Acórdão nº 224/10.2GACPV.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução12 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 224/10.2GACPV.P1 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 224/10.2GACPV, do Tribunal Judicial de Castelo de Paiva, o Ministério Público acusou B…, solteiro, trolha, nascido a 9 de novembro de 1981, em …, Cinfães, filho de C… e de D…, residente na Rua …, n.º .., …, …, Cinfães, pela prática, - de dois crimes de homicídio por negligência, previstos e puníveis pelos artigos 137.º, n.º 1, e 169.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal; - de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelos artigos 143.º, n.º 1, e 148.º, n.º 1, do Código Penal.

E…, F… e G…, devidamente identificados nos autos e neles constituídos assistentes, deduziram acusação pelos mesmos factos que constam da acusação pública.

H…, devidamente identificada nos autos e neles constituída assistente, pediu a condenação da “I…, Companhia de Seguros, S.A.”, com sede na Rua …, .., em Lisboa, no pagamento da quantia de € 48 417,08 (quarenta e oito mil quatrocentos e dezassete euros e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação, a título de indemnização por danos de natureza patrimonial e não patrimonial que suportou.

Apresentou o Arguido contestação escrita, onde oferece o merecimento dos autos.

Por decisão judicial datada de 6 de dezembro de 2012, foi homologada a transação celebrada entre a Assistente H… e a “I…, Companhia de Seguros, S.A.”, bem como a desistência da queixa relativamente ao crime de ofensa à integridade física por negligência, de que aquela era ofendida.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada em 20 de dezembro de 2012, foi decidido: «Absolver o arguido B… da prática dos dois crimes de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.º do Código Penal, de que vinha acusado.» Inconformados com tal decisão, os Assistentes E…, F… e G… dela interpuseram recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «I – O presente recurso tem por objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos, que absolveu o arguido B… da prática de dois crimes de homicídio por negligência, previstos e punidos pelo art. 137º, n.º 1 e 69º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.

II – Nos termos do art. 412º, n.º 3, al. a) CPP, consideram os Recorrentes incorretamente dado como não provado, na sentença de que se recorre, que “o arguido tivesse iniciado a manobra de ultrapassagem sem se certificar que a poderia fazer sem que houvesse perigo de colisão com o veículo que circulava na via oposta” e que “o arguido sabia que, ao iniciar a manobra de ultrapassagem, tal conduta seria apta a produzir o resultado verificado”, porquanto tal factualidade, atenta a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, deveria ter sida dada como provada.

III – Isto porque a versão do acidente dada pelo arguido e depois de corroborada por duas testemunhas (J… e K…), passageiros do veículo que o mesmo conduzia, é completamente contrariada pelos depoimentos prestados pelo militar da GNR L… e Cabo Chefe M…, ambos presentes no local imediatamente após o acidente.

IV – O depoimento do Cabo Chefe JM…, perito do NICAV, é peremptório, no sentido de existir apenas uma versão dos acontecimentos plausível.

V – A ausência de outras testemunhas oculares do acidente de viação que não as testemunhas que seguiam no veículo conduzido pelo arguido, e o falecimento dos ocupantes da viatura que circulava em sentido contrário, não são circunstâncias raras, mas o que torna complexo o apuramento da verdade, neste caso em concreto, é a necessidade quase absoluta, atento o absurdo do acidente, de interpretar os vestígios dos veículos no local do acidente.

VI – No caso em apreço, pese embora a ausência de outras testemunhas oculares do acidente de viação, existe um razoável número de vestígios recolhidos no local do embate das viaturas, que permitiram uma interpretação racional do acidente (que é de uma complexidade fáctica fora do comum), que o Tribunal a quo não valorou convenientemente.

VII – Atento o exposto, foi produzida prova que impunha decisão diversa da recorrida, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP.

VIII – Entendeu-se na douta sentença recorrida que se encontra preenchido o elemento objectivo do tipo legal de crime de homicídio negligente.

IX – Não considerou o Tribunal a quo provado que o arguido não agiu com o cuidado que lhe era exigível e possível e que, em consequência, veio a colidir com o outro veículo, tendo concluído pelo não preenchimento do elemento subjectivo do tipo legal do crime de homicídio por negligência.

X – Todavia, ocorreu produção de prova (nomeadamente a referente do depoimento do Cabo Chefe M…, perito do NICAV) que impõe, objectivamente, decisão diversa da recorrida, daí resultando o preenchimento do elemento subjectivo do tipo legal do crime de homicídio por negligência.

XI – Não restam quaisquer dúvidas de que o arguido praticou os crimes de que ia acusado e, pelo exposto, o Tribunal a quo não interpretou, nem aplicou, correctamente o art. 137º, n.º 1 do CP.

PELO QUE NESTES TERMOS E NOS DEMIAS DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVERÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER O ARGUIDO CONDENADO PELA PRÁTICA DE DOIS CRIMES DE HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA, PREVISTOS E PUNIDOS PELO ART. 137º, N.º 1 E ART. 69º, N.º 1, AL. B) DO CÓDIGO PENAL.

FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA.» Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:1ºO Tribunal a que apreciou correctamente as provas produzidas em audiência de discussão e julgamento, cabendo tal apreciação, de qualquer forma e de maneira absolutamente adequada, na margem de liberdade de que o julgador sempre dispõe na apreciação da matéria de facto e que o legislador processual penal expressamente consagrou no art. 127º do C.P.P.

  1. Pelo que deverá ser mantida a decisão agora em crise, considerando-se a não procedência do recurso interposto pelo arguido.

    Termos em que deve, Negar-se provimento ao recurso e, em consequência, manter-se a douta sentença proferida nos autos nos seus precisos termos, assim se fazendo, uma vez mais, a costumada JUSTIÇA Respondeu também o Arguido, junto da Instância recorrida, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: «1ª A prova foi inequívoca no sentido de que o condutor do Fiat passou a faixa mais à direita para a faixa central em momento em que o arguido por aí circulava em ultrapassagem a viatura que não foi possível identificar.

  2. O depoimento da testemunha não presencial – agente M… – foi parcial e infundado, sendo manifesta a sua vontade de não responder a questões objectivas e claras e em efectuar avaliação da estrita competência do Tribunal.

  3. A M.ma Juiz a quo fez, por isso, uma aplicação do Direito em perfeita consonância com a factualidade apourada.

    Termos em que, julgando-se improcedente o recurso interposto pelos assistentes se fará JUSTIÇA» O recurso foi admitido.

    *Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto, analisando os elementos probatórios constantes dos autos, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

    Observou-se o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal.

    Na resposta que apresentou, o Arguido manteve a posição anteriormente assumida no processo.

    Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

    Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

    II.

    FUNDAMENTAÇÃO De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[1], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

    As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[2].

    Posto isto, e vistas as conclusões dos recursos, a esta Instância é colocada, apenas, a questão da incorreta valoração da prova produzida em julgamento.

    *Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]: «1. No dia 6 de Junho de 2010, cerca das 15H10, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-RI, no interior do qual seguiam, como passageiros, para além de outros, H…, o que fazia na Estrada Nacional nº …, em Castelo de Paiva.

    1. O arguido seguia no sentido de trânsito …/….

    2. Na mesma estrada e à mesma hora circulava, no sentido …/… o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-IH, o qual era conduzido por N…, sendo ainda ocupado por O….

    3. Não chovia, nem havia nevoeiro.

    4. O tráfego rodoviário não era intenso.

    5. A via em causa tem uma largura de 10,20 metros, encontrando-se em regular estado de conservação e é constituída por três vias de tráfego, sendo uma no sentido …/… e duas no sentido …/….

    6. Àquela hora supra descrita, o arguido decidiu efectuar uma manobra de ultrapassagem.

    7. Assim, ao sair da sua via e entrar na via oposta, o que fez com o propósito de realizar uma ultrapassagem, o veículo que o arguido conduzia foi embater de frente com o veículo que o ofendido conduzia.

    8. Como consequência do embate descrito a ofendida O… sofreu lesões traumáticas cranianas que provocaram choque hemorrágico, o qual foi causa directa e necessária da sua morte; e o ofendido N… sofreu lesões traumáticas cranianas e abdominais que provocaram choque hemorrágico, o qual foi...

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