Acórdão nº 1754/13.0TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelJUDITE PIRES
Data da Resolução27 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1754/13.0TMMTS.P1 (Extinto) Tribunal Judicial de Matosinhos 5º Juízo Cível Relatora: Judite Pires 1ª Adjunta: Des. Teresa Santos 2º Adjunto: Des. Aristides de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.RELATÓRIO 1. Companhia de Seguros B…, SA, com sede em Lisboa e filial na Rua …, …, ….-…, Porto, intentou contra C…, residente na Rua …, n.º …º, ….-…, em Viana do Castelo, acção declarativa de condenação, com processo experimental (DL n.º 108/2006).

Conclui pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de €5.642,23, acrescida de juros de mora, contados desde 13 de Julho de 2011 até efectivo e integral pagamento, perfazendo os vencidos à data da instauração da acção o valor de €375,32.

Para tanto, alega, em síntese, que, no dia 24 de Junho de 2009, cerca das 19h30m, na Auto-Estrada n.º 28, em Matosinhos, ocorreu uma colisão entre o veículo automóvel ligeiro com a matrícula ..-..9-CP, conduzido pelo réu, e o veículo automóvel de matrícula EJ ...., conduzido por D…, seu proprietário. O veículo de matrícula EJ seguia pelo lado esquerdo da via, a uma velocidade de 80 km/hora, no sentido norte/sul, quando o respectivo condutor foi surpreendido pela presença de um cão na faixa de rodagem. Para evitar atropelar tal animal, de imediato reduziu a velocidade do veículo que conduzia, passando a circular a 40 km/hora. O réu, que seguia na referida via e no mesmo sentido de trânsito, a cerca de 150 km/hora, não atendeu, atempadamente, que o referido veículo de matrícula EJ havia reduzido a velocidade. Por isso, apesar de ter accionado os travões (deixando um rasto de travagem com uma extensão de 39 metros) foi embater com a sua frente na traseira do EJ.

Acrescenta que o réu, à data, circulava com uma taxa de álcool no sangue de 1,58 gramas/litro. Tal estado provocou-lhe desatenção e descoordenação motora, atrasando-lhe o tempo de reacção à manobra de recurso efectuada pelo condutor do EJ, tanto mais que as condições da via e a visibilidade que então se verificavam eram óptimas para a prática da condução.

Do embate resultaram danos para o veículo de matrícula EJ cuja reparação foi orçamentada em €5.117,31.

Uma vez que o proprietário do veículo conduzido pelo réu havia transferido a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do mesmo para a autora, esta veio a pagar ao proprietário do veículo acidentado o montante total de €5.642,23, correspondente ao valor orçamentado para a reparação do veículo e ao valor despendido pelo proprietário do mesmo com o aluguer de um veículo de substituição.

Invoca a autora que tem direito de regresso contra o réu pela quantia que despendeu uma vez o mesmo conduzia sob o efeito do álcool e, por causa disso, causou o acidente, e que, por diversas vezes, interpelado para pagar o montante acima referido, o réu nada lhe pagou.

O réu apresentou a sua contestação na qual começa por invocar a excepção de prescrição do direito de regresso da autora, com fundamento em que, tendo esta pago a indemnização ao lesado em 3 de Março de 2010, na data em que o réu foi citado, em 13 de Março de 2013, já havia transcorrido o prazo de prescrição de 3 anos previsto no n.º 1 do art. 498º do CPC, aplicável na situação sub iudice, por força do disposto no n.º 2 do mesmo artigo.

Impugna expressamente a versão do acidente constante da petição inicial, imputando o acidente dos autos quer ao súbito aparecimento de um cão na via, quer ao excesso de velocidade em que seguia o veículo de matrícula EJ cujo condutor, quando foi surpreendido pelo referido cão, foi obrigado a imobilizar o dito veículo em escassos segundos, sem qualquer sinalização prévia, não dando assim qualquer hipótese ao Réu de evitar a colisão entre ambos os veículos.

Impugna ainda os danos invocados pela autora.

Termina requerendo a improcedência total da acção.

A Autora apresentou resposta à contestação, defendendo a improcedência da excepção invocada pelo Réu, quer com fundamento no facto de o pagamento que efectuou apenas ter ocorrido em 18 de Março de 2010, quer na circunstância de o prazo de prescrição a considerar ser o de 5 anos, uma vez que a conduta do réu preencheu igualmente o tipo legal do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Foi proferido despacho saneador, que relegou para a sentença a apreciação da excepção de prescrição, dispensando a elaboração de temas de prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que enumerou os factos provados e os não provados, analisando de forma crítica a prova produzida e fundamentando a convicção probatória que presidiu ao julgamento da matéria de facto, e, conhecendo do mérito da causa, julgou improcedente a excepção de prescrição invocada pelo Réu e improcedente por não provada a acção, absolvendo o demandado do pedido contra ele formulado.

2. Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Autora recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: “1- A sentença recorrida valorou incorrectamente a prova produzida em sede de audiência de julgamento.

2- De acordo com o depoimento da testemunha D…, condutor do veículo que precedia o veículo que o Réu tripulava e no qual o Réu acabou por embater, a presença do canídeo na A28 fazia-se notar quer pelo próprio animal, que por lá vagueava, quer, principalmente, pelos diversos carros imobilizados e pessoas que se encontravam na berma a acenar aos veículos que ainda circulavam na via para abrandarem a marcha.

3- Tal alvoroço apenas passou despercebido ao Réu, que, fruto da elevadíssima taxa de alcoolemia (TAS 1,58 g/l) com que tripulava o seu veículo, se encontrava totalmente alheado do trânsito e da via; 4- Não se apercebeu ainda, da diminuição progressiva da velocidade do veículo que o precedia e por isso lhe foi embater na traseira.

5- Está assim estabelecido o nexo de causalidade entre a condução sob a influência de álcool e a eclosão do acidente, uma vez que foi por conduzir com uma taxa de alcoolemia elevadíssima, e que um crime previsto e punido no Código Penal, que o Réu não se apercebeu quer do canídeo, quer da diminuição progressiva da velocidade do veículo que seguia à sua frente.

6- Deste modo, devem os pontos d) (apenas “tripulava-o estando totalmente alheio das características da via e do trânsito que se fazia sentir”), e) f), g) e h) dos factos dados como não provados serem dados como provados e, consequentemente, deve o Réu ser condenado no pedido com todas as consequências legais.

7- Refira-se que o nexo de causalidade que a Sentença Recorrida refere que não foi provado, é de prova directa praticamente impossível.

8- É opinião da nossa doutrina e jurisprudência que, por isso, deve este nexo causal ser inferido por presunções legais ou naturais, a que a Sentença Recorrida não recorreu.

9- Como refere o STJ em acórdão datado de 07/07/2010 “Como todos sabemos, está cientificamente estabelecida – e revelada pela experiência comum – uma relação entre o álcool e a diminuição das capacidades de vigilância e rapidez de reacção, que naturalmente varia em função da quantidade de álcool no sangue e das pessoas em concreto, mas que constitui base suficiente para as referidas presunções”.

10- Ora, fazendo uso da prova produzida, nomeadamente no que diz respeito à TAS acusada pelo Réu e às próprias condições em que ocorreu o acidente, das presunções judiciais, naturais e mesmo legais (nomeadamente a do artigo 292º do Código Penal que penaliza criminalmente quem tripule um veículo com uma TAS igual ou superior a 1,2 gramas por litro, presunção juris et de jure) concluir-se-á que o Réu, na altura do acidente, tripulava o seu veículo totalmente embriagado.

11- Com a revogação do DL 522/85 de 31 de Dezembro e a entrada em vigor do DL 291/07 de 21/08 o legislador alterou os pressupostos do exercício do direito da seguradora contra o condutor que acuse uma TAS superior à legalmente permitida.

12- Enquanto a alínea c) do art. 19º do DL 522/85 exigia a demonstração do nexo de causalidade entre a ingestão do álcool e o acidente, a alínea c) do art. 27º do DL 291/07 apenas exige a demonstração da culpa exclusiva do condutor na produção do acidente e que o mesmo acuse uma TAS superior à legalmente permitida.

13- De tal alteração de redacção conclui-se que o legislador prescindiu da demonstração, pela seguradora, do nexo causal entre a ingestão do álcool e a produção do acidente uma vez que tal nexo se presume (estando, aliás, de acordo com a atitude punitiva que estabelece o Código Penal no art. 292º).

14- Assim, deve a Sentença Recorrida ser substituída por outra que condene o Réu no pedido.

Termos em que deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra nos termos das conclusões supra (…)”.

O apelado contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença impugnada.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

  1. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente: - Se o tribunal recorrido errou na apreciação da matéria de facto que, sob as alíneas d), e), f), g) e h), deu como não provada; - Se, de todo o modo, a sentença devia ter condenado o Réu a pagar à Autora as quantias por esta desembolsadas para ressarcir os prejuízos do dono do veículo em que embateu o Réu.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Foram os seguintes os factos julgados provados pela primeira instância: 1. No dia 24 de Junho de 2009, pelas 19 horas e 30 minutos, na...

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