Acórdão nº 3216/12.3IDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Novembro de 2014
Magistrado Responsável | CASTELA RIO |
Data da Resolução | 26 de Novembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em Conferência os Juízes no Recurso Penal 3216/12.3IDPRT.P1 vindo do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel Submetidos os Arguidos B…, LDA e C… a JULGAMENTO por Tribunal SINGULAR no Processo COMUM 3216/12.3IDPRT do 2JZPNF com o apenso 3550/12.2IDPRT, a AUDIÊNCIA culminou na SENTENÇA [1] que condenou: C… em 180 dias de multa pela prática em 16.11.2011 de um crime doloso de abuso de confiança fiscal à Administração Tributária do IVA de 12.009,57€ do III trimestre de 2011, p.p. pelos arts 6 e 105 do RGIT, em 180 dias de multa pela prática em 15.02.2012 de um crime doloso de abuso de confiança fiscal à AT do IVA de 7.946,36 € do IV trimestre de 2011, p.p. pelos arts 6 e 105 do RGIT e na pena única de 210 dias de multa a 7,5 € diários em cúmulo jurídico ut art 77 do CP, B…, LDA, em 180 dias de multa pela prática em 16.11.2011 de um crime doloso de abuso de confiança fiscal à AT do IVA de 12.009,57€ do III trimestre de 2011, p.p. pelos arts 6 e 105 do RGIT, em 180 dias de multa pela prática em 15.02.2012 de um crime doloso de abuso de confiança fiscal à AT do IVA de 7.946,36 € do IV trimestre de 2011, p.p. pelos arts 6 e 105 do RGIT e na pena única de 210 dias de multa a 15 € diários em cúmulo jurídico ut art 77 do CP, C… e B…, LDA, nas custas do processo sendo cada em 3 UC de taxa de justiça.
Inconformado com o decidido, C… tempestivamente interpôs RECURSO pela Declaração de interposição com MOTIVAÇÃO a fls 233-240=244-251 rematada com as sgs 22 CONCLUSÕES [2]: 1. … o arguido … foi condenado, em cúmulo jurídico, pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos arts. 105°, n.° 1, do R.G.I.T., na pena única de 210 dias de multa, à taxa diária de € 7,50, no valor total de € 1.575,00.
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Discutem-se com o presente recurso duas questões centrais: a de saber se foram violadas as normas constantes dos art. 22°, n.° 2 do R.G.I.T. e do art. 30°, n.º 2 do Código Penal (adiante designado por C.P.).
Quanto à atenuação especial da pena: 3. Face à factualidade dada como provada, entende o Recorrente que é notório que a pena aplica da vai muito para além da culpa do arguido, pelo que deveria a pena ter sido especialmente atenuada nos termos do art. 22°, n.° 2, do R.G.I.T.
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Dispõe o art. 22°, n.° 2, do R.G.I.T. que a pena será especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado.
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Ora, é certo que, até à decisão final, o arguido, ora Recorrente, não efectuou o pagamento da totalidade da prestação tributária; 6. No entanto, efectuou pagamentos parciais que são demonstrativos da reposição da verdade fiscal e da consciência da ilicitude da sua conduta.
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Porém, o tribunal a quo nem sequer deu ao arguido, ora Recorrente, a oportunidade de, num prazo estabelecido pelo tribunal, como de resto resulta da lei, efectuar o pagamento do remanescente da prestação tributária que, no caso concreto, são apenas poucos milhares de euros, e não milhões de euros.
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Pelo que, atendendo-se a que os “montantes não entregues não são extremamente elevados” (vide página 15, linhas 1 e 2, da sentença), que efectuou pagamentos parcelares e que justificou o não pagamento pontual da prestação tributária (não recebimento da parte do imposto declarado, dificuldades da empresa e a prioridade era pagar os salários aos trabalhadores), conforme referido pelo Arguido no seu depoimento - vide faixa 2014224103445_143128_64903 – deveria o tribunal a quo atenuar especialmente a pena, nos termos do art. 22°, n.° 2, do R.G.I.T..
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Em face do supra exposto, resulta a violação do disposto no do art. 22°, n.° 2, do R.G.I.T..
Quanto ao crime continuado: 10. Face à factualidade dada como provada, entende o Recorrente que a ser condenado deveria sê-lo pela prática do referido ilícito de forma continuada, nos termos do art. 30º, n.° 2, do C.P.
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Nos termos do art. 30°, n.° 2, do C.P., constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
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São, assim, pressupostos do crime continuado: 1- Realização plúrima do mesmo tipo de crime; 2- Homogeneidade da forma de execução; 3- Unidade de dolo; 4- Lesão do mesmo bem jurídico; 5- Persistência de uma “situação exterior” que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
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O crime continuado é formado sobre a base de uma pluralidade sequencial de resoluções e subsequente execução de condutas criminosas, que devem ser unificadas para efeitos de punição, atendendo à acentuada diminuição da culpa que preside à reiteração criminosa.
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O elemento agregador ou unificador é, precisamente, essa considerável diminuição da culpa, em resultado da compulsão de um elemento externo, que favorece a continuação.
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Uma considerável diminuição da culpa só é concebível, por outro lado, no quadro da repetição do mesmo tipo legal de crime, ou de tipos que protegem bens jurídicos substancialmente idênticos, e de uma forma de execução criminosa essencialmente homogénea.
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Assim, a figura de crime continuado determina a perda de autonomia das várias condutas do agente, estabelecendo uma ideia de diminuição do grau de culpa do agente, porquanto a execução das diversas actividades aparece facilitada.
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No caso “sub judice” e atenta a factualidade dada como provada, estamos perante a prática do mesmo tipo de crime (abuso de confiança fiscal), factos que foram executados de forma essencialmente homogénea (através da não entrega do IVA, num período temporal limitado, 3° e 4° trimestres de 2011), lesão do mesmo bem jurídico (património fiscal do Estado), no quadro da solicitação da mesma situação exterior (não recebimento da parte do imposto declarado, a necessidade das quantias para fazer face a outras despesas, nomeadamente pagamento de salários dos trabalhadores, atentas as dificuldades financeiras da empresa, por forma a manter a empresa activa).
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Nessas circunstâncias, o não recebimento de parte do imposto, o desvio das quantias recebidas para outros fins, nomeadamente para fazer face a encargos lícitos da empresa, se bem que não tenha aptidão para excluir a ilicitude da sua apurada conduta e a culpa, ainda assim, aquela situação tem virtualidade para mitigar esta diminuindo-a de forma considerável.
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Pelo que, face ao supra exposto, entende o Recorrente ser de considerar estarem preenchidos os pressupostos em que assenta a existência de um crime continuado, devendo a condenação ser efectuada nos termos do art. 79°, do c.P..
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Conclui-se, assim, que a conduta do arguido se insere no âmbito do designado crime continuado, termos em que se conclui ter o arguido praticado um crime continuado de abuso de confiança, não se verificando um concurso real ou efectivo de crimes, como foi entendido na sentença recorrida.
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Neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 29/10/2013, Proc. n.° 21/11.8IDBJA.E1, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 26/05/2010, Proc. n.° 1330/06.3TAGDM.P1.
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Em face do supra exposto, resulta a violação do disposto no art. 30º, n.° 2, do Código Penal.
● TERMOS EM QUE se requer seja dado provimento ao presente recurso, revogando … a decisão ora recorrida e substituindo-a por outra que atenue especialmente a pena e/ou que o condene pela prática do crime de abuso de abuso de confiança fiscal na forma continuada…» [3].
ADMITIDO o Recurso a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo para este TRP ut arts 399, 401-1-b, 406-1, 407-2-a, 408-1-a e 427 do CPP por Despacho a fls 254 notificado aos Sujeitos Processuais inclusive nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e 413-1 do CPP, o MINISTÉRIO PÚBLICO apresentou RESPOSTA a fls 256-258 concluindo que : 1. Não foi produzida prova quanto à verificação dos requisitos exigidos pelo art° 30 n° 2 do C Penal, que a conduta do arguido/recorrente se ficou a dever a um condicionalismo exterior que motivou a repetição do crime e que essa situação diminuiu substancialmente a sua culpa.
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O arguido/recorrente não repôs a verdade fiscal pagando a prestação tributária e demais acres cimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado, não bastando para que tal se verificasse pagamentos parciais, conforme o arguido o fez, pelo que não haveria lugar à atenuação especial da pena, nos termos do art° 22° n° 2 do RGIT.
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Procedeu, pois, o Tribunal ora recorrido, a uma correcta apreciação e fixação da matéria de facto, havendo subsumido esta ao Direito aplicável sem qualquer vício relevante e assinalável e procedido de modo ponderado e justo ao condenar o arguido/recorrente, não se afigurando ter existido violação de dispositivo legal.
● Deve, deste modo, e no nosso entendimento, ser integralmente confirmada a douta decisão recorrida e julgado totalmente improcedente o recurso interposto» [4].
Em Vista ut art 416-1 do CPP o Exmo Procurador Geral Adjunto emitiu a fls 265-266 o PARECER «… que o recurso deve ser julgado improcedente…» por considerar quanto ao crime continuado que «Compulsada a matéria de facto provada, dela nada consta que permita concluir, que a conduta do arguido / recorrente, não se reconduz a uma única resolução criminosa que per durou no tempo, pelo que se mostra de todo ausente da fundamentação de facto, a matéria que permitiria concluir, pela prática de um crime de abuso de confiança (fiscal) p. e p. pelo art. 105°, n° 1, do RGIT, na forma continuada. Tal questão é de resto abordada na sentença na fundamentação de direito a p. 215-216» e «Quanto à pretendida atenuação especial da pena, [que] o MP na sua resposta, evidenciou que a mesma carece de suporte legal, para tanto» [5].
NOTIFICADO o (Il Mandatário do) Arguido para, querendo, responder em 10 dias seguidos ex vi art...
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