B…………, para que o seu preço ficasse acima do limiar de «anormalidade»; 20- Ora, é do interesse público aceitar uma proposta de preço «anormalmente baixo» que se mostre justificado; 21- O que releva é que a justificação exista, seja apreensível pela entidade adjudicante e que «afaste o risco de incumprimento contratual»; 22- E, no caso, a justificação existe, e afasta esse risco, podendo e devendo ser considerada, como fez, no caso concreto, a Entidade Demandada; 23- O preço proposto pela A……….. cobre os custos, como é evidenciado pela «Nota Justificativa do Preço»; 24- O quadro de pessoal proposto pelo apelante, A………., tem um número inferior ao das restantes concorrentes, tal como evidenciado pela «Nota Justificativa do Preço»; 25- E a diferença de preço entre a sua proposta e as propostas das restantes concorrentes encontra justificação no diferente número de recursos humanos proposto por cada uma das concorrentes, sendo que foi o número de recursos humanos proposto pela A………., porque inferior ao das restantes concorrentes, que determinou que o preço por si proposto se situasse abaixo do limiar de «anormalidade» fixado no Programa do Concurso; 26- O que se mostra evidenciado pela «nota justificativa do preço» apresentada pela A………., quando comparada com as «notas justificativas» apresentadas pelas restantes concorrentes; 27- Assim, não existe o risco de inexecução ou execução defeituosa do contrato; 28- Cometeu, pois, o tribunal a quo «erro de julgamento», violando o princípio da concorrência porquanto determina a exclusão de uma proposta de preço anormalmente baixo que se mostra justificado.

Termina pedindo que o presente «recurso de revista» seja admitido e, a final, julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido.

  1. A autora e ora recorrida B……… contra-alegou oferecendo estas conclusões: I- QUESTÃO PRÉVIA A) O presente recurso tem efeitos meramente dilatórios, tendo como único objectivo impedir o trânsito em julgado das decisões adoptadas nestes autos; B) Assim, e uma vez que a atribuição de efeitos meramente devolutivos ao presente recurso implica a produção de prejuízos de difícil reparação, deverão, nos termos do nº3 do artigo 143º do CPTA, ser atribuídos efeitos meramente devolutivos ao presente recurso; II- A INADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO POR FORÇA DA SUA INUTILIDADE C) São dois os motivos pelo qual o presente recurso é totalmente inútil; D) Porque a sentença proferida pelo TAC de Círculo de Lisboa [confirmada pelo douto acórdão do TCAS] julgou procedentes dois dos vícios imputados pela B………. ao acto de adjudicação impugnado nos autos [i] o vício de violação do artigo 70º, nº1, alínea e), do CCP; e [ii] a violação dos princípios da imparcialidade, igualdade e concorrência e, atendendo à matéria de facto dada como provada nos autos: a) anulou aquele acto [bem como o contrato praticado em consequência do mesmo]; b) condenou a Demandada a «excluir» a proposta da ora recorrente, e a «adjudicar» a proposta apresentada pela B……….; E) Ora, não só a Entidade Demandada não recorreu de qualquer...

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